Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na cerimônia de encerramento da 18ª Conferência Industrial Argentina
Buenos Aires-Argentina, 28 de novembro de 2012
Boa tarde a todos. Buenas tardes.
Excelentíssima senhora, minha querida presidenta da nação argentina, Cristina Fernández de Kirchner, que eu tenho a honra de dizer também minha amiga,
Senhor Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires,
Senhoras e senhores ministros de Estado da Argentina e do Brasil,
Senhor José Ignácio De Mendiguren, presidente da União Industrial Argentina,
Senhor Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria,
Senhoras e senhores empresários argentinos e brasileiros desta 18ª Conferência Industrial Argentina,
Senhoras e senhores,
Senhores jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas,
Senhoras e senhores,
Eu, primeiro, queria agradecer o convite para aqui hoje, ao lado da presidenta Cristina Kirchner, encerrar esta 18ª Conferência da União Industrial Argentina. Felicito a União Industrial Argentina pela escolha do tema “A integração bilateral”, e fico extremamente motivada pelas palavras do presidente da União Industrial Argentina, Mendiguren.
A integração Brasil-Argentina, ela tem de exigir de nós aqui presentes um diálogo permanente, um diálogo permanente entre governo e empresariado. E ela exige esse diálogo para que nós possamos construir uma das mais importantes parcerias no nosso hemisfério e no mundo. Uma parceria, uma aliança, uma integração entre dois países com riquezas naturais extraordinárias. Líderes na produção de alimentos, com recursos energéticos e minerais verdadeiramente estratégicos. Países que não precisam e nem devem se especializar apenas na produção de commodities, pois possuem o potencial para ter indústrias de grande integração. Países democráticos que vivem em paz, países vizinhos, países amigos, países irmãos.
O êxito dessa associação depende fundamentalmente de cada um de nós, depende de nossa capacidade de planejá-la, de nossa vontade política de realizá-la, de nossa disposição para superar todos os obstáculos e desafios que se interponham no caminho da nossa integração.
Nesse caminho é crucial o fortalecimento dos nossos setores industriais. É estratégica a integração de nossas cadeias produtivas, de forma a construir uma relevante e competitiva indústria regional. Compartilhar processos, produtos, inovação; cooperar em ciência, em tecnologia e educação; buscar a nossa integração industrial regional, é disso que se trata.
Temos, hoje, maturidade política e econômica para cooperar. Temos um quadro internacional que nos impõe essa necessidade. É bom destacar que a volta da democracia em nossos países soterrou os nefastos resquícios de rivalidade regional do passado. Argentina e Brasil são sócios comerciais de primeira grandeza e investidores recíprocos de peso.
Nossa tarefa primordial deve ser trabalhar por uma mentalidade de negócios verdadeiramente binacional. Temos de nos olhar mais do que como parceiros; como sócios de um grande empreendimento binacional.
Há dez anos o comércio, nos dois sentidos, não passava de US$ 7 bilhões. Em 2011 alcançamos uma cifra recorde de US$ 40 bilhões, mas nós sabemos que isso é pouco, é insuficiente para nossa dimensão, para o tamanho dos nossos países e para o que, seguramente, nós representamos na área internacional.
Neste ano nós vamos ter números menores, que devem chegar a US$ 34 bilhões, representando, mesmo assim, o segundo melhor desempenho na série histórica. Nós devemos, sem sombra de dúvida, superar desequilíbrios comerciais entre nossos países, reduzir nossas assimetrias e buscar uma relação que deve ultrapassar o marco do comércio e se tornar uma relação comercial produtiva.
Para isso, os investimentos recíprocos serão cada vez mais decisivos. O estoque de investimento de capitais brasileiros na Argentina soma hoje US$ 15 bilhões. Deverá elevar-se para US$ 20 bilhões nos próximos anos, o que ainda é pouco. Os investimentos da Argentina, da mesma forma, já ultrapassam US$ 7 bilhões e esperamos, também, que se elevem muito mais.
O nosso objetivo tem de ser a cooperação intensa e complementar em áreas estratégicas da indústria. Repito: é fundamental, para que nós mudemos de patamar, a cooperação em áreas estratégicas da indústria; áreas que exigem elevado grau de investimento e inovação; áreas intensivas em capital, como os setores naval, nuclear, espacial, todos os setores de pesquisa científica e tecnológica, energia, infraestrutura, setor financeiro, defesa, setor aeronáutico, televisão digital, tecnologia da informação.
Nós queremos uma intensificação das relações... de todas as nossas relações, incluindo um relacionamento estratégico na área do crédito e do financiamento. O BNDES aprovou cerca de US$ 7,5 bilhões. Desse total, US$ 2,5 [bilhões] correspondem a projetos em andamento ou realizados. A carteira aprovada é de US$ 4,5 bilhões, aguardando as respectivas licitações e adjudicações.
Para nossa integração, nós devemos considerar que esses são números muito modestos. O nosso objetivo tem de ser mais ambicioso, pois, para nossa integração, temos de construir um verdadeiro canal de crédito. Da nossa parte, estamos procurando, buscando, pensando e o nosso objetivo é superar os entraves, todos os tipos de entraves que existem, para que possamos expandir ainda mais os nossos financiamentos.
A Argentina é o maior mercado industrial para o Brasil. O Brasil é o principal mercado industrial para a Argentina. Nós importamos uns dos outros. A integração produtiva no setor automobilístico, por exemplo, representa 50% do nosso comércio bilateral.
Sem dúvida, nós devemos sempre buscar um equilíbrio maior nas nossas relações comerciais, mas o nosso equilíbrio não pode ser obtido com base na redução das nossas relações, mas, sim, da expansão das nossas relações, da sua ampliação.
O Brasil deseja que os produtos argentinos participem, numa proporção maior, do mercado brasileiro, e que os produtos argentinos cheguem ao Brasil não como produtos vindos de um outro país, mas como produtos portadores de conteúdo local, porque nós construímos um mercado inter-regional.
Queremos que plantas localizadas no Brasil possam ser abastecidas por máquinas e equipamentos fornecidos por plantas localizadas na Argentina e vice-versa. Queremos um acordo cada vez maior entre os nossos segmentos industriais, porque é importante e estratégico e resultará em benefícios para as nossas nações essa integração industrial; para as nossas nações e para os nossos povos, para os seus empregos e para a qualidade da agregação de valor na nossa produção.
Nós não podemos negar o impacto adverso das restrições administrativas sobre o intercâmbio bilateral, mas também é forçoso reconhecer que, em grande medida, os números de 2012 refletem a diminuição da atividade produtiva e do consumo, não só no Brasil e na Argentina, mas, por comparação, em termos muito piores no resto do mundo.
Não obstante essa realidade, nossos arranjos não podem levar a uma situação de desvio do comércio recíproco em benefício de parceiros extra-regionais. Podemos ter parceiros extra-regionais, mas não em detrimento do avanço da nossa relação de integração regional.
Senhoras e senhores,
Em um contexto de crise econômica internacional, a ação do setor privado e dos nossos governos em defesa do crescimento de nossa indústria é ainda mais urgente e necessária. O Brasil tem debatido a difícil situação por que passam a Zona do Euro e a economia dos Estados Unidos da América. A Europa encontra-se diante da recessão e as autoridades, as próprias autoridades da Zona do Euro avaliam que será uma conjuntura que se prolongará por vários anos. A economia dos Estados Unidos também passa por dificuldades desde a falência do Lehman Brothers, em 2008. O peso de sucessivos déficits orçamentários hoje confronta, não só Washington, mas a comunidade internacional, com a perspectiva muito pouco tranquilizadora do chamado abismo fiscal na maior economia do mundo. Esperamos que o governo do presidente Obama, renovado nas urnas, supere esse desafio.
Estamos conscientes de que essa crise econômica tem o poder de afetar todo o Planeta, e seus novos e inquietantes contornos já atingem os países emergentes e em desenvolvimento. O Brasil vem defendendo uma articulação, uma combinação entre ajustes e estímulos fiscais, com vista à retomada do crescimento, porque nós sabemos, por conhecimento próprio – porque doeu na nossa carne, aqui na América Latina –, a terrível experiência dos ajustes recessivos ocorridos em nossos países na década de 80 e 90: desindustrialização, desemprego, perda de direitos sociais e democráticos, desesperança.
O legado daquele sacrifício, sem retorno social e econômico, foram duas décadas perdidas para o desenvolvimento. Ficamos à míngua, sem crescimento econômico, sem geração de empregos, paralisados, sem recursos para as políticas de inclusão social, sem instrumentos para o aperfeiçoamento da educação ou para investir na melhoria de nossa infraestrutura. Naquele momento interrompemos a nossa industrialização e perdemos um tempo valioso ao descuidarmos do imprescindível projeto de integração regional.
Nós sabemos, todos nós, que ajustes são, eventualmente, necessários, mas para que a austeridade não derrote a si mesma, são imprescindíveis ações em favor do crescimento e do emprego, e eu acrescento, da cooperação e da integração regional dos nossos países.
Como bem demonstram os dez últimos anos em nossos dois países, crescer e distribuir renda têm profunda significação econômica, além de ser um imperativo moral e ético. Sabemos nós todos, senhoras e senhores, que a resposta dada à crise econômica, baseada apenas na austeridade, está levando os países desenvolvidos à recessão e, por consequência, à redução do comércio internacional. As empresas desses países, com a crise, passaram a dispor de uma imensa capacidade ociosa e procuram mercados emergentes para colocar suas manufaturas.
Ao mesmo tempo, amplos programas de expansão monetária, que nos últimos 4 a 5 anos perfizeram cerca de US$ 9 trilhões e ainda estão em andamento, tentam transferir para nós uma parte do custo do ajuste dessas economias. É que as moedas desses países se desvalorizaram artificialmente e provocaram uma melhoria da capacidade competitiva das manufaturas dos países desenvolvidos, o que afeta bastante as nossas indústrias ou pode vir a afetá-las bastante.
Em síntese, o quadro é o seguinte: primeiro, recessão na Europa, recuperação lenta nos Estados Unidos, redução do crescimento nos mercados emergentes; segundo, redução da demanda internacional, convivendo com um imenso volume de manufaturas produzidas nos países desenvolvidos; terceiro, penalização severa das nossas indústrias, por conta de uma competição baseada em moedas artificialmente desvalorizadas.
Diante desse quadro internacional, se mais razão não existisse, a nossa, eu diria, única opção, além de ser a melhor, é buscar mais integração e mais solidariedade entre os dois maiores países deste lado do hemisfério. Jamais nós podemos considerar a possibilidade de menos integração, porque esse seria um erro histórico imperdoável. Nós já perdemos oportunidades no passado, de estreitar as nossas relações, de nos integrarmos. Neste momento não temos o direito, perante nossos povos e nossos países, de cometer o erro de não nos integrarmos.
Senhoras e senhores,
Nós queremos e devemos reproduzir na indústria e no setor de serviços de nossas economias a exitosa experiência que fez do Brasil e da Argentina potências agropecuárias, produtoras de alimentos e de agroenergia, agregando às condições do país as condições naturais dos nossos países, a eficiência do trabalho, as descobertas da ciência, a inovação da tecnologia e as oportunidades que a educação de qualidade e a formação profissional oferecem.
Se nós pudemos fazer isso com a nossa área agrícola, nós podemos fazer também com a área industrial. Nossa firme decisão de fortalecer a indústria envolve a busca de uma maior competitividade das nossas economias, em especial da economia brasileira, porque eu falo em nome do Brasil e acredito que essa decisão e essa consciência da importância da indústria é essencial, como disse o Presidente da União Industrial Argentina, para que nós possamos produzir valor, e não importá-lo.
Para tanto, o Brasil está tomando providências características da sua economia, dos entraves que a economia brasileira possuía. Estamos reduzindo o custo do capital e, portanto, do investimento. Criamos as condições para alterar, no Brasil, o mix de juros e câmbio em nossa economia. Reduzimos a apreciação artificial de nossa moeda. Fizemos os juros internos convergirem para um patamar mais condizente com o do mercado internacional.
O elemento central da nossa estratégia é a solução dos gargalos históricos da infraestrutura, e aqui nós temos uma imensa área para cooperarmos, porque priorizamos investimentos em logística e energia. Na área de logística, por exemplo, prevemos licitações para construção de ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Queremos fazê-los em parceria e sociedade com empresários argentinos. Na área de petróleo e gás estamos prevendo leilões para os regimes de partilha e de concessão de blocos de exploração em 2012. Também queremos fazê-los em parceria.
Em todos esses setores apostamos, tanto na participação de empresas privadas como em parcerias entre o setor privado e o setor público. Para tais investimos, eu repito, queremos que as empresas privadas brasileiras participem, e convidamos as empresas argentinas para assumir um papel ativo e de protagonismo.
Outro fator importante no Brasil está sendo a redução do custo do trabalho, não através do desemprego ou da perda de direitos trabalhistas, mas através da desoneração da folha de pagamento das empresas, o que beneficia porque barateia o custo da mão de obra, importante para a composição dos custos e da nossa competitividade. Buscamos a redução do custo da energia, pois os contratos de concessão no Brasil venceram e, junto com a eliminação de encargos, resultará na diminuição dos custos de produção industrial, porque vai baratear a energia.
Nós somos um país que aprendeu com seus próprios erros. Dispomos hoje, porque lutamos muito para construir, um setor financeiro robusto submetido à ação rigorosa dos agentes reguladores, em especial do nosso Banco Central. Exigimos o cumprimento estrito dos requisitos de capital necessários para manter a solidez do nosso sistema financeiro. Por isso mesmo, os nossos bancos não foram atingidos nessa crise.
Estamos convictos, muito convictos, de que o Brasil e a Argentina, somados, representarão, representam já um dos mercados mais importantes do mundo e, por isso, com grandes oportunidades recíprocas.
O Brasil, em 2011, foi o 3º maior mercado mundial de computadores pessoais, e o 5º mercado de telefones celulares, juntos, nós galgaremos mais posições. Hoje, o Brasil é o 4º maior mercado de consumo de alimentos, de bebidas, automóveis e motocicletas, e o 3º em geladeiras, juntos, galgaremos outras posições. O mais relevante disso, e que é o centro do nosso modelo de desenvolvimento, é que tenhamos podido retomar o crescimento e, ao mesmo tempo, distribuir renda, garantindo o equilíbrio macroeconômico.
A redução da vulnerabilidade externa do Brasil e o vigor de seu mercado interno ajudam a explicar a atração que exercemos sobre o investimento estrangeiro. Gostaríamos que uma parte expressiva dessa atração fosse preenchida por parcerias entre o Brasil e a Argentina.
Caros amigos,
Os megaeventos esportivos que o Brasil sediará nos próximos anos, em especial o Mundial de futebol de 2014 e as Olimpíadas de 2016, também vão demandar vultosos investimentos em transportes urbanos, aeroportos, complexos esportivos e setor hoteleiro. São multiplicadores de renda e de investimento, que vão possibilitar melhoria da qualidade das nossas metrópoles. Mas, sobretudo, neste caso aqui, abrem oportunidades também para empresários e empresas argentinas.
Com a recente incorporação da Venezuela ao Mercosul, nós reafirmamos também um compromisso com o desenvolvimento e com a estabilidade democrática da região. Criamos, para nós, um espaço ampliado, tanto em recursos naturais como em recursos energéticos. Ampliamos o mercado consumidor para toda a indústria regional.
Eu queria destacar aqui que a cadeia petrolífera e de gás é particularmente promissora em nosso país. No Brasil, o pós e o pré-sal demandarão uma indústria regional naval e de máquinas e equipamentos. As recentes descobertas, também aqui na Argentina, de shale oil, tight gas... shale gas, aliás, e tight oil, devem posicionar a Argentina como a terceira maior reserva mundial. Somados, nós temos, verdadeiramente, uma posição muito estratégica.
E eu queria aqui reiterar a necessidade de consolidar ampla cadeia regional de produção, refino e distribuição de combustíveis, e, sobretudo, de construção de estaleiros, de indústrias de produção de máquinas e equipamentos voltados para o fornecimento para essa área. Reitero porque acredito que essa é uma das grandes oportunidades que se abrem à nossa frente.
Senhoras e senhores,
As últimas décadas ensinam para todos nós, principalmente a última década, que as relações entre Brasil e Argentina respondem, e com louvor, a impulsos que são estruturantes. Nós convergimos no projeto de integração. Nossos laços bilaterais foram fundamentais para a construção do Mercosul.
Nós decidimos enfrentar o objetivo da superação das desigualdades nos planos nacional e regional. Enquanto no Mercosul criávamos o Focem, internamente implementávamos programas como Bolsa Família no Brasil e o Plano Família na Argentina. Aspiramos ao crescimento econômico com distribuição de renda.
Apenas – e aqui eu queria homenagear a presidenta Cristina – a chegada ao poder de governos progressistas permitiria a emergência desse paradigma em nossa região. E é um paradigma que ampliou e tornou extremamente importante e estratégico os nossos mercados internos que, hoje, são mercados internos de massa.
Devemos e podemos avançar mais. Enfrentemos com disposição os desafios imediatos, sem esquecer jamais da importância de construirmos uma região plenamente desenvolvida e socialmente avançada. Precisamos cultivar uma correta percepção da importância das nossas relações e sempre avaliar o quanto já progredimos. Será sempre preferível enfrentar e resolver atritos pontuais, característico das alianças fortes e estruturantes, do que cair no vazio deixado pela ausência de projetos comuns.
Retomo a ideia de reunir o Conselho Empresarial Brasil-Argentina como espaço privilegiado para a construção de pensamentos estratégicos. Em uma semana conto reencontrá-la, amiga e presidenta Cristina, na Cúpula do Mercosul. Lá, todos vocês serão bem-vindos para o 1º Fórum Empresarial do Mercosul. E, também, no dia 7 de dezembro, em Brasília, nós nos propomos a dar continuidade a esse diálogo.
Eu queria dizer que juntos nós somos muito mais fortes, juntos nós temos condição de enfrentar, de uma forma mais efetiva, os desafios que o mundo coloca diante de nós e as obrigações que os nossos povos nos impõem, porque devemos a eles mais desenvolvimento, mais justiça social e a manutenção desse quadro democrático e de paz que honra a nossa região.
Muito obrigada.
Ouça a íntegra do discurso (32min25s) da Presidenta Dilma