Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após visita à exposição “O olhar que ouve”, de Carlinhos Brown - Brasília/DF
Palácio do Planalto, 23 de abril de 2013
Presidenta: Estou vendo a Tânia ali e fico feliz quando eu vejo a Tânia. Gente, eu acho muito importante registrar a presença do Carlinhos aqui. Eu cheguei perto para mostrar para vocês que eu ganhei uma caxirola.
Jornalista: Um dia eu vou ser presidenta e ganhar uma caxirola?
Presidenta: Eu acho que você não precisa de ser presidenta, você pode ganhar a caxirola sem isso. Vou ver se eu consigo...
Jornalista: A senhora vai para Argentina?
Presidenta: Vou para a Argentina fazer a minha reunião. De mais ou menos de três em três meses nós temos feito.
Jornalista: A discussão...
Presidenta: Olha, nós teremos uma pauta bastante ampla com a Argentina. Nós sempre discutimos todas as relações, as comerciais, os investimentos, também toda a interação entre o Brasil, a economia brasileira, e a economia argentina. Nós iremos discutir todos os assuntos.
Jornalista: A Vale e a Petrobras?
Presidenta: Todos.
Jornalista: Presidente, falando em Petrobras, alguma chance desse pacote do etanol reduzir o preço da bomba? A ideia é essa: diminuir a importação e reduzir preço?
Presidenta: Olha, a ideia é sempre reforçar o setor de etanol. É um setor que no mundo é reconhecido como um segmento que poupa a emissão, que poupa, vamos dizer assim, e torna mais eficiente o uso da energia. O que que poupa? Poupa emissões de gás de efeito estufa. Por quê? Porque o etanol é um combustível renovável, que todos aqueles derivados da gasolina, dos hidrocarbonetos, não são. Além disso, o etanol, ele tem uma importância na economia brasileira, porque nós somos o país que não só teve o maior avanço na área de uso desse combustível baseado, no caso nosso, na cana de açúcar, e é reconhecido por vários países do mundo, pelos Estados Unidos por exemplo, como combustível etanol avançado, por não, por mitigar a emissão de gás de efeito estufa. Além disso, eu acredito que o etanol compõe um segmento econômico, um segmento agroindustrial no Brasil, porque ele tem esse dois aspectos. Tem o aspecto de plantação de cana, que é, vamos dizer assim, a fonte do qual você extrai o etanol, e tem a parte industrial, que é a parte das usinas, vocês têm os dois. Tanto você sofre os efeitos das flutuações agrícolas como você sofre as características do mercado de energia. Então, o etanol para o Brasil ele tem um significado muito grande. Primeiro por ser renovável, segundo por ser, vamos dizer, amigável do ponto de vista da emissão e terceiro da economia. A formação do etanol está ligada a dois mercados distintos. O que nos queremos com os 25% é reconhecer que esse ano a produção de etanol foi uma produção maior e, portanto, de 20% nós podemos ir para 25%, porque esse é um mecanismo também muito tranquilo de regulação. Quando aumenta a produção você consome mais. Quando reduz, você reduz, o que não provoca nenhuma alteração como ocorreu no passado, quando houve problema de abastecimento. Hoje, esse setor é extremamente flexível. Um por causa dessa variação no preço do etanol, que é álcool anidro, e que compõe os 25% ou os 20%, no caso, agora, nós passamos para 25%. E outra é que o flex fuel faz isso, você pode, você consumidor, pode chegar na bomba e escolher “Não, que quero encher meu tanque com tanto de gasolina e tanto de etanol”.
Jornalista: Vai ter redução na bomba?
Presidenta: Meu querido, às vezes o preço compensa e às vezes não compensa. O fato de ser flexível é que justifica, hoje, nós termos dado um passo na direção da estabilidade desse setor. Quando nós, nos anos 80, usamos carros a álcool, eles eram inflexíveis, ou é álcool ou é era nada. O que aconteceu? Aconteceu que como é um produto que sofre as variações do clima, uma seca ou algo assim interfere na produção da matéria prima, nós conseguimos superar isso. Como? Através de uma tecnologia, que é o uso do carro flex fuel. Você, na bomba, sem interferência de ninguém, nem do motorista nem de ninguém, você pode botar no seu veículo o quanto que você quiser de cada um dos combustíveis. É isso que faz a diferença. Por isso que o Brasil tem hoje a possibilidade de ter, e eu acredito que teremos cada vez mais, um setor de etanol que vai ter dupla função: produzir para o mercado doméstico, mas tem todas as condições, também, de exportar para o mercado internacional. Por quê? Porque a produtividade da nossa agricultura, quando se trata de cana de açúcar que vai virar etanol, ela é extremamente elevada se comparada com outras fontes. E também as nossas usinas, nós temos usinas modernas que são extremamente eficientes. Então, esse setor é um setor que veio para ficar e que nós sempre temos de, volta e meia, revisitar para ver o que pode ser feito para dar suporte para os nossos produtores.
Jornalista: O preço vai ficar mais amigável?
Presidenta: Olha, eu não creio que seja uma decisão que eu possa tomar aqui. Eu chego e digo aqui para vocês: “Olha, o preço vai ser assim ou assado”. Tem de ver como está o mercado, eu não tenho como adiantar para vocês.
Jornalista: Mas a trajetória dos juros hoje é crescimento?
Presidenta: Está vendo? A Tânia saltou do preço do etanol para os juros.
Jornalista: O problema é o mesmo, a inflação...
Presidenta: Ô Tânia, olha aqui Tânia, vou te falar uma coisa, eu não falo de juro com vocês...
Jornalista: Mas falou na véspera do Banco Central.
Presidenta: Sabe o que eu lamento... Não, eu falei outra coisa, falei num discurso sobre a estabilidade no Brasil, sobre o fato de que o Brasil não negocia com a inflação, não flerta com a inflação, que nós temos o histórico de combate à inflação e de controle da inflação. Agora, eu não vou, em hipótese alguma, Tânia, porque eu tenho uma responsabilidade presidencial, dar base para qualquer especulação que se faz e que, de uma certa forma, eu acredito que, naquele momento, distorceu minhas palavras. Então eu não vou falar sobre coisas que eu não quero ver distorcidas. O que estou dizendo é isso: o Brasil não flerta...
Presidenta: Não, não tem de dar tchau. O Brasil não flerta com a inflação... nem querendo.
Jornalista: O que a senhora lamenta? A senhora ia dizer que lamenta...
Presidenta: Lamento? Não, lamento a distorção, querida...
Jornalista: A senhora está preocupada com o programa do Eduardo Campos.
Presidenta: Quem, meu querido?
Jornalista: O programa do PSB na televisão...
Presidenta: Cada partido tem direito de fazer seu programa.
Jornalista: A senhora não está curiosa?
Presidenta: Eu não estou curiosa nem com o meu.
Jornalista: Presidenta, mas há uma preocupação grande com a inflação. E aí...
Presidenta: Gente... veja bem, eu queria dizer o seguinte: o Brasil é um país que conseguiu, através de um grande esforço, conseguiu atingir um patamar de estabilidade macroeconômica. Nós somos hoje um país bastante estável tanto do ponto de vista das contas públicas, quando você olha a situação internacional, por exemplo, nós não temos de fazer nenhum corte drástico como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Nós não temos uma política... porque não precisamos. Temos uma relação dívida-PIB das mais baixas do mundo. O Brasil, hoje, é uma economia robusta. Isto não significa que os responsáveis não estejam atentos a todas características da economia, aumento do investimento, olhar como é que se dá a nossa necessidade.
Está tramitando pelo Congresso uma das coisas que eu reputo das mais importantes para o país, que é a Lei do Portos. Por quê? Porque a Lei dos Portos, ela vai melhorar uma das coisas essenciais que é o Custo Brasil. Veja, no passado, o Custo Brasil era o custo da insegurança que se tinha em relação à capacidade do Brasil de pagar a sua dívida externa. Hoje, o Custo Brasil é uma questão do aumento da nossa competitividade. Nós temos de melhorar as condições da nossa infraestrutura. Por que nós temos de fazer isso? Porque o país está numa trajetória de construir um modelo de crescimento sustentável e de longo prazo. Esse país precisa, no horizonte de dez a quinze anos, dobrar sua renda per capita. Para isso ele precisa ter elevadas taxas de investimentos, para isso as pessoas precisam consumir.
Outro dia eu lancei uma fábrica, né ... a volta de uma fábrica de insulina ... a produção de insulina. A insulina da forma como eles estão se propondo a produzir será não feita basicamente através de processos biotecológicos. E veja, quem dá base para a insulina ocorrer é o nosso programa que tem farmácia popular, que garante a demanda para uma quantidade bastante grande de consumidores. Porque nós colocamos à disposição das pessoas, nas farmácias populares, nas farmácias populares que se chamam Aqui Tem Farmácia Popular, são as privadas, coloca à disposição tanto remédios para hipertensão como remédio para insulina.
O que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer o seguinte: a criação de uma fábrica tem a ver com o aumento da sustentação da demanda, a melhoria da sustentação da demanda dada por um programa social. Aí você amplia a capacidade de produzir insulina no Brasil e, em vez de importar insulina ou produzir insulina sem tecnologia brasileira, você cria condições. O Brasil está nesse caminho. No caminho de ter demanda suficiente para criar as condições para produzir aqui, e ao mesmo tempo, isso servir de plataforma para você exportar. Nós estamos é nessa fase. Por isso que eu preciso de portos eficientes, por isso que nós precisamos de aeroportos...
Jornalista: E se o Congresso não aprovar, Presidente?
Presidenta: Minha querida... Tânia, querida, isso é uma democracia, minha filha, nós estamos numa democracia. Uma democracia, ela não elimina a diferença de opiniões nem de posições.
Jornalista: Mas atrapalha o projeto.
Presidenta: Minha querida, a democracia – eu não lembro mais quem foi o autor da frase, mas é uma frase sábia – pode ter seus defeitos, mas entre todos os sistemas, é o único que sobrevive, apesar dos seus defeitos. Então, não é o mundo da posição única. Todas as questões podem ser debatidas, discutidas e você vai ter de chegar a um consenso. É essa a arte da democracia, Tânia querida.
Jornalista: As obras do Minha Casa, Minha Vida, presidente, a senhora tem acompanhado?
Presidenta: Tenho acompanhado as realizações do Minha Casa, Minha Vida. Porque, meu querido, eu fiz este programa desde o início, na época do presidente Lula. Na época do presidente Fernando Henrique não houve um programa desse porte. A última vez que houve um programa desse porte foi no BNH. Do BNH para cá, você não teve nenhum programa maciço de criação de casas populares no Brasil, de construção de casas populares. Por quê? Porque, por exemplo, no governo passado não se podia, talvez pela crise do Estado, talvez por convicção, não se cogitava em fazer subsídios. Não há como fechar a conta. Se você ganha até R$ 1.620 ou R$ 1.320 ou R$ 1.500, não há como fechar a conta de você sustentar a sua família, vamos supor uma família de 3 filhos ou de 2 filhos, e pagar uma casa que custa, em algumas cidades do país R$ 75.000 um apartamento de dois quartos, sala, banheiro e cozinha. Então, nós estamos fazendo... Fizemos na primeira fase do governo do presidente Lula um milhão de casas. Agora, no meu governo, nós temos obrigação de contratar... contratar... Nós temos a obrigação de contratar dois milhões e 400 mil moradias. Vou repetir uma frase do Lula: “nunca dantes na história desse país...”
Jornalista: É difícil manter a qualidade...
Presidenta: Não, não é difícil. A qualidade é uma imposição. Quando você faz isso, você tem de controlar a qualidade, você tem de escutar o morador. Outro dia, estavam questionando porquê eu pedi piso, porque na primeira fase do programa os recursos não eram tão avultados, então, na primeira fase do programa, o piso ficaria de cimento. Muitas vezes, se usa piso de cimento em casas até sofisticadas, você usa aquele piso de cimento que é duro, queimado. Nós estamos optando para fazer, a possibilidade de fazer três tipos de piso: piso de cerâmica, piso de lâmina de madeira – aquele que a gente usa em casa...
Jornalista: Para essas construções?
Presidenta: Para essas, para as antigas, porque as novas, os 2,4 milhões já saíram com piso. Quem não saiu com piso foi o um milhão inicial. Esse um milhão inicial nós resolvemos voltar e falar “vamos fazer piso. Você quer piso na moradia que você recebeu?” Você terá piso.
Jornalista: Como vai ser isso? Vocês vão aumentar o controle de qualidade, aumentar a fiscalização...
Presidenta: Mas não tem problema de controle de qualidade, esta era a realidade, esta foi a regra de fazer. Nós estamos, resolvemos voltar e fazer o piso...
Jornalista: E os pisos que racharam?
Presidenta: Esses que racharam em um milhão, se você contar nos dedos, você conta muito. Vai ter, em um montante de 2,4 milhões novos, você vai ter um problema aqui, outro problema ali. A arte é estar atento, monitorando, e obrigando a refazer. Não aceitando quando entregarem errado, fiscalizando. Não há perfeição absoluta em 2,4 milhões. O que é que é obrigação do poder público? É zelar pela qualidade, é ficar em cima. Deu errado – e vocês contribuem quando vocês denunciam, vocês contribuem. Ah, deu errado?...
Jornalista: E as fraudes que apareceram?
Presidenta: Fraude, querida, fraude, minha querida, em um programa desse tamanho também pode ocorrer. A minha obrigação, a obrigação do governo é combatê-las, combatê-las. Assegurar que eles terão a casa da melhor qualidade possível. Sabe por que eu falo isso? Porque o nosso país tem ótimas tradições, mas tem tradições que não são muito boas, herdadas da escravidão e que acham que o povo brasileiro, de baixa renda, merece qualquer coisa. Eu não fui eleita para dar casas de qualquer jeito para a população brasileira. Eu acho que o povo brasileiro merece o que há de melhor para ele poder usufruir. A minha obrigação é estar atenta para que ninguém queira vender gato por lebre, para que ninguém queira entregar produtos que não sejam de qualidade. Nós defendemos hoje que é importantíssimo no Brasil que nós vivemos a defesa dos interesses do consumidor. Ninguém eleva 40 milhões de pessoas para a classe média sem criar com essas pessoas e com todas as demais, que são consumidoras, um compromisso de qualidade.
O povo brasileiro tem direito a ter o melhor possível dentro do que está sendo ofertado, e portanto, no caso do Minha Casa, Minha Vida, inclusive, não é só a gente cobrar que os telefones funcionem, que os bancos funcionem, é cobrar de nós mesmos que o Minha Casa, Minha Vida seja o melhor possível.
Jornalista: A economia, presidente, pode atrapalhar a reeleição? O problema da economia, baixo crescimento, inflação...
Presidenta: Tânia, tem gente que torce. Tem gente que torce para o Brasil dar errado. Tem muita gente torcendo para o Brasil dar errado, é só você olhar.
Jornalista: O Aécio torce para dar errado?
Presidenta: Não sei, não perguntei para ele, querido. Aí é sua função, sua função.
Jornalista: A senhora está em campanha?
Presidenta: Eu não estou em campanha. Sabe por que eu não estou em campanha? Porque eu tenho obrigação durante 24 horas por dia de dirigir o Brasil. E quero te dizer o seguinte: É impossível, impossível, qualquer desvio dessa rota. Talvez a única pessoa que não tem interesse nenhum em discutir o processo eleitoral na metade do seu governo seja eu.
Jornalista: Mas o PT lançou… o presidente Lula…
Presidenta: Agora, que tem gente pessimista, tem gente pessimista. Vou dar um exemplo: Vocês são da imprensa, vocês são da imprensa. Eu estava desfrutando dos meus seis dias de descanso, feliz da vida, e eis que eu olho no jornal e leio o seguinte: vai ter racionamento no Brasil. Quero avisar para vocês que, como eu estou velha nessa atividade, eu já vi falar que ia ter racionamento no Brasil, em 2006, 2007, 2008 e 2009. Depois eu saí do governo e não acompanhei mais. Agora voltaram em 2013. É uma absoluta irresponsabilidade e absoluto pessimismo e joga contra os interesses do país dizer que vai haver racionamento quando não vai.
Eu estou há mais de 20 anos nesse setor elétrico. Hoje eu não estou acompanhando ele diretamente, mas qualquer um que esteve nesse setor sabe que esse ano de 2013 foi o ano, nos últimos, pelo menos até onde eu lembro, desde 1999, onde mais entrou geração hidrelétrica e térmica. Mais entrou. Isso é uma coisa. Segunda coisa: o setor na base da ... nós temos um setor hidrotérmico. Ninguém pode desconhecer que ele é hidrotérmico, porque não dá para ter duas coisas simultaneamente. Por exemplo, o meio ambiente diz que não se pode mais fazer grandes reservatórios por causa da área de alagamento. Quando você faz pequenos reservatórios ou usinas a fio d’água, necessariamente há uma consequência. Qual é a consequência? Térmicas terão de entrar para fazer papel de reservatório. O setor passa a ser hidrotérmico.
Jornalista: E esse papel só tem aumentado.
Presidenta: Nós veremos esse papel: ou mantém o patamar que está porque nós conseguiremos fazer mais hidrelétricas ou aumentará, porque não tem milagre aí.
E se alguém supor que o regime do Brasil vai ser sempre o regime que vai olhar as duas coisas, é vantagem para o Brasil olhar a chuva. O período úmido no Brasil começa em dezembro e acaba em abril. Às vezes ele atrasa, ele vai para janeiro e acaba em maio. Muitas vezes ele também não se mostra tão potente, então chove menos, às vezes chove mais. Nós estamos, hoje, com um regime que parece que vai ser tardio, ou seja, a chuva continua... Agora tem o sistema de alta pressão, mas a chuva tende a continuar. Não há hipótese de o Brasil ter racionamento, não há hipótese. Então, quando vocês falam “ah, que pessimismo?”, eu te dou um exemplo que é esse, impensável em outro país. Impensável. Em outro país, quando não tem a possibilidade técnica de uma coisa dessas, ai de quem falar, porque é contra o país. Especula-se contra o país quando se faz isso. Então, eu quero perguntar para vocês: como não falar em pessimismo, hein jovens? Porque tem hora que a presidenta da República pode fazer uma pequena entrevista com a Tânia. O que você acha Tânia? Beijos.
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