Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural 2012 - Brasília/DF
Eu queria cumprimentar todos os presentes, e dizer que é um momento assim emocionante, porque eu acredito que nós, aqui, estamos participando de uma celebração importante para o Brasil. Um país não pode ser só as necessidades materiais. Um país ele se mobiliza, por isso que está aqui, por nossas crenças, pela nossa arte, pela nossa cultura. Então, para mim, é um momento muito especial estar aqui hoje.
Eu queria cumprimentar o nosso presidente do Senado Federal, José Sarney, hoje promovido à classe Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural. Uma homenagem tardia, mas uma homenagem importante, porque o senador Sarney é o precursor da chamada Lei Rouanet. Na verdade, no início, Lei Sarney.
Queria cumprimentar os ministros e as ministras de Estado aqui presentes, saudando dois ministros: a ministra da Cultura, senadora Marta Suplicy; e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
Queria cumprimentar as senhoras e os senhores chefes de Estado, aliás, chefes de Missões Diplomáticas acreditados junto ao meu governo.
Cumprimentar os senadores José Pimentel, líder do governo no Congresso Nacional, Gim Argello e Romero Jucá.
Cumprimentar as senhoras e os senhores agraciados e representantes de personalidade e movimentos agraciados com a Ordem do Mérito Cultural 2012.
Queria cumprimentar meus caros Daniel Gonzaga, neto de Luiz Gonzaga; a nossa querida, queridíssima, Elba Ramalho; o Chambinho do Acordeon e Miguel Proença, que apresentaram Asa Branca – o maior sucesso de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
Queria dizer que eu assisti ao filme “Gonzagão – de pai para filho” [Gonzaga – de pai para filho] e que é um filme emocionante. O nosso ator que representou o Luiz Gonzaga, nos deu um imenso prazer, aqui, de interpretar uma das músicas mais bonitas, junto com a voz, absolutamente fantástica da Elba, cantando Asa Branca. E por isso, eu acho que todos nós devemos nos preparar, porque é um filme, de fato, comovente.
Queria cumprimentar de forma muito especial minha cara Elisa Lucinda e meu caro José de Abreu. Agradeço aos dois por esse ânimo especial que hoje essa cerimônia teve aqui no Palácio. Eu vou tentar, viu, Zé Abreu e Elisa Lucinda, trazer vocês mais vezes. Porque o clima que vocês criam, de fato, é excepcional.
Queria cumprimentar as senhoras e os senhores produtores e representantes do meio cultural e artístico aqui presentes.
Cumprimentar os jornalistas, os fotógrafos e os cinegrafistas.
A cada um dos agraciados eu quero dizer meu muito obrigado por ter comparecido a essa cerimônia e porque é um imenso prazer para mim começar a semana celebrando a cultura do nosso país.
Eu tenho muitas razões, e nós todos temos muitas razões para nos orgulhar da integridade, da riqueza e da diversidade da nossa cultura. E todos nós sabemos que um país tem na sua cultura, o coração, o cerne da sua identidade.
Não é possível que nós nos constituamos como nação, se nós não compartilhamos um mesmo... uma mesma visão de mundo. Mas uma mesma visão de mundo vista por prismas muito diferentes que hoje aqui foram expressas magistralmente por cada um de vocês.
E para nós, para mim, para os ministros aqui presentes, para o senador Mercadante e para, especialmente, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, é uma grande honra receber no Dia Nacional da Cultura os agraciados com a Ordem do Mérito Cultural.
Esse, sem dúvida nenhuma é um momento de reconhecimento. É um momento em que, em nome do governo brasileiro, nós reconhecemos tantos homens e tantas mulheres que contribuíram para o nosso país.
É um momento também de aplauso, de aplauso do talento dessas personalidades que contribuíram com as suas vidas, com o seu talento, com as suas capacidades para a criação cultural no Brasil nas mais diversas áreas.
A maioria dos agraciados de hoje continuam em plena atividade, nos encantando, trazendo justamente essa palavra mágica, que é o encantamento que eleva o nosso espírito, eleva a nossa alma, e que enriquece a nossa cultura.
Alguns dos homenageados não estão mais em nosso convívio, mas deixaram um legado de criatividade, um legado que nos marca para sempre. A cultura tem essa capacidade: de ser atemporal, em um certo sentido, ao mesmo tempo em que reflete o tempo histórico melhor do que qualquer outra manifestação da atividade humana.
Todos os homenageados, sem exceção, representam o melhor da nossa tradição, e, ao mesmo tempo, da nossa vanguarda cultural. E não há nenhuma contradição no que estou dizendo. Tradição e contemporaneidade caracterizam riqueza cultural e andam juntas no trabalho dos nossos melhores artistas e criadores, os que estão aqui presentes e os que nós homenageamos em memória.
A começar por Luiz Gonzaga, o artista que é o patrocinador, é o protetor dessa homenagem e que nós erguemos o nosso imenso apreço nesta edição da Ordem do Mérito Cultural.
Esse extraordinário músico, ao cantar as tristezas e as alegrias do Sertão, ajudou o brasileiro, a brasileira, a conhecer melhor o seu próprio país. Se sua obra se resumisse ao que foi apresentado aqui – Asa Branca –, já justificaria todas as nossas homenagens e todo o nosso reconhecimento, mas Gonzagão fez muito mais. Nos deixou músicas eternas, e nos marcou com forte sentimento de brasilidade. Tornou o sertão nordestino, aquele sertão mais humilde, num mundo universal. Quem de nós não se comoveu com Assum Preto? Quem de nós não se agita na cadeira ao ouvir o Xote das Meninas? Qual de nós já não cantarolou muitas vezes versos como este – que eu não tenho o talento... eu não tenho o talento das nossas cantoras aqui presentes. Mas que eu vou recitar para vocês: Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz. Guardando as recordações das terras por onde passei, andando pelos sertões, e dos amigos que lá deixei.
De uma forma ou de outra... Elba e Fafá, me desculpem. De uma forma ou de outra eu acho que reflete o que acontece com todos nós quando andamos por este país.
Luiz Gonzaga nos ensinou a entender melhor o Brasil. Tal como o Mazzaropi, um dos agraciados de hoje. Ao condecorar Mazzaropi, de certa forma prestamos um tributo a nós mesmos, à nossa infância. Ao condecorar Orlando Orfei, fazemos isso às nossas raízes. Todos eles souberam amalgamar no personagem que caracterizaram o homem do campo, o pobre da periferia das grandes cidades, o brasileiro e as brasileiras que lutam pela vida sem perder o humor... o bom humor. O nosso povo, enfim, toda a sua diversidade.
Todos os agraciados hoje com a Ordem do Mérito foram escolhidos, porque fazem ou fizeram parte das nossas vidas. No sentido mais pleno da palavra. É como se nós o conhecêssemos. Eles têm para nós essa proximidade e, esse distanciamento que só os artistas conseguem criar.
É assim com Hebe Camargo, que nós deixou recentemente depois de uma vida dedicada ao meio mais popular de acesso à cultura e à informação. Hebe, praticamente, inaugurou a televisão brasileira. Hebe, como tantos outros – não é, Regina? – entram nas nossas casas, entraram nas nossas casas, e passaram por nossas vidas, e passam por nossas vidas como se já fizessem parte da família.
Também é assim com Jorge Amado - um dos mais lidos, traduzidos e reverenciados escritores brasileiros - em sua obra, em sua própria história pessoal, a luta, o sincretismo e a diversidade do povo do Brasil se realizaram, com talento e delicadeza, em personagens inesquecíveis.
Nos livros de Jorge Amado – assim como na obra de todos os homenageados de hoje -, nós, brasileiros, nos reconhecemos como cidadãos, como povo com história, com hábitos e desejos em comum.
Poderia falar dos méritos de todos os condecorados com a Ordem do Mérito Cultural, mas é mais importante reconhecer que todos nos ajudam a entender os símbolos, os sentidos, os dramas, as utopias, as necessidades, os pensamentos que nos identificam como povo.
Um povo cujo temperamento é forjado em meio à diversidade, em que a imensa variedade de nossa cultura encontra identidades e interesses em comum, e por isso, mesmo capaz... e por isso intrinsecamente capaz de expressar valores universais. Sim, todos nós sabemos que a cultura brasileira é um mosaico muito rico de tradições, de manifestações, de criações e inovações, de diferentes etnias e costumes na sua origem.
É interessante que nós não temos um traço hegemônico, e é muito bom que seja assim: impulsionados pela língua comum que nós compartilhamos. E pela origem desta Língua Portuguesa, nós fizemos dela uma nova língua, recebendo influências riquíssimas dos indígenas, dos africanos, dos nossos vizinhos de origem espanhola, dos europeus, dos italianos, alemães, franceses, búlgaros, dos árabes, dos judeus, dos palestinos e de vários povos asiáticos – japoneses, chineses, enfim, de uma parte expressiva da humanidade. Por isso, só podia dar certo.
Poucos países do mundo tiveram tanta sorte e poucos povos do mundo receberam de maneira tão entranhada e definitiva, e ao mesmo tempo, generosa, o processo de miscigenação. Sobre o guarda-chuva unificador de uma língua comum e de uma história de convivência, nem sempre pacífica, vamos nos lembrar, entre os habitantes de diferentes regiões. Mas necessariamente, unificadora. A pluralidade e a diversidade são grandes trunfos de nossa formação como povo e como nação.
Com a comenda que entregamos hoje traduzimos, em justo reconhecimento, o papel desses artistas e criadores que nos honram, que mais que tudo, nos emocionam, que mais que tudo, nos fazem ver a vida de vários prismas, e que garantem no processo de construção de uma identidade cultural que ao mesmo tempo é diversificada, singular, universal e única.
O Brasil se fortalece nessas suas diferenças e no respeito que soubemos ter por elas. Somos plurais em nossa cultura e temos o dever de continuar a sê-lo. Por que? Aprendemos a conviver com nossa diversidade cultural e tirar dela o que pode haver de melhor para uma nação, é que temos o privilégio de usufruir do trabalho de artistas e criadores de cultura talentosos como vocês, os homenageados deste ano: Abelardo da Hora; Alceu Valença; Ana Muylaert; Breno Silveira; cacique Almir Surui; Carlos Lemos; Cleodes Maria Piazza; Elba Ramalho; Fafá de Belém; Felipe Schaedler; irmãos Campana; Humberto e Fernando; Isay Weinfeld; Ismail Xavier; Marieta Severo; Marta Medeiros; Miguel Chikaoka; Milton Guran; Orlando Orfei; Raquel Trindade; Regina Casé; Silvio Santos; Ana Clara Guerrini Schenberg , filha de Mario Schenberg ; Carmelita Martins de Barros, filha de Plínio Marcos; Cláudio Pessutti, sobrinho de Hebe Camargo; Inês Autran Dourado Barbosa, filha de Autran Dourado; João Jorge Amado Filho, neto de Jorge Amado; João Roman Neto, diretor do Museu Mazzaropi, representando aqui a homenagem ao Mazzaropi; Maria Leopoldina Splendore Pamplona de Abreu, filha de Dener Pamplona de Abreu; Paulo Afonso Miessa, filho de Paulo Goulart; Regina Aparecida Pereira, esposa do neto da Dona Efigênia; Tânia Maria Muraro, filha de Rose Marie Gebara Muraro; Yaçanã Regina Martins de Oliveira, filha de Herivelto Martins; todos os representantes de movimento e entidades aqui agraciadas, do Bloco Afro Olodum, João Jorge Santos Rodrigues; do Museu de Valores do Banco Central do Brasil, Geraldo Magela Siqueira; da Escola de Dança Integração Social da Criança e do Adolescente, Dora Isabel de Araújo Andrade; da Fundação Municipal de Artes de MonteNegro, Rio Grande do Sul, Normélia Juliani Faller; do Museu Histórico Nacional, Ruth Beatriz Silva Caldeira de Andrada; do Movimento Gay de Minas, Oswaldo Braga Júnior; da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, Francisco Amâncio da Silva, Maestro Forró.
Todos vocês, sem exceção, muito obrigada por tudo aquilo que vocês fizeram, e pelo que, com certeza, vão continuar a fazer pela alma brasileira. Ela precisa tanto quanto cada um de nós necessita de um país que cresça e distribua renda. Nós também precisamos ter a alma sempre lavada e enxaguada.
Parabéns a todos os agraciados.
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