01-12-2011 - Declaração à imprensa da Presidenta da República, Dilma Rousseff, após reunião com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez
Caracas-Venezuela, 1º de dezembro de 2011
Eu queria, primeiro, dizer a todos do prazer e da importância de estar aqui na Venezuela.
Queria cumprimentar o presidente da República Bolivariana da Venezuela, nosso querido companheiro Hugo Chávez,
Queria cumprimentar também aqui todos os integrantes das delegações, da Venezuela e do Brasil,
Queria cumprimentar também os profissionais da imprensa, os cinegrafistas, os fotógrafos, os empresários aqui presentes (falha no áudio).
E dizer que, para nós brasileiros, e aqui eu represento os brasileiros e as brasileiras, que este é um momento especial porque nós estamos, os povos da nossa América, diante de uma situação muito especial.
Ao longo dos séculos, tivemos imensas dificuldades. Os nossos países sofreram de toda sorte de repressões, explorações, fomos colônia, tivemos escravidão, mas tivemos processos de libertação, lutas heróicas e memoráveis, tivemos movimentos que explodiram no século passado, em vários países, procurando a libertação. Mas eu acho que, nunca antes, nós tivemos uma oportunidade tão grande de fazer com que este continente tenha uma importância e um papel estratégico na relação entre as nações no plano internacional.
Não só porque nós, ao contrário de vários outros países do mundo, inclusive dos mais desenvolvidos hoje, somos um continente que tem mantido uma taxa de crescimento bastante elevada em relação ao crescimento dos países da Europa e dos Estados Unidos, e mesmo em relação à média mundial, mas, sobretudo, porque nós mudamos a nossa concepção de crescimento econômico.
Nós deixamos e abandonamos a tese de que era possível, nos nossos países, haver crescimento sem que os nossos povos usufruíssem dele. No Brasil, por exemplo, durante um período determinado da nossa história, precisamente nos anos 70, julgava-se que o nosso país podia crescer e, ao mesmo tempo, manter afastado das benesses do crescimento e da civilização e da qualidade de vida mais da metade da população brasileira; que era possível crescer com níveis de desigualdade absolutamente incompatíveis com a civilização.
A grande alteração que ocorreu na América Latina é, justamente, que nós conseguimos uma dinâmica virtuosa, em que, ao incorporar os nossos povos no processo de crescimento e de desenvolvimento, nós fomos capazes de ampliar esse crescimento e esse desenvolvimento. E, pela primeira vez – como dizia o nosso... um economista brasileiro, que eu considero dos mais importantes, Celso Furtado –, nós, de fato, trilhamos pelo verdadeiro caminho do desenvolvimento, que é crescer com inclusão social e distribuição de renda.
Esse fato é um fato memorável. Outros desafios se colocam na nossa frente. E quais são esses desafios? Eu acho que o grande desafio atual é como nós iremos nos conduzir diante desta crise internacional, da qual nós não somos responsáveis, para a qual nós não contribuímos, pelo contrário, até temos sido grande fator de estabilização do crescimento econômico no mundo, dos países em desenvolvimento, dos países emergentes, dos países fora da... eu diria, do eixo desenvolvido.
Considero que essa crise é a segunda etapa da crise que começa, todos nós conhecemos, em 2008, que tem por origem um processo descontrolado de financiamento e de especulação com vários ativos, a começar dos imóveis, mas não só imóveis. E está na sua segunda fase, uma fase extremamente, eu diria, complicada para o mundo, complexa para o mundo, e desafiante para nós. Qual é a fase? É uma fase que se caracteriza por uma crise das dívidas dos países desenvolvidos, que estão hoje altamente endividados, e, ao mesmo tempo, uma crise bancária, que pode se tornar uma crise de crédito, pode vir a ser uma espécie de crise de crédito, mas, cujo pior efeito são taxas de desemprego absurdas, principalmente entre os jovens, nos países desenvolvidos, e uma crise de absoluta falta de perspectiva.
Essa crise leva também a algumas consequências que eu acredito muito complicadas para os nossos países. Entre elas, o fato de que nós vamos ser objeto de um assédio muito grande. Como disse uma ministra argentina: “Nossos mercados são apetecíveis.” Ela disse apetecibles em espanhol. De fato, nós temos mercados apetecíveis, e mercados apetecíveis significam uma penetração de produtos desses países que estão em crise.
Eu considero que nós estamos em uma outra fase – o Brasil, Venezuela, nós estamos aqui em uma bilateral –, nós estamos em uma outra fase. Nós podemos ter e construir uma integração de outro tipo. Uma integração que seja uma integração produtiva e que leve ao crescimento das economias e dos nossos povos, e que leve a um processo que não seja aquele da exploração de um país pelo outro, que é a forma clássica que nós conhecemos, até porque fomos objeto de um processo de exploração colonial muito forte, durante muitos anos.
Hoje eu acho que nós marcamos um momento especial aqui na Venezuela. Eu queria destacar que, primeiro, nesta reunião, eu constatei uma coisa que me deu muita alegria, que foi que o presidente Chávez está exercendo, com muita energia, suas atividades. Essa, eu vou dizer para vocês que é a grande alegria com que eu saio aqui da Venezuela.
Eu passei pelo mesmo processo que o presidente Chávez passou. Aliás, o nosso querido companheiro Lula também o fez, e o companheiro Lula me pediu que desse o seu abraço solidário ao presidente Chávez e que saudasse o presidente Chávez pelo papel que ele desempenha nesta região do mundo. Mas disse também uma coisa, que... porque o presidente Lula está passando pelo mesmo processo que nós passamos, mas que dissesse ao presidente Chávez uma outra coisa: que a careca dele era mais bonita do que a do presidente Chávez. Eu estou dando o cumprimento integral.
Bom, nesta reunião, que demonstra a imensa energia que o presidente Chávez tem, nós passamos em revista uma vasta agenda de cooperação e decidimos ampliá-la. Decidimos ampliá-la porque consideramos que é importante para os nossos países e para a nossa região. E, reconhecendo a importância histórica e o caráter único desta reunião – que é uma reunião que congrega os países da América do Sul, os países do Caribe, enfim, toda a América Latina, é a primeira grande reunião da América Latina –, nós fizemos também uma avaliação das nossas relações bilaterais.
Primeiro, como vocês viram, consideramos muito produtiva e positiva a cooperação e a colaboração entre a Caixa Econômica [Federal] do Brasil, e a “Gran Misión Vivienda”, que têm como objetivo a construção de 2 milhões de residências, nos próximos seis anos. A avaliação do Brasil é que esse projeto está sendo muito bem encaminhado e realizado, e isso dá a nós uma grande satisfação de poder, em uma parceria concreta entre o Brasil e a Venezuela, conseguirmos um processo de cooperação concreta favorável e que beneficia a população venezuelana – os venezuelanos e as venezuelanas –, os trabalhadores aqui deste país, que têm uma tradição de luta que é de grande importância para toda a história da América do Sul.
Eu também quero destacar o Ipea e a Embrapa, que já vinham desenvolvendo um amplo leque de iniciativas nos setores de desenvolvimento territorial e agrícola, e, agora, lançam uma nova parceria com a PDVSA. Na região do rio Orinoco, vão cultivar de 100 a 200 mil hectares de soja, destinados à alimentação dos rebanhos bovinos e adubo, ampliando, consideravelmente, a disponibilidade de proteína animal.
Na área industrial, vamos concluir, até abril de 2012, a primeira parte do estudo elaborado em coordenação entre o Ipea e a PDVSA, sobre tudo aquilo que é importante para estimular a integração produtiva, inclusive a indústria naval entre o Brasil e a Venezuela.
Discutimos como fazer da cooperação em ciência e tecnologia um dos pilares do nosso relacionamento bilateral. Tanto o Brasil quanto a Venezuela tem essa meta, que é uma meta importantíssima para nós, que é, de fato, entrarmos na agregação de valor, na capacidade de produzir conhecimento e, através dele, gerar produtos e gerar processos, e gerar a capacidade de crescimento dos nossos países.
Nós consideramos que existem imensas oportunidades, inclusive uma grande preocupação do presidente Chávez é a integração entre as bacias do rio Orinoco e da Amazônia, como uma forma de integração de infraestrutura regional – utilizar os nossos rios para fazer com que os nossos países se integrem.
Também foi muito importante para nós toda a discussão sobre essa questão que é um dos desafios mais importantes que nós vamos concluir, que é a construção da Refinaria Abreu e Lima. Com ela, nós vamos também contribuir para o que deve ser uma relação entre dois países em que os dois lados ganham, na medida em que o Brasil vai importar 100 mil barris diários de petróleo. Aliás, isso é muito importante porque nós temos visto nossas relações comerciais crescerem. Pela primeira vez, a importação do Brasil dos produtos venezuelanos chegou à faixa do 1 bilhão, e nós queremos, para melhoria cada vez maior das nossas relações, que isso cresça, e eu tenho certeza de que a Abreu e Lima vai contribuir para isso.
Essas medidas todas, elas são muito importantes e mostram o acerto do nosso projeto: de transformar a América do Sul em um polo de desenvolvimento endógeno, como o nosso presidente Chávez gosta muito de dizer. E apostamos nessa integração como um motor do desenvolvimento neste mundo que tem um processo de crise, e que nós temos de enfrentar essa crise, não fazendo com que os nossos países paralisem sua produção, paralisem seu consumo, paralisem a ampliação do seu emprego, mas, pelo contrário, nós só... – e nós sabemos disso por experiência própria, porque os nossos países passaram por isso – nós só sairemos da crise através do crescimento econômico, e não da recessão. Nós precisamos do crescimento econômico, e aí a nossa integração sempre vai gerar maior crescimento.
Eu queria também dizer que a integração produtiva com os nossos países vizinhos – todos os países da América do Sul e o Caribe – é parte essencial dessa nossa estratégia de buscar o crescimento como forma de enfrentar a crise; buscar o crescimento e a emancipação dos nossos povos no sentido de tirá-los da miséria, de tirá-los da necessidade e de dar a eles oportunidades. E nós diversificamos, por isso, as nossas relações comerciais.
No início desta década, o Brasil quase nada importava da América do Sul e do Caribe. Hoje 25% das nossas relações comerciais se dão com esses países. Nós estamos também empenhados em participar do Banco do Sul. Consideramos o Banco do Sul um instrumento prioritário para essa integração. Daí a importância que nós atribuímos para que esse Banco seja, o mais rapidamente possível, efetivado.
Eu estou aqui também para convidar o presidente Chávez para comparecer – porque vai ser muito importante para nós, para todos nós, brasileiros – à Rio+20, a conferência da ONU que o Brasil vai recepcionar. Ela é não só... ela é uma conferência sobre desenvolvimento sustentável, ou seja, dentro do conceito que desenvolvimento sustentável é desenvolvimento com erradicação da miséria e da pobreza, e respeito às melhores práticas ambientais.
Por isso, gostaríamos muito que houvesse essa participação da Venezuela, especialmente. Ela se dará no dia... 20 anos depois da Conferência de [19]92. Ela se dará no dia 20 de julho de 1912 [2012]... de junho, desculpe, de junho de 2012. Ela foi em 1992, e aí, 20 anos depois, será no dia 20 de julho... de junho. Eu repito sempre em junho, mas é julho de 2012.
_____________: Julio?
Presidenta: Julio. Julio.
_____________: Junio.
_____________: Mês seis.
Presidenta: Junio. O que eu falei? Julio? Não importa. De qualquer jeito, é o mês seis.
_____________: (em espanhol)
Presidenta: Você estava preso?
_____________: (em espanhol)
Presidenta: (falha no áudio) vai levar à constituição da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos, a Celac. Nossos países estão mostrando essa vocação de criar um futuro comum que une toda nossa região, sem ingerências de qualquer natureza. E eu queria lembrar que há 200 anos – tem 20 anos, mas tem uma data importantíssima –, há 200 anos Caracas surgia como um farol na defesa da liberdade, da autodeterminação das colônias americanas em sua luta pela independência.
Eu acredito que o sonho de Bolívar de que as nascentes nações latino-americanas poderiam se governar e poderiam, de forma autônoma, se desenvolver – que naquela época foi derrotado –, agora está maduro. E eu tenho certeza de que este é o momento em que a gente vai firmar a possibilidade de os nossos países, mantendo a sua soberania, mantendo a sua independência, se relacionarem como países irmãos, construindo uma região de crescimento, de oportunidades, em que, de fato, as pessoas considerem um dos melhores lugares para se viver.
Muito obrigada, Presidente.
Ouça a íntegra do discurso (22min19s) da presidenta Dilma
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