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17-11-2012 - Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a Primeira Sessão Plenária da Cúpula Ibero-Americana

 

Cádiz-Espanha, 17 de novembro de 2012

 

Quero, inicialmente, expressar meu agradecimento a sua Majestade, o Rei Juan Carlos, assim como ao povo espanhol e ao Governo do Primeiro-Ministro Mariano Rajoy, pela hospitalidade fraterna com que nos recebem.

Saúdo igualmente a presença entre nós de Sua Alteza Príncipe das Astúrias,

Cumprimento Enrique Iglesias, secretário-geral Ibero-Americano,
Senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo presentes nesta 22ª Cúpula Ibero-Americana,

Senhoras e senhores ministros de Estado integrantes das delegações ibero-americanas,

Senhoras e senhores representantes dos organismos internacionais,
Inicialmente, eu gostaria de fazer um registro: o Brasil estende sua solidariedade às vítimas do terremoto na Guatemala e às vítimas da tempestade Sandy em Cuba, no Haiti e na República Dominicana.
Senhoras e Senhores,

Desta belíssima cidade de Cádiz, há duzentos anos, partiram ideias e princípios que consagraram o Estado de Direito e a democracia. A Constituição de 1812, La Pepa, cuja inspiração revolucionária marcou várias gerações ibero-americanas, deixou-nos um legado de inclusão política e social. Nascida em Cádiz, La Pepa estendeu a cidadania plena a indígenas e mestiços, reconheceu o direito de voto aos mais pobres e aos não-letrados. Foi celebrada em todo o mundo hispano-americano.

La Pepa pode ser considerada também a primeira Constituição a vigorar em território brasileiro. A população amotinada nas ruas do Rio de Janeiro exigiu sua vigência ao Rei Dom João VI. Durou apenas um dia – o 21 de abril de 1821. Na mesma data, 30 anos antes, era enforcado o mártir da nossa independência,Tiradentes.

A celebração de Cádiz e de sua Constituição se inscreve, assim, em nossa trajetória de luta pela democracia com justiça social.

Senhoras e Senhores,

O panorama internacional de hoje é também distinto daquele de 1991, quando as nações ibero-americanas se reuniram pela primeira vez em Guadalajara, no México.

A crise financeira, que hoje afeta a Europa, golpeia de forma particular a península ibérica. Sabemos que Portugal e Espanha estão diante de tarefas de complexa solução. Mas sabemos, também, da força desses países, da energia criativa de suas sociedades, de sua capacidade de superação, tantas vezes comprovada ao longo dos séculos.

Temos assistido, nos últimos anos, aos enormes sacrifícios por parte das populações dos países que estão mergulhados na crise: reduções de salários, desemprego, perda de benefícios. As políticas exclusivas, que só enfatizam a austeridade, vêm mostrando seus limites: em virtude do baixo crescimento, e apesar do austero corte de gastos, assistimos ao crescimento dos déficits fiscais e não a sua redução. Os dados e as previsões para 2012 e 2013 mostram a elevação dos déficits e a redução dos PIBs.

O Brasil vem defendendo, inclusive no âmbito do G20, que a consolidação fiscal exagerada e simultânea em todos os países não é a melhor resposta para a crise mundial – e pode, inclusive, agravá-la, levando a uma maior recessão.

Sabemos que os impactos da crise são diferentes entre os países, e as respostas à crise também têm suas diferenças e produzem consequências diversificadas. O equívoco, porém, é achar que a consolidação fiscal coletiva, simultânea e acelerada seja benéfica e resulte numa solução efetiva.

O que temos visto são medidas que, apesar de afastarem o risco de uma quebra financeira, não afastam a desconfiança dos mercados e, mais importante ainda, não afastam a desconfiança das populações. Confiança não se constrói apenas com sacrifícios. É preciso que a estratégia adotada mostre resultados concretos para as pessoas, apresente um horizonte de esperança e não apenas a perspectiva de mais anos de sofrimento.

A atividade econômica mais fraca em 2012, as perspectivas para os anos seguintes, o sofrimento das populações colocam, assim, na ordem do dia a necessidade do crescimento. Urge que os países superavitários também façam a sua parte, aumentando seu investimento, seu consumo, e importando mais.

O que parece cada vez mais claro é que sem crescimento será muito difícil o caminho da consolidação fiscal. Os ajustes serão cada vez mais onerosos socialmente e cada vez mais críticos politicamente.

O Brasil tem implementado medidas de estímulo econômico sem comprometer a prudência fiscal. Também fomos atingidos pela crise, através da redução dos mercados internacionais, mas estamos ampliando os investimentos públicos e privados em infraestrutura. Além disso, reduzimos a carga tributária sobre a folha de pagamento e fizemos a reforma previdenciária dos servidores públicos.

Promovemos programas sociais que, além de seus efeitos de distribuição de renda, contribuem para manter a demanda interna. Temos logrado, assim, apesar da crise internacional, manter o desemprego em níveis bastante baixos.

Quando nos reunimos em Guadalajara, duas décadas atrás, a América Latina ainda vivia as consequências de sua “crise da dívida”. Os governantes de então, aconselhados pelo Fundo Monetário Internacional, acreditavam, erradamente, que apenas com drásticos e fortes ajustes fiscais poderíamos superar com rapidez as gravíssimas dificuldades econômicas e sociais nas quais estávamos mergulhados. Levamos assim duas décadas de ajuste fiscal rigoroso tentando digerir a crise da dívida soberana e a crise bancária que nos afetava e, por isso, neste período, o Brasil estagnou, deixou de crescer e tornou-se um exemplo de desigualdade social.

Nossos esforços só resultaram em solução quando voltamos a crescer. Pagamos a dívida externa e acumulamos quase US$ 380 bilhões de reservas e mudamos nosso modelo de desenvolvimento, ao compatibilizar crescimento econômico, contas públicas robustas, controle da inflação e distribuição de renda.

Hoje, não só o Brasil, mas toda a América Latina, dá demonstrações de dinamismo econômico, de vigor democrático, de maior equanimidade social, graças às políticas que privilegiaram o crescimento econômico com inclusão social.

No Brasil, como em outros países da região, realizamos uma grande transformação nos últimos anos. Consolidamos um modelo de desenvolvimento onde o enfrentamento das desigualdades tornou-se o eixo do crescimento econômico. Na última década, nós, no Brasil, retiramos da pobreza 40 milhões de brasileiros e incorporamos a um mercado de quase 200 milhões de pessoas.

Acreditamos, senhoras e senhores, na construção de um mundo plural, onde o multilateralismo será o grande instrumento de cooperação. Por isso, aprofundamos nossa integração regional. O Mercosul se expandiu, com a adesão da Venezuela, e fortaleceu-se com a criação de um Fundo de Convergência Estrutural, que ajuda a diminuir as assimetrias entre os países que o integram. A Unasul tem-se revelado instrumento inestimável para a integração da infraestrutura continental e para a cooperação em áreas essenciais, como a de defesa. Em perspectiva mais ampla, os 33 países latino-americanos e caribenhos estão, hoje, reunidos na Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

Neste momento, estamos diante de um novo desafio, o da competitividade. Nele tem espaço, nesse espaço de construção da competitividade em nossos países, tem espaço e importância a cooperação com o mundo ibérico. Este desafio reúne alguns dos principais temas incluídos na agenda desta Cúpula.

A competitividade nos remete à necessidade de contínuo desenvolvimento das nossas relações comerciais, de contínuo desenvolvimento da infraestrutura de nossos países e abre espaço para uma cooperação efetiva dos nossos países latino-americanos com Espanha e Portugal.

A competitividade exige a redução do custo de capital, a ampliação dos mecanismos de financiamento de longo prazo, a criação de um forte mercado de capitais, o aprimoramento educacional, a geração de tecnologia e inovação. Ela nos remete à cooperação que deve ampliar a presença recíproca de nossas empresas, produtos, serviços em nossos respectivos mercados. Enfim, à cooperação nas áreas tecnológicas, de inovação e educacional. Neste sentido, lançamos o Programa Ciência Sem Fronteiras, que está enviando mais de 100 mil estudantes, até 2014, às melhores universidades do mundo. Encontramos parceiros de primeira hora dentre os países europeus, particularmente Espanha e Portugal. Este é um bom exemplo de cooperação no espaço ibero-americano.

Estamos também realizando grandes obras no Brasil, em matéria de logística e transportes, na produção e distribuição de energia, na exploração de petróleo e gás, na rede de comunicações, além de importantes investimentos na área social.

A cooperação e a melhoria da competitividade requerem que asseguremos um ambiente econômico favorável às empresas parceiras de todos os pontos do mundo, em especial me refiro aqui à Espanha, a Portugal e, sobretudo, aos países latino-americanos, nesses investimentos. Daremos integral prioridade às pequenas e médias empresas e ao empreendedorismo.

Por isso é muito oportuno que aprovemos, nesta oportunidade, uma “Carta Ibero-Americana da Micro, Pequena e Média Empresa”.

Mas não se pode construir um efetivo ambiente de cooperação e que melhore as condições de competitividade em nossos países descuidando da proteção social e da promoção do trabalho decente, tal como definido no âmbito da OIT. Nosso desafio consiste em buscar a competitividade por meio da inovação tecnológica, pelo aperfeiçoamento dos processos produtivos, da logística de distribuição, da redução da carga tributária e não, como tantas vezes no passado, pela precarização do trabalho, pela penalização do trabalhador e pela redução de direitos sociais, que comprometem as bases do nosso insipiente estado de bem-estar social. Desenvolvimento não se faz com desigualdade, desenvolvimento sustentável se faz com a justiça social.

Por isso é fundamental também que continuemos a trabalhar pelo fortalecimento e pela preservação de nossos vínculos culturais. Eles não se limitam aos países ibero-americanos. Sem o continente Africano não somos capazes de contar a nossa História. Por essa razão, apoiamos as iniciativas, da Secretaria-Geral Ibero-Americana, de dar maior visibilidade às contribuições sociais, culturais, políticas e econômicas dos afrodescendentes na América Latina e no Caribe. Por isso apoiamos também a nossa relação privilegiada com os países da África. Elas são fundamentais para superarmos o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e toda as formas de intolerância.

Senhoras e Senhores,

Esta Conferência está alicerçada em profundas afinidades culturais e na defesa de valores comuns. Ao estreitarmos nossa cooperação a partir de um mesmo compromisso com a paz e a democratização do sistema internacional; com o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente e a justiça social; com o combate determinado à xenofobia e intolerância; estaremos dando vida ao espírito humanista e visionário de Cádiz.

Deixo aqui meus votos para que nossa parceria continue a produzir frutos e a aproximar-nos mais na busca de nossos objetivos comuns e na superação dos desafios que temos pela frente.

Muito obrigada.

Ouça a íntegra do discurso (14min57s) da presidenta Dilma.