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09-04-2012 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, antes do encerramento do Seminário “Brasil-EUA: Parcerias para o Século XXI” - Washington/EUA (23min59s)

Washington-EUA, 09 de abril de 2012

 

Presidenta: Boa noite. Conforme o prometido, realizado.

Jornalista: Nós agradecemos.

Presidenta: Bom, o que vocês querem saber uma vez que eu já fiz a declaração lá, não é?

Jornalista: E a senhora insistiu, inclusive, na coisa do balanço, o câmbio monetário. Quanto da reunião foi dedicado a isso?

Presidenta: O tempo da gente falar. O que é que foi discutido? Foi discutido na reunião a questão da retomada do crescimento econômico, não é? Não é uma avaliação da crise, é questão do que nós devemos fazer para poder levar o mundo a uma outra conjuntura em que é garantido que o crescimento começa a ser sustentável e uma nova era de prosperidade recomece no cenário internacional. Aí, foram levantadas algumas coisas que impedem.

Nós levantamos que uma das coisas que impedem a retomada do crescimento econômico é o fato de se preconizar a consolidação fiscal para todo o mundo. Ou seja, o ajuste fiscal é preconizado para economias que estão em situação de crise e que há a percepção de fragilidade delas, o mercado percebe como frágeis, e também economias que são superavitárias. Isto tem como consequência apostar só em políticas monetárias expansionistas, que levam a um verdadeiro tsunami monetário.

Qual é a consequência? É afetar aqueles países que estão crescendo. Por que afeta os países que estão crescendo? Porque tornam as suas moedas mais valorizadas e, portanto, competição artificial que beneficia, em detrimento dos países emergentes, que beneficia os países desenvolvidos.

Se você tiver uma combinação de política monetária expansionista com política fiscal expansionista, você tem um reequilíbrio. Se, além de emitir moeda, se investir com esse dinheiro nos Estados respectivos, consumindo, investindo, fazendo a economia crescer, você não tem um efeito negativo da expansão monetária.

Mesmo considerando – e nós reconhecemos isso – que o mundo saiu da beira de uma crise mais aguda de liquidez, pelo fato de os bancos centrais terem emitido moeda, nós não podemos nos contentar com isso e não perceber que se continuar não crescendo, o que você vai ter são duas coisas: desvalorização de moedas dos países emergentes e uma outra coisa que é inflação de ativos. Então, você vai ter uma situação, aquela situação em que você não cresce e ainda tem inflação.

Somado a isso, outro fator que compromete a retomada do crescimento é a elevação dos preços do petróleo em um cenário de restrição da demanda. É estranho que em um cenário de restrição da demanda o preço do petróleo suba. Por que isso? São outros fatores. Você pode explicar uma parte por fatores geopolíticos e outra parte pelo fato de que essa expansão...

Desculpa, gente. Tem um ali que caiu. Eu dei um toquezinho, sem querer, desculpa. Vou botar aqui, vamos fazer assim com ele. Porque esse aqui, ah, aqui tem um buraco e ele escorrega.

Bom, aí, o que eu estava dizendo para vocês, o outro fator que prejudica a retomada e aumenta o preço do petróleo, prejudica até mais os países desenvolvidos, afeta também os países em desenvolvimento e os emergentes, mas afeta também os países desenvolvidos. Então, nós estávamos discutindo as condições da retomada.

Repetindo, não é, duas coisas: uma, o fato de... exporta para os países emergentes a crise que é dos desenvolvidos através da desvalorização das moedas dos países desenvolvidos, o que torna eles mais competitivos no mercado internacional, e duas, o preço do petróleo.

Jornalista: Qual foi o eco que a senhora encontrou do lado de lá a respeito dessas colocações?

Presidenta: Olha, eu encontrei o seguinte eco: uma percepção de que várias coisas estavam dizendo se concordavam, outras não, mas que havia uma espécie de visão de que o mundo vai sair, vai acabar saindo disso, que os países vão sair disso. Agora, ninguém questiona, ninguém discute se há ou não esse efeito. Há o efeito. E os dois efeitos.

Jornalista: Mas ele admite a (incompreensível) situação da crise?

Presidenta: Não é nesse sentindo que ele admite. Ele admite que políticas fiscais, aliás, políticas monetárias sem políticas fiscais de expansão provocam isso.

Jornalista: Presidenta, foi mencionado o caso, por um lado, dos caças, por outro lado, o caso da Embraer que está em uma situação que não sabemos como vai terminar?

Presidenta: Olha, foi mencionado o seguinte. O que nós mencionamos? Nós mencionamos que o Brasil hoje é o único país dos BRICS que tem saldo comercial positivo para os Estados Unidos e negativo para o Brasil. Além disso, nós somos hoje o 7º maior saldo comercial dos Estados Unidos com qualquer país do mundo, o 7º maior. Isto implica que as políticas recíprocas de ampliação do mercado são essenciais para que se elimine assimetrias. O que significa isso? Significa que não se pode colocar barreiras diante de um volume de comércio extremamente expressivo, como é o caso que o Brasil tem com os Estados Unidos.

Além disso, também ficou claro que é muito importante o que está acontecendo, para colocar a boa notícia, que é o fato de estar aumentando o investimento brasileiro aqui nos Estados Unidos. Hoje, mais ou menos, o volume corresponde em torno de 40% do volume, o volume de investimento brasileiro nos Estados Unidos corresponde a 40% do volume de investimento americano no Brasil, o que, há uns anos atrás, era praticamente muito pequeno, muito insignificante. Hoje já é 40[%]. Então, essa é uma boa notícia que mostra que ambas as economias estão crescendo. Qual a outra pergunta que você fez, por favor?

Jornalista: Os caças.

Presidenta: Nós não discutimos caças.

Jornalista: Presidente, só para entender melhor essa questão da política monetária. Quando a senhora se refere a um país que tem política monetária expansionista e política fiscal também teria que ser expansionista, a senhora não está se referindo...

Presidenta: Estou falando aos superavitários.

Jornalista: Os Estados Unidos, parece que os Estados Unidos tem um déficit próximo de 10% do PIB. Como que a senhora vê os Estados Unidos, a Alemanha? E também a questão de...

Presidenta: É, mas é emissor de moeda, não é? Os Estados Unidos são um país diferente do resto do mundo, ele emite moeda.

Jornalista: Mas nesse caso, por exemplo, a China, que controla também a sua moeda, também contribui para esse quadro que a senhora descreveu?

Presidenta: Olha, eu acho que é diferente. A contribuição da China é diferente, até porque a China atrelou sua moeda ao dólar, não é? A moeda chinesa varia quando o dólar varia.

Jornalista: Desculpa, Presidente, não entendi a questão dos Estados Unidos emitir moeda, será que a senhora podia me explicar?

Presidenta: Mas é isso, não tem como explicar, ele emite. A diferença, se você emite moeda, tem uma diferença...

Jornalista: Você tem uma obrigação maior em...

Presidenta: Em relação ao mundo, sem dúvida nenhuma.

Jornalista: Em termos de política fiscal?

Presidenta: Sem dúvida nenhuma.

Jornalista: Presidente, sobre a Cúpula das Américas o que vocês conversam, especificamente? Houve um pedido do Brasil, formal, para a inclusão de Cuba, senão haveria um esvaziamento na próxima reunião?

Presidenta: Olha, não houve pedido formal de ninguém. O que houve foi a constatação de que todos os países têm relação com Cuba e, portanto, esta era a última Cúpula, e que Cuba não participaria. Essa é a posição, vamos dizer, unânime.

Jornalista: E o que é que ele respondeu? O que ele respondeu, Presidente?

Presidenta: Nada. Ele não tem de responder nada sobre isso. Isso não é uma questão, uma pergunta.

Jornalista: Qual é o relacionamento de trabalho que a senhora vem tendo desde (incompreensível)?

Presidenta: Olha, eu considero os Estados Unidos – eu considero –, e acho que é uma coisa inequívoca nessa ordem multilateral que está surgindo, acho que os Estados Unidos têm um papel fundamental na construção da prosperidade e na retomada – talvez eu explique, assim, aquela sua pergunta –, e na retomada do crescimento econômico. Esse novo mundo que está surgindo no mundo multilateral, em que várias, surgem os BRICS, hoje, que representam 25% de todos, aliás, mais de 56% de toda a expansão da economia mundial, hoje, é baseada nos BRICS. Os BRICS têm 25% do PIB internacional e são países dinâmicos.

Agora, nessa ordem multipolar, a economia americana tem um papel fundamental para a gente sair da crise e para a gente construir a retomada e a prosperidade. Por que? Porque é visível que os Estados Unidos têm uma economia com grande flexibilidade, principalmente diante de crises, demonstrado ao longo da sua história, da história do mundo recente. Além disso, os Estados Unidos têm uma grande liderança na área da produção de ciência, tecnologia e inovação. É, de fato, uma característica da economia americana essa grande criatividade e essa grande competitividade.

Terceiro, é expressivo o fato de que os Estados Unidos têm uma força democrática muito grande até por que fundou, essa força democrática fundou a nação americana. Esses três fatores colocam o papel dos Estados Unidos, mesmo num mundo multipolar com outros agentes atuando, tendo um papel de responsabilidade e é isso que informa, essa visão clara informa também a importância de ter uma parceria estratégica com os Estados Unidos no século XXI. E essa parceria, da parte dos Estados Unidos, obviamente implica em responsabilidade com o mundo, como cada um dos países BRICS também tem responsabilidade com o mundo.

Então, ter clareza de que a responsabilidade de todos nós nesse processo de contenção da crise e de retomada é compartilhada Ninguém pode falar, eu não tenho responsabilidade, não tenho nada com isso. Não é bem assim. E esta, esse processo é um processo importante até para que nos informe no G20.

Eu tenho tido com o presidente Obama uma relação de alta qualidade. Eu tenho que reconhecer isso. Uma relação muito clara, muito sensível. Temos pontos de convergência, vários. Temos também pontos em que não convergimos nas nossas posições, porque cada um representa uma nação diferente, e nós não podemos acreditar, principalmente nós, que somos as duas maiores democracias do continente, que todo mundo é o “Joãozinho do Passo Certo”. Todo mundo anda no mesmo passo. Nós não somos “Joãozinho do Passo Certo”, nem do “Passo Errado”. Eu queria dizer para vocês o seguinte. Essa relação aqui está baseada, a partir deste momento que estamos vivendo. em três fatores. Em uma operação forte que nós buscamos na área de educação, em uma cooperação forte que nós buscamos na área de ciência e tecnologia, e em uma parceria, também, no que se refere aos processos econômicos internacionais. Nessas três variáveis, eu diria o centro do nosso interesse e do nosso esforço. Além disso, obviamente, o Brasil defende um mundo de paz, de diálogo, de respeito aos direitos humanos e de preferência pelo diálogo, a cooperação, a discussão e a gestões diplomáticas antes de qualquer outro tipo de medida.

Jornalista: Foi isso que a senhora colocou sobre o Irã, por exemplo?

Presidenta: Nós não conversamos sobre o Irã, como vocês viram na declaração oficial. Tivemos algumas avaliações aparte da discussão.

Jornalista: Houve alguma manifestação formal sobre o apoio para o Conselho de Segurança, Presidente?

Presidenta: Não, não. Não teve uma discussão formal sobre o Conselho de Segurança. Teve uma manifestação sobre a preocupação com o Oriente Médio e o Norte da África. Nós não temos posições extremamente coincidentes a respeito. O Brasil sempre prefere uma solução pacífica inicial, uma cooperação e esforços diplomáticos determinados, no sentido de que, a gente deve evitar sempre o conflito. E a aquela questão da responsabilidade de proteger populações civis, nós sempre acrescentamos a responsabilidade também ao proteger populações civis. Não é só responsabilidade de proteger. Mas se você vai proteger com mandato dado pela ONU baseado no direito internacional, você tem que ter responsabilidade ao proteger, o que você vai fazer para proteger.

Jornalista: A senhora percebe algum tipo de abertura nessa discussão? Ou é simplesmente uma declaração de...

Presidenta: Eu não vou, de fato, classificar qual é a posição dos Estados Unidos, aberta, fechada, ou entreaberta. Você me desculpe, mas não falo.

Jornalista: Qual foi o aspecto da conversa que a senhora acha que não foi tão positiva, que decepcionou?

Presidenta: Olha, especificamente, eu acho que foi uma conversa muito positiva. Tem mais aspectos positivos, porque... Veja bem. Eu entendo que, muitas vezes, vocês querem um grande evento, assim, para coroar um encontro entre dois presidentes. Mas eu queria ponderar com vocês uma questão: uma relação entre países parece muito com uma relação entre pessoas, a gente constrói ao longo do tempo. Então, você vai dando passos nessa relação, você vai fazendo ela avançar.

O que eu estou vendo com muito otimismo é que está tendo, entre o Brasil e os Estados Unidos, uma relação que é de avanços progressivos, avanços progressivos no sentido de que a nossa agenda está sendo aprofundada. E não é só pela relação dos governos, ou seja, não é só pelo meu governo e o governo do presidente Obama, mas isso se passa entre empresários e entre acadêmicos.

Hoje, a avaliação dos empresários no Fórum de CEOs é que a reunião, a 7ª reunião do Fórum de CEOs, tinha sido extremamente produtiva, que eles avançaram em vários tópicos, definiram parcerias na área de inovação, de criação de projetos específicos de desenvolvimento científico e tecnológico. Isso se passa também entre instituições universitárias.

Uma relação entre países, principalmente um país com a diversidade e as características dos Estados Unidos e o Brasil, terá de ser sempre uma relação que comporte vários elementos: que comporte o governo, os empresários, a sociedade civil, o mundo acadêmico. Para nós, esta relação interessa, tanto no que se refere a trazer brasileiros e brasileiras para estudarem aqui nas universidades de excelência, como para fazer intercâmbio de pesquisadores.

Nos interessa que os nossos empresários e os empresários americanos estabeleçam discussões a respeito de.... objetivas, não é, discussões objetivas a respeito de projetos de cooperação tecnológica. Nos interessa que isso se passe também por dentro das nossas instituições de pesquisa. No caso, por exemplo, dos Estados Unidos, o NREL, que é National Renewable Energy Laboratory, se eu não me engano. Esse... É porque, o NREL é da minha outra situação, como ministra de Minas e Energia. Desde aquela época...

Jornalista: Outro filme.

Presidenta: É. A gente reconhece a importância do NREL, como também do MIT com o ITA... Eu estou dando exemplos reais de cooperação. Como a CNI e aqui, no caso, também o MIT, como nós fizemos, na Alemanha, do... Nós e a CNI fizemos com a (incompreensível) e a CNI. Enfim, é um processo em que nós estamos focando muito na nossa agenda em ciência e tecnologia e inovação, e em educação. Por que? Porque essa agenda é a agenda do século XXI. A agenda do século XXI é essa. Por ela passa biocombustíveis, redes inteligentes de transmissão – o tal do Smart Grid –, as energias renováveis todas, as nossas parcerias na área de defesa e da aeronáutica. Obviamente, isso é um processo em construção. É isso que eu queria dizer para vocês. Não é, de jeito nenhum, uma relação – porque isso não existe no mundo –, uma relação de um dia. É um processo de construção de um relacionamento entre países. É o mesmo processo, para não falar só dos Estados Unidos, que nós temos com os BRICS, o mesmo processo que nós temos quando tratamos com países europeus, os mesmos processos que temos na Cúpula das Américas. São construções sistemáticas que se tem de fazer e aproximações cada vez maiores, porque nós acreditamos que sem integração e sem cooperação este mundo globalizado, ele terá, da globalização, os piores aspectos e não os melhores, porque o melhor aspecto é esse: é cooperar e integrar processos, e não avançar e se imiscuir nas, vamos dizer assim, naquilo que é intrínseco à soberania de outro povo. Muito obrigada. Só uma pergunta. É essa que vocês querem?

Jornalista: Os bancos públicos começam a praticar taxas mais baixas. Qual sua expectativa com relação aos bancos privados fazerem o mesmo e reduzirem o spread, diminuindo o custo dos financiamentos para os brasileiros?

Presidenta: Eu queria te dizer o seguinte. Eu disse, numa fala minha, lá no Palácio do Planalto, que eu achava tecnicamente insustentável os spreads bancários no Brasil, e continuo achando. Tecnicamente de difícil explicação. Acredito que o Brasil, ele vai passar por uma fase de reordenamento de todas as questões que são pouco competitivas. Todas. Nada está fora disso. Por que eu acho isso? Porque eu acho que a economia brasileira está amadurecendo. Você veja. Nós, há muito tempo, temos controle da inflação, uma taxa de dívida sobre PIB tendendo a 36%, não é – tendendo, não, em 36%, 36,5%, mais ou menos, este ano. Nós temos, além disso, um conjunto de reservas estáveis. Temos uma política fiscal responsável, temos um processo de redução dos juros da Selic responsável. Não há explicação para praticar taxas de juro tão elevadas. Não há, no mundo. Até porque, se tem alguém com nível de influência elevado são os países desenvolvidos, não é? E eles praticam juros de 1%, 2%, 3%. Então, a questão dos juros é uma questão, também, de reequilíbrio das condições no Brasil.

Eu espero que haja um processo de convergência dos juros para as taxas internacionais. Espero que isso ocorra. Isso é possível...

Jornalista: Num curto prazo?

Presidenta: Não, nunca espero nada no curto prazo, porque não é prudente. Você sempre espera num longo prazo. E acho que os bancos públicos estão fazendo o que já fizeram na crise: reduziram os juros e ganharam mercado, e aumentaram a sua presença no mercado e seus lucros, como aconteceu, se vocês lembrarem bem, com o Banco do Brasil, em 2009, se eu não me engano; 2009 ou 2010. Isso que aconteceu: baixaram os juros, ganharam mercado e elevaram o seu lucro.

Eu espero que as forças do mercado ajam sobre o spread, é isso que eu espero.

Jornalista: Obrigada.

 

Ouça a íntegra da entrevista (23min59s) da Presidenta Dilma

 

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Assunto(s): Governo federal