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12-04-2011 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após banquete oficial oferecido pelo presidente da China, Hu Jintao

Presidenta Dilma fala sobre o Diálogo de Alto Nível Brasil-China em Ciência, Tecnologia e Inovação e sobre outros assuntos da relação entre os dois países

Pequim-China, 12 de abril de 2011

 

Jornalista: Boa noite, Presidente. Tudo bem com a senhora?

 

Presidenta: Boa noite. Tudo bem e com vocês, também?

 

Jornalista: Sofrendo com o (incompreensível)

 

Presidenta: Não, agora ainda não, mas daqui a cinco minutos, eu vou começar a sofrer.

 

Jornalista: Nós também, não é, Presidente?

 

Presidenta: Vocês também. É essa hora que começa o sofrimento.

 

Jornalista: E nós ainda vamos escrever muito hoje

 

Jornalista: Presidente...

 

Presidenta: O quê?

 

Jornalista: Nós ainda vamos escrever muito hoje sobre esse comunicado conjunto.

 

Presidenta: Vou não, vou não.

 

Jornalista: Presidente, a senhora acha desleal...

 

Presidenta: Espera lá um pouquinho, gente. Desculpe-me...

 

Jornalista: A concorrência é desleal?

 

Presidenta: Não. Eu vou falar aqui sobre China. Você me desculpa, tá? Hoje de manhã... eu vou fazer, mais ou menos, um retrospecto para vocês, não é? Hoje de manhã, eu abri a primeira edição do Diálogo [de Alto Nível Brasil-China em Ciência, Tecnologia e Inovação] na área de ciência e tecnologia. Eu acho que nessa área nós tivemos, assim, alguns resultados muito promissores, principalmente... primeiro, porque o ministro de Ciência e Tecnologia, Wang Gang, ele esteve presente no Seminário, mas, sobretudo, porque nós deixamos uma coisa, eu acho, assim, muito estabelecida nessa parceria estratégica entre o Brasil e a China: a necessidade de que nós temos de ir para além da complementaridade entre as duas economias. Ir além da complementaridade entre as duas economias significa, primeiro, na área que nós temos, sem sombra de dúvida, grande competitividade, que é a área de alimentos, de minério, de petróleo, enfim, de matérias-primas, nós deixamos bem estabelecida a importância dessa área também ser objeto de uma agregação de valor e, a partir daí, as relações comerciais seriam estabelecidas. Em segundo lugar, a importância para o Brasil da produção de manufaturados. Mas aí eu quero também destacar uma terceira questão, e por isso é que eu comecei pela questão da ciência e tecnologia. Na verdade, para o Brasil importa uma parceria na área de ciência e tecnologia com a República Popular da China. Por quê? Porque estamos em estágios parecidos de desenvolvimento e, nesse aspecto, a parceria pode permitir um salto. Nós queríamos destacar algumas áreas, especialmente a de tecnologia da informação, e aí é que se deu, eu acredito, uma das questões mais importantes, que foi a nossa conversa com três... com duas... – no final da viagem vai ser a terceira – com três empresas desta área: a Huawei, a Foxconn e a ZTE. É muito importante, porque a tecnologia de displays, e o propósito dessas empresas que nos procuraram para evidenciar que elas tinham um interesse, que era produzir no Brasil. E aí você tem uma gama diferenciada de investimentos que vão desde 300 a 400 milhões até, no caso da Foxconn, um projeto que seria em cinco anos, em torno de cinco a seis anos, de US$ 12 bilhões.

 

Jornalista: Para que, Presidente?

 

Presidenta: Para a produção de displays. Aqueles de...

 

_____________: Telas.

 

Presidenta: Telas, por exemplo, do IPad, telas do telefone de terceira geração. Eles produzem esses equipamentos para...

 

__________: HP

 

Presidenta: ... para todas as empresas, não é. Aí você lista todas, Apple... todas. Dell...

 

__________: Os tablets.

 

__________: Motorola.

 

__________: Apple.

 

Presidenta: Todos os tablets, os telefones celulares e tudo.

 

Jornalista: Agora, a senhora conversou com eles hoje?

 

Presidenta: Hoje eu falei com a Foxconn e, ontem, eu falei com a Huawei.

 

Jornalista: Estão estudando, ou de que depende?

 

Presidenta: Não, eles estão propondo uma parceria para nós. Chegaram e propuseram: “Queremos investir no Brasil”.

 

Jornalista: US$ 12 bilhões...

 

Presidenta: Não, um deles é US$ 12 bilhões.

 

Jornalista: São US$ 12 bilhões?

 

Presidenta: Bi.

 

Jornalista: Bi. Da Foxconn?

 

Presidenta: É.

 

Jornalista: Eles poderão ter vantagens tributárias para garantir esse investimento?

 

Presidenta: Olha, isso a gente vai discutir. Obviamente, você não acredita que nós fizemos essa discussão hoje. Ele comunicou o seu interesse; nós agora criamos com eles um grupo de trabalho, vão participar o BNDES, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio [Exterior]. Isso é um processo inicial.

A segunda questão que eu queria levantar é a questão justamente desse seminário também, “Brasil-China: Para Além da Complementaridade”. Primeiro, porque o nome é muito importante, a proposta desse seminário. É a consciência, que eu acho que é geral entre os brasileiros, mas, surpreendentemente, também entre os chineses. “Surpreendentemente” por quê? Porque não é um problema específico deles, mas é a percepção que eles têm também de que uma relação só vai para frente quando beneficia os dois lados. Então, foi muito boa essa reunião, acho que também aí nós tivemos uma manifestação muito clara do Vice-Ministro [Vice-Primeiro-Ministro], que estava lá presente, cujo nome é...

 

Jornalista: O Vice-Primeiro-Ministro?

 

Presidenta: O Vice, que é... Qishan. Escreve Wang Q-I-S-C-H-N [Q-I-S-H-A-N].

Bom, eu acredito que esse seminário abriu, eu acho, uma relação nova nesse sentido. Obviamente que tem de ser construído, não adianta me perguntar “Vai ser concretamente o quê?”. Eu acho que o que vai ser é o seguinte: Está aberto um novo caminho, que vai ter de ser trilhado e construído. Tem uma parte que é nossa, que não é deles, tem uma parte que é nossa.

 

Jornalista: O que é...?

 

Presidenta: Uai, nós termos esse cuidado em agregar valor antes de exportar...

 

Jornalista: O que a senhora espera agora?

 

Presidenta: ... e não passar a achar que é absolutamente natural que a gente exporte só produtos básicos, que a gente tire do chão a riqueza e exporte, seja ela mineral ou seja ela agrícola, ou até animal, no caso dos produtos...

Agora, nós tivemos duas conquistas importantes: Uma, na área tradicional das commodities, que foram, pela primeira vez, a carne suína, ela tem agora uma penetração no mercado chinês. E a segunda diz respeito aos 35 aviões da Embraer que foram também licenciados.

Além disso, eu acho importante dizer que foi muito produtiva e muito boa a reunião que eu tive, há pouco, com o primeiro-ministro... presidente Hu Jintao. Nessa reunião com o presidente Hu Jintao, eu queria destacar também da parte do Presidente uma consciência muito clara da questão relativa à necessidade do Brasil e da China terem uma nova... passarem para uma nova etapa de relacionamento. O presidente Hu Jintao também se mostrou extremamente consciente da importância que, para a nossa parceria, tem mecanismos mais amplos dessa parceria. Primeiro, a questão do valor agregado. A ideia da China é abrir espaço para o Brasil no que se refere a valor agregado, e aí, uma das coisas que nós temos que comemorar é o fato de que se definiu a ida ao Brasil de uma missão, que eles chamam de missão de compra - nós também. Aquelas missões que você manda aos países para avaliar quais são as oportunidades de importação em setores manufatureiros, e fazer com que, de fato, o nosso relacionamento tenha maior densidade econômica.

 

Jornalista: Quando eles vão, Presidente?

 

Presidenta: Eles vão agora em maio.

 

Jornalista: Em maio.

 

Presidenta: (incompreensível) eles vão... A missão vai ter a liderança do ministro que é contraparte do ministro Fernando Pimentel (incompreensível).

 

Jornalista: (incompreensível)

 

Presidenta: Além disso...

 

Jornalista: Os empresários que estão aqui reclamam muito que, com o câmbio – inclusive, chegou a quase [R$] 1,50 nesta semana – com as condições de impostos (incompreensível), não têm sequer condições de exportar produtos de maior valor agregado para a China, eles não têm o que oferecer, a maioria deles. Como é que o seu governo pretende lidar com essa (incompreensível)?

 

Presidenta: Olha, nós vamos ter... Nós temos, em relação à questão do câmbio, uma grande preocupação. Temos tomado todas as medidas possíveis em um quadro em que a política cambial é de câmbio flexível. Sabemos perfeitamente o porquê que nós estamos... todos nós sabemos. Vai desde a política de quantitative easy e de ajuste dos países desenvolvidos até o fato de que o Brasil ainda opera com taxas de câmbio mais elevadas do que o resto do mundo.

 

__________: Taxa de juros.

 

Presidenta: Taxa de juros, desculpa, mais elevadas do que o resto do mundo. Não é uma situação que nós resolvamos por decreto. Agora, o governo está consciente, alerta, e está tomando as medidas necessárias para que isso não se transforme em um problema maior do que já é. Necessariamente, nós vamos buscar uma taxa de câmbio, ao longo do meu governo, compatíveis com as taxas de câmbio... aliás, as taxas de juros internacionais. Vamos buscar uma taxa de juros compatível com a taxa de juros internacional.

Eu falei “câmbio” aí, mas são juros. Porque depois vocês vão lá e botam...

Bom, outra...

 

Jornalista: Que taxa de câmbio a senhora acha...

 

Presidenta: Eu não... Essa resposta [pergunta] eu não respondo, (incompreensível). É daquelas amarradas, ninguém pode responder isso.

 

Jornalista: É possível derrubar os juros sem complicar a inflação? Por exemplo, deixar (incompreensível) juros mais baixos?

 

Presidenta: Não, mas eu não estou dizendo que eu vou derrubar os juros depois de amanhã, eu estou dizendo que é em um horizonte de quatro anos. É possível sim, perfeitamente. Esse é o grande desafio que o Brasil vai ter de enfrentar, pelo menos desta vez.

Agora eu queria, além disso, dizer o seguinte: ficou claro, nessa relação, nessa relação bilateral, a importância da cooperação entre o Brasil e a China nos vários aspectos. Primeiro, eu vou até, eu vou até me permitir utilizar partes da manifestação do presidente Hu Jintao, porque ela é muito boa. Ele enfatizou a necessidade de nós mantermos uma estratégia de aproximação sistemática, isso significa, a reunião dos reitores, o envio de estudantes para a China; significa também o intercâmbio sistemático entre as diferentes esferas de governo dos nossos países, a relação com os empresários; significa uma cooperação econômica e comercial, como eu disse, baseada na agregação de valor, e a necessidade dessa cooperação levar relações estáveis e equilibradas. Sabemos que a China hoje tem um... O Brasil tem um superávit em relação à China. Agora, o que nós temos clareza é que queremos um superávit de outra qualidade, não só baseada em produtos de commodities.

Na questão de cooperação de investimentos, a parceria entre empresas brasileiras e chinesas, e nessas duas áreas, um princípio muito claro, o princípio da reciprocidade: o que valer para o Brasil, vale para China e vice-versa. Cooperação na área de energia, na questão da energia limpa. Nós estamos, do nosso lado, apostando na segunda geração e na terceira geração de etanol, hidrólise (incompreensível) e a gaseificação, e eles têm uma grande área de atuação no que se refere à energia solar. Está aqui inclusive o professor Pingueli, que é o responsável pelo lado da Coppe da parceria com a Universidade de (incompreensível).

 

Jornalista: (incompreensível)

 

Presidenta: Não é a minha praia...

 

Jornalista: Falar mandarim...

 

Presidenta: Falar mandarim. Já de algumas pessoas é, mas a minha não é não.

 

Jornalista: (incompreensível)

 

Presidenta: O quê?

 

Jornalista: E a ONU, Presidente? E a ONU? Nós vimos... Presidenta, a gente viu muito a questão (incompreensível) que eles foram mais... Os chineses estão sendo mais incisivos em relação (incompreensível). A senhora acha...

 

Presidenta: Eu não acho que dá para fazer uma comparação. Agora, nós temos tido... se você for ver, uma coisa interessante aconteceu: Nos últimos anos... Eu acho que, em toda a história da ONU, é a primeira vez que os cinco BRICs estão lá no Conselho de Segurança da ONU. E o que a gente viu? A gente viu uma aproximação grande, natural, e que levou, eu acho à posição mais correta diante do problema da Líbia. Nós todos optamos pela abstenção no que se refere àquela zona de voo.

Há uma preocupação muito grande em que a gente tenha essa aproximação. Isso não significa que todos vão ter sempre a mesma posição. Tanto é assim que a África do Sul acaba de entrar nos BRICs, por exemplo, e votou a favor. Votaram contra, ou seja, votaram abstenção o Brasil, a China, a Índia e a Rússia. Então, nem sempre se vai ter uma unidade íntegra, mas é importante sinalizar que a maioria das posições tem sido no sentido de agregar, de construir uma posição.

Eu assinalo também a importância, para o Brasil, para a China, e aí para os BRICs – que a reunião vai começar depois de amanhã – desses fóruns. Tanto o G-20, quanto os BRICs, quanto o Basic – que é aquele em que não está a Rússia – todos esses fóruns serviram para a gente construir uma posição de multilateralidade, que não existia. Temos posições a respeito da importância da reforma do Sistema Financeiro Internacional; vamos insistir no fato de que a governança do Fundo Monetário Internacional e a do Banco Mundial não podem sistematicamente consistir em um rodízio entre Estados Unidos e Europa, com os demais países sistematicamente fora. Nós não temos nada contra os dois países, achamos que eles têm técnicos de extrema qualidade. Agora, achamos também que nós temos técnicos de excelente qualidade, e não existe porquê, dada a correlação de forças na área econômica no mundo, que nós sejamos sistematicamente excluídos.

De outro lado, achamos importante a discussão da maior estabilidade financeira, até porque hoje nós estamos... Acabaram de me perguntar sobre o câmbio. Nós estamos assistindo a um processo pelo qual a disponibilidade de uma grande liquidez provoca processos de valorização de moedas extremamente instáveis, extremamente instáveis. Vocês têm visto o esforço imenso que o governo brasileiro, através do Ministério da Fazenda e do Banco Central, vem fazendo no sentido de coibir os movimentos especuladores. Nós vamos continuar perseguindo. Agora, sabemos que há toda uma série de mecanismos que leva a processos de bypass etc.

Então, discutir a governança não é algo que seja um exercício internacional. Discutir a governança é fundamental para os países em desenvolvimento. Porque hoje o que nós vemos é uma certa simetria nas condições pelas quais isso ocorre no mundo. Até porque há sempre aqueles que têm reserva... têm moedas que são reserva de valor, eles têm uma certa, eu diria assim... eles têm uma certa presença mais forte no cenário do que aqueles que não têm. Então, nós hoje temos, eu acho, nos BRICs, um fórum para que também a gente faça o G-20 mais efetivo. Eu acho que houve grandes contribuições, tanto dos BRICs quanto do G-20.

 

Jornalista: Presidente, por favor, Presidente.

 

__________: Obrigado, gente, obrigado.

 

Presidenta: Nós vamos... Outra coisa, gente: Nós vamos, nós vamos... Amanhã eu tenho um encontro com o primeiro-ministro Wen Jiabao, e depois eu tenho... ou antes, eu tenho um encontro também com...

 

Jornalista: Wu Bangguo.

 

____________: Com o presidente da Assembleia...

 

Presidenta: Aí, vocês sabem falar direitinho, não é? Treinaram.

 

Presidenta: Sabem mandarim.

 

Presidenta: Sabem mandarim. Eu queria dizer, encerrando, que nós tivemos a mesma manifestação sobre direitos humanos que tivemos com os Estados Unidos. Todos os países têm problemas de direitos humanos. Nós sempre começamos a falar dos nossos: nós temos problemas de direitos humanos. Todos os países têm. A nossa posição sobre direitos humanos, nessa questão, estava expressa na nossa nota conjunta, assim como a posição em relação... no caso recente da nossa nota conjunta... com os Estados Unidos também estava na nota conjunta.

Obrigada a vocês.

 

____________: Obrigado, obrigado, gente. Muito obrigado, hein. Obrigado.

 

Jornalista: A senhora vai visitar a Cidade Proibida amanhã?

 

Presidenta: Eu vou.

 

 

Ouça a íntegra da entrevista (20min59s) da presidenta Dilma.