24-09-2014 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após cerimônia de abertura do Debate de Alto Nível da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) - Nova Iorque/EUA (23min02s)
Nova Iorque-EUA, 24 de setembro de 2014
Presidenta: Esperei vocês chegarem aqui, sei que não é fácil. Bom, vocês viram hoje o meu discurso da ONU, mas eu queria mostrar para vocês, eu trouxe aqui e vou pedir até para o Olímpio distribuir para vocês. O que eu trouxe? Eu trouxe o mapa que o pessoal da FAO me deu, que mostra... eu vou mostrar, o mapa da FAO é esse aqui. É o Brasil ficando, essa cor que tira o Brasil do mapa da fome, assim como Uruguai e Argentina - eu acho que eles já estavam fora -, e o Chile. O que é muito interessante. Aqui os países que estão em branco são aqueles que estão fora do mapa da fome, onde não tem subnutrição. E esse aqui é aqueles que atingiram o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio - ODM, que é a fome zero, esses são, esses dois, o mapa da fome. Eu vou distribuir, aqui tem mais esse complemento ainda, mas eu vou distribuir para vocês.
Jornalista: O verde então é quem faz…
Presidenta: O verde está aqui escrito: A prevalência de under… de subalimentados na população, percentual, e aqui na tabela eles mostram que os branquinhos são aqueles que saíram do mapa da fome. Os que não são branquinhos estão no mapa da fome.
Jornalista: A senhora destacou muito, presidente…
Presidenta: E outro é esse que é o desenvolvimento, o cumprimento do Desenvolvimento do Milênio, o objetivo, que é não-fome.
Jornalista: Nos países da Europa, até porque eles já não tinham esse problema. Por isso que eles estão branquinhos aí?
Presidenta: É, aqui é por isso. Mas aqui, de qualquer jeito, eu vou dar para vocês, eu só vou levar o meu, só vou levar o meu. Eu queria falar só sobre algumas coisas. Primeiro, ficou visível uma questão que eu queria deixar claro, o que acontece. Naquela declaração apresentada por alguns países, não foi apresentada pela ONU, não é uma declaração da ONU sobre florestas. Foi apresentada por três países: Alemanha, Reino Unido e Noruega, algumas ONGs e empresas internacionais, empresas privadas internacionais.
Por que é que o Brasil se recusou a assinar? Primeiro, porque não nos consultaram. Somos um país com uma grande quantidade de florestas que temos, reconhecidamente, do ponto de vista internacional, a melhor política de [contra] redução de florestas. Nunca nos consultaram. Um dos assessores disse que não nos acharam, coisa um pouco difícil dado o tamanho do país. Além disso, além de não terem nos consultado, tem uma segunda questão: eles propõem algo que é contra a lei brasileira. A lei brasileira permite que nós façamos o manejo florestal. Muitas pessoas vivem do manejo florestal que é o desmatamento legal sem danos ao meio ambiente. É o fato que nas beiras, principalmente nas populações tradicionais, você pode ter o manejo florestal. Então, também pelo fato de que contraria e se contrapõe à nossa legislação.
Bom, eu queria dizer para vocês alguns destaques do que eu acho relevante, além de toda a questão relativa às realizações sociais do país, a saída do mapa da fome, toda a questão da política social e também da estabilidade macroeconômica, da importância da ONU, dos países do G-20 voltarem e prestarem bastante atenção nas condições de retomada do crescimento internacional, porque nenhum país deixa de ser afetado pela crise e, também, nós fizemos algumas falas ao longo das três últimas assembleias, sem ser essa. Eu reiterei a do ano passado que é o compromisso com a retomada, que tem de ficar claro na resolução da ONU. E, em especial, o patrocínio da ampliação do comércio internacional a partir de um acordo sobre a rodada de Doha, dentro do quadro da OMC também.
Reiteramos mais uma vez a necessidade das instituições financeiras internacionais, a saber, Fundo Monetário e Banco Mundial, de representar a real correlação de forças no mundo. Esses dois órgãos não podem continuar deixando que países que hoje têm grande relevância não tenham a mesma proporção no que se refere às quotas. Isso também é uma pauta sistemática do governo brasileiro. Evidenciamos e relatamos o que houve na Cúpula dos Brics, basicamente a formação do Banco de Desenvolvimento dos Brics e do Acordo Contingente de Reservas, cada um com US$ 100 bilhões.
Agora, os grandes desafios. Primeiro, a paz e a segurança coletiva. É fundamental, primeiro, considerar que o mundo não resolve velhos contenciosos e novos contenciosos são agregados aos velhos, acumulando um quadro de imensa instabilidade com grande perdas de vidas e com grande instabilidade política internacional. Constatamos que o uso da força, que vai desde intervenções militares amplas até localizadas, não construíram a paz no mundo. E que o melhor caminho para se construir a paz será sempre o diálogo e a diplomacia. Em que pese todo mundo concordar com isso, isso não tem sido praticado.
Nós consideramos que a Palestina, a situação na Palestina, o conflito israelo-palestino, o conflito na Síria, no Iraque, na Líbia, da Líbia se expandindo e contaminando Israel, e na Ucrânia, têm de ser resolvidos dentro dos marcos legais internacionais. Quais são eles? É o direito internacional e o fato de qualquer ação ter de se submeter ao acordo do Conselho de Segurança da ONU. E aí, nós também sempre temos reiterado, nos últimos três anos do meu governo, em toda a reunião, que é fundamental a reforma do Conselho Nacional... Desculpa. O Conselho Nacional, veja só, hein? O Conselho de Segurança da ONU. Por que é importante? Porque é o seguinte: é outro, outra das instituições que emergiram da Segunda Guerra Mundial. De lá para cá, você tem toda uma trajetória internacional, e o mundo merece ter uma representação melhor no Conselho de Segurança da ONU para evitar que haja essa paralisia dentro do Conselho, essa paralisia, porque é uma verdadeira paralisia. E aí, em vários momentos, o que acontece? Acontece que as ações se dão fora do Conselho, sem esse carimbo de legalidade que o Conselho pode dar a uma ação, e não só de legalidade, mas também dando a ela a chancela de todos os países da ONU.
Jornalista: Como que deveria ser composto o Conselho, presidente?
Presidenta: Nós defendemos a participação do Brasil. Estamos no grupo G4 - G4, não é, gente? É, G4. Nós defendemos que nós sejamos... que se mude não só a representação fixa, mas também aqueles representantes que vão se alternando, amplie-se também a representação que substitui que, tradicionalmente, permite que outros países passem - como nós já fizemos - passem um determinado período dentro do Conselho.
Jornalista: Presidente, é possível negociar com o Estado Islâmico, desafiando o Iraque? Esse é o ponto que o presidente Barack Obama (incompreensível) não é possível negociar...
Presidenta: Gente, vocês acreditam que bombardear o ISIS resolve o problema? Porque se resolvesse, eu acho que estaria resolvido no Iraque. E o que se tem visto no Iraque é a paralisia. Isso não sou eu que estou dizendo, é só vocês lerem o New York Times de ontem. O que o New York Times disse: que houve uma estagnação. Por quê? O ISIS tem apoio de comunidades sunitas. Então, o que se tem de olhar é, de fato, a raiz desse problema. Vocês sabem aquele negócio, quando você destampa a caixa e sai todos os demônios? Os demônios estão soltos, todos. Não vamos esquecer o que ocorreu no Iraque: houve uma dissolução do Estado iraquiano, uma dissolução. Então, hoje, a gente querer simplesmente bombardear o ISIS, dizer que você resolve porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio, porque o bombardeio não leva a consequências de paz. Por que você quer bombardear? Por quê? Por que alguém internamente quer que você bombardeie? Você vai bombardear para quê? Para garantir a paz?
Jornalista: Presidente, na invasão do Iraque, originalmente, o Conselho de Segurança da ONU votou contra a invasão do Iraque, e ainda assim os Estados Unidos liberaram esse movimento de invasão do Iraque. Qual a esperança que a senhora tem? E depois disso nada aconteceu e ficou por isso mesmo… Ser possível modificar essa organização, que foi totalmente inefetiva, que não conseguiu barrar uma invasão do Iraque, como era a maioria da intenção dos países aqui representados. E depois disso nada aconteceu. Que representatividade ela tem, e como é possível mudar essa representação?
Presidenta: Olha, eu acho que primeiro a gente sempre tem de ter esperança. Eu tenho esperança que mude. E o meu papel, como representante de uma nação do porte do Brasil, que é uma nação reconhecidamente pró-paz, que nunca atacou, nunca teve uma ação ilegal nessa área, é minha obrigação defender que isto não se repita. Que não se faça ações fora do âmbito da legalidade da ONU. Primeiro porque, como você mesmo disse, está claro que a invasão do Iraque não resultou na paz no Iraque. Está... é, assim, os fatos gritam, então é uma discussão que eu não vou travar aqui, se resultou ou não, está na cara que não resultou. Não resultou, tanto é que hoje bombardeiam o Iraque, hoje há, Inclusive, esse produto, esse subproduto da invasão chamado ISIS.
Bom, mas eu quero continuar a minha parte, no que se refere à minha fala na ONU. Além de eu achar que o Conselho tem de ser reformulado, acho que o Conselho tem de ter claramente um poder de rejeitar certo tipo de ação unilateral. Eu acho que é o único poder que resta ao Conselho é isso, rejeitar de forma clara o poder de, aliás, rejeitar de forma clara, esse é o poder. Porque o Conselho de Segurança da ONU é um órgão colegiado, é um órgão de, vamos dizer assim, de caráter político. Não é possível achar que cada vez que acontece alguma coisa, a gente vai atacar e isso vai resolver. Se resolvesse não teria Iraque, Líbia, não teria o Sahel, não teria todas as instabilidades que ocorrem no mundo.
Bom, continuando, eu acho importantíssima a discussão, que a discussão do meio ambiente, vocês devem estar lembrados que eu, na época, era ministra-chefe da Casa Civil do presidente Lula quando coordenei a nossa delegação na Conferência COP 15, que é a Conferência de Copenhague. Naquele momento, o Brasil definiu uma redução voluntária entre 36 a 39% das emissões de gás de efeito estufa. Isso foi em 2009. Nós temos moral para falar nisso, porque de 2010 até hoje nós reduzimos, ano a ano, 650 milhões de toneladas de dióxido de carbono e de emissão. Então eu vou falar uma coisa que o Brasil, mesmo não tendo havido um acordo, o Brasil fez de forma voluntária e, além disso, legal, porque colocamos isso em lei. Bom, o que eu acho? Eu acho que a discussão não pode repetir Copenhague. O que é a repetição de Copenhague? É assim, e foi assim em Copenhague e não pode ser assim em 2015, que era assim: se você reduzir eu reduzo. Agora, se você não reduzir, eu não reduzo. Primeiro, os países desenvolvidos fizeram seu, todo o seu crescimento baseado em fortes emissões de gás de efeito estufa. Ao contrário de nós, um dos motivos mais graves de comprometimento e que permitem essa emissão, são as matrizes energéticas usadas. No caso da elétrica era dominantemente e ainda é, em parte, carvão e diesel ou, pior, óleo combustível pesado, que produz muita emissão.
Então, o que vai estar na pauta em 2015 é o seguinte: vai haver ou não vai haver, medidas claras e cada um assumindo sua meta e cumprindo sua meta, através daquilo que era a briga, se é legallybinding ou se não é legallybinding, ou seja, se é legalmente vinculante ou não legalmente vinculante? Eu acho que tem de ser medidas universais para todos, obviamente guardando o princípio da equidade. Quem mais contribuiu para a emissão, tem mais responsabilidade de quem não contribuiu. Então... porque nesse teve desenvolvimento, então para aqueles países que não têm condições sozinhos de fazer, e que estão em desenvolvimento, tem de ter medidas de financiamento e aporte garantido para adaptações e mitigação. O Brasil fica muito tranquilo de falar, porque não está pedindo apoio para isso. Nós fizemos a nossa parte e fizemos além, porque aplicamos hoje no Brasil, de forma também absolutamente, ou seja, voluntária, da nossa parte, agricultura de baixo carbono, não é? Plantio direto sobre a palha, fixação de nitrogênio no solo, rotação lavoura-pecuária-pastagem, recuperação de pastagens degradadas, recuperação também de dejetos, nós temos essa política, mas, sobretudo, temos uma matriz que é 79% elétrica, baseada em renováveis, e temos também um plano, uma política nacional a gente esquece de falar isso mas tem que falar, uma política nacional de prevenção, de monitoramento e prevenção de desastres naturais que, na verdade, é uma variante do plano de adaptação que nós vamos apresentar. O plano de adaptação está integrado, porque eu não vou ficar discutindo: “Ah, aquilo ali veio pela mudança do meio ambiente. Não, aquilo ali não veio, então eu não faço o plano de adaptação”. Não, o plano de adaptação vai valer para desastres naturais causados pelo meio ambiente ou por razões meteorológicas, a gente discute depois como classificar. Agora, antes a medida é para poupar, primeiro, vidas, depois, patrimônio, e garantir, com medidas preventivas, que o meio ambiente não seja afetado.
Então, o Brasil pode falar, sim, tranquilamente. Nós temos moral para falar, o que não é viável é que se repita, se repita as razões geopolíticas que levaram à inviabilidade da COP 15, em Copenhague. Então, eu acho que cada país tem que dar a sua… tem de dizer qual é a sua meta de redução. E aí a discussão vai ficar clara, transparente, todo mundo vai saber que cada um se dispõe a fazer.
Bom, eu queria ainda mais dizer para vocês uma outra coisa. É bom dar uma olhada que só nós que temos sistema de monitoramento e desmatamento ou Prodes. Eu não tenho conhecimento, posso estar equivocada, eu não tenho conhecimento de outro país que tem sistema de monitoramento que nem o nosso. Então, essa historia de dizer que o Brasil foi o que mais desmatou o ano passado, vamos colocar isso sob interrogação, sabe por quê? Porque a revista Science, em 2011... mostra que entre 2011 e 2012 houve um país, que é a Indonésia, que desmatou mais que o Brasil, desmatou 20.000 km², então eu sugiro que se olhe com mais, vamos dizer assim, mais precisão, antes de falar que nós somos grandes desmatadores. Até porque ontem eu mostrei para vocês a queda. Nós saímos de 27 mil, num determinado momento lá atrás, passamos para 11 mil e chegamos hoje a 5.800, e vamos cair em 2014, eu garanto a vocês. Perfeitamente duas perguntas porque agora eu vou para Bahia.
Jornalista: Presidente a senhora fez um discurso exaltando as conquistas sociais no governo da senhora e do ex-presidente Lula nos últimos 12 anos, destacando muito a questão do emprego e da renda. A senhora falou aqui como Chefe de Estado, mas também como candidata à reeleição? Foi um discurso político de campanha?
Presidenta: Olha, eu sugiro que vocês olhem os meus quatro discursos aqui.
Jornalista: O de hoje, Presidenta.
Presidenta: Pois é, os meus quatro discursos são muitos parecidos, no que se refere a eu falar sobre uma questão fundamental. Eu falar que o Brasil, reduziu a desigualdade, diminuiu a desigualdade, aumentou a renda, ampliou o emprego, em todos os discursos, em todos eles. Porque isso é um valor aqui, é um valor que o mundo reconhece que nós fizemos isso. Nós, em 12 anos, tivemos uma redução que poucos países do mundo tiveram. Então, eu digo isso porque como Chefe de Governo eu tenho imenso orgulho disso. E acho que uma parte do respeito que o Brasil tem, no plano internacional, decorre do fato da gente ter feito isso. Nenhum país, como nenhuma família, respeita aqueles que chefiam ou um país ou uma família que não melhoram a vida dos seus. Então, ter melhorado a vida do Brasil, ou seja, ter saído do mapa da fome, ter diminuído a pobreza, num mundo que desemprega centenas de milhões de pessoas, centenas de milhões, porque só o G20 está desempregando 100 milhões, nós criamos emprego. Então, este é um valor, acho que é um valor para o Brasil, e é um valor para ser afirmado internacionalmente, em todas as minhas vindas à ONU. Eu abri e disse isso. Muito obrigada para vocês. Agora eu estou indo para Bahia, se vocês quiserem ir para Bahia comer um acarajezinho...
Ouça a íntegra (23min02s) da entrevista concedida pela Presidenta Dilma