11-12-2012 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após cerimônia de assinatura de atos - Paris/França
Paris-França, 11 de dezembro de 2012
Presidente François Hollande:_________
Presidenta Dilma: ...inicialmente de expressar meu agradecimento pela acolhida dispensada a mim e à minha comitiva pelo governo do presidente Hollande, por ele e por toda a sua equipe. Essa é a minha primeira visita oficial, e eu agradeço muito a recepção.
O nosso diálogo aqui, em Paris, permitiu que nós retomássemos e aprofundássemos a visão que compartilhamos sobre a crise global, durante as reuniões do G20 e, especificamente, a última, em Los Cabos, e à margem da Conferência Rio+20, quando nos encontramos.
Hoje mais cedo, quando abrimos o Seminário do Instituto Jourès e Instituto Lula, nós tivemos ocasião de analisar a crise internacional, e reiteramos algumas posições que já foram amplamente, pelo menos pelo Brasil, divulgadas. Nós concordamos que as políticas exclusivas de austeridade, elas mostram seus limites, esses limites estão dados pelo fato de que ao invés de reduzir a crise, ela a amplia, e que nós tenhamos um aparecimento de desemprego, desesperança e, principalmente, de redução e de comprometimento das classes médias, e isso é extremamente lamentável, uma vez que essa era a base do estado de bem-estar social.
Nós sabemos que os impactos da crise são diferentes. Achamos que é possível que principalmente os países superavitários tomem providências no sentido de ampliar seus investimentos. E nós, no Brasil, temos certeza de que é importantíssimo trabalhar junto com todos os países, em especial com a França, para evitar que as políticas recessivas que, no passado, fracassaram na América Latina, continuem a impedir o crescimento internacional.
No Brasil, nós desenvolvemos uma forma nova de conjugar responsabilidade fiscal com crescimento econômico, estabilidade com crescimento e também com justiça social. Eu aprecio a ênfase que o presidente Hollande vem dando ao setor produtivo, na defesa da competitividade e do emprego.
O Brasil está empenhado numa política anticíclica, de estímulo ao crescimento e de aumento também da competitividade, e eu espero que prevaleça uma visão de saída da crise em que os planos de ajuste se deem no médio e no longo prazo, mais fortemente, combinados com o aumento dos investimentos no curto prazo.
Nós sabemos que as medidas tomadas na Zona do Euro foram importantes e acreditamos que é importante implementar os compromissos que nós assumimos nas cúpulas do G20, em especial, promover crescimento e empregos. E concordamos também – isso é uma coisa importante – em que as decisões do G20 a respeito da melhoria da regulação financeira e da regulação econômica no mundo é algo a ser perseguido e a ser implantado. Notadamente também a melhoria da governança no que se refere ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário.
Nós, do Brasil, estamos decididos a diversificar a nossa base econômica, por isso é muito importante também o esforço que estamos fazendo em comum para a recuperação das nossas economias. Eu cumprimentei o presidente Hollande pela criação do banco público de investimentos e pela decisão de dar prioridade na alocação de seus recursos para o financiamento de pequenas e médias empresas inovadoras.
Na esfera bilateral, o presidente Hollande e eu concordamos em enfatizar a capacitação profissional e tecnológica em áreas estratégicas, sobretudo na indústria. São positivas algumas iniciativas em curso, como o programa de desenvolvimento de submarinos entre a França e o Brasil, o Prosub; o Ciência sem Fronteiras, que eu agradeço aqui, de público, a França por ser um dos países receptores dos estudantes que o Brasil vem enviando para todas as melhores universidades do mundo. Obviamente a França não poderia deixar de ser um dos nossos destinos. Eu acho o programa Prosub, um programa extremamente importante, um programa de capacitação tecnológica e industrial do Brasil na área da defesa.
Agradeci, também, ao presidente Hollande por beneficiarmos [nos beneficiar] com uma relação de alto nível no que se refere a ensino e pesquisa. Nós decidimos também abrir e ampliar nossas frentes de cooperação nas áreas espacial, nas áreas de defesa, nas áreas de energia e nas áreas de alimento, e em todas as áreas que se fizerem necessárias. O Grupo de Inovação Franco-Brasileiro oferece uma plataforma efetiva para levarmos adiante esse objetivo.
Também queremos estimular fluxos de comércio e investimentos entre a França e o Brasil e, nisso, eu e o presidente Hollande temos o compromisso de ampliar o nosso relacionamento. Eu vou levar uma mensagem muito otimista ao Seminário do Medef, no qual eu faço uma palestra amanhã.
E eu também gostaria de dizer que o Brasil e a França têm uma trajetória de parcerias, tanto na área comercial como na área dos investimentos diretos, tanto a França no Brasil como o Brasil na França. Obviamente, a França com uma presença maior em setores estratégicos, e nós gostaríamos que essa fosse uma relação que se ampliasse.
Nós também apreciamos muito o apoio constante que a França nos dá para integrarmos o Conselho de Segurança das Nações Unidas. E agradeço imensamente a participação qualificada do presidente Hollande na Conferência Rio+20, que sinaliza, de uma maneira muito clara, a importância atribuída pela França ao desenvolvimento sustentável.
O Brasil vem, de forma sistemática, cumprindo as metas voluntárias de redução dos gases de efeito estufa, que foram assumidas por nós a partir da Conferência de Copenhague, de 36 a 39%. Lamentamos imensamente que o Protocolo de Quioto tenha sido prorrogado sem a participação de todos os países. Nós lutamos por isso, juntamente com a França, na Conferência agora, de Doha. Nós estamos determinados a buscar um consenso mais ousado para fazer frente à urgência necessária no combate às mudanças climáticas.
Também eu manifestei ao presidente Hollande a posição do Brasil sobre a situação no Oriente Médio. Nós consideramos que a melhor política nessa região é o diálogo e a negociação, e o restrito respeito à soberania nacional e às liberdades civis e aos direitos humanos.
E temos posições comuns, partilhamos delas, como, por exemplo, o reconhecimento da Palestina como observador na ONU. A afinidade de posições entre o Brasil e a França é, sem sombra de dúvida, um elemento fundamental na nossa parceria. Nós somos um país que aprecia o relacionamento com a França, do ponto de vista de toda a sua contribuição para a democracia, as lutas pelos direitos sociais, a cidadania.
E gostaria de reforçar que a nossa parceria, ela vai ganhar cada vez mais importância, uma vez que o mundo evolui no sentido de uma ordem multipolar. Nós somos dois países que têm a vocação de estar juntos. Nossa parceria na área industrial, na área de infraestrutura, na área de transporte, na área de energia, de indústria naval é algo que fará com que nós tenhamos uma elevação do nível da nossa troca de reforços, num momento muito especial, que é esse momento de crise, que exige também que aproveitemos essa situação para buscarmos maior cooperação.
Eu estou convencida, por isso, que nós estamos olhando o futuro, quando estabelecemos uma relação de aliança e uma relação de fraternidade. Temos e compartilhamos concepções comuns e, por isso, acredito que será sempre uma parceria destinada ao sucesso.
Presidente François Hollande: Muito obrigado, Dilma. Alguma questão?
Jornalista: Eu sou do “O Estado de S. Paulo”. Em primeiro lugar, em nome da imprensa brasileira, quero aqui reforçar o nosso interesse, nossa, jornais brasileiros, de entrevistar o senhor Presidente. Já há dez anos, desde o governo Chirac, que a imprensa brasileira não tem a oportunidade de entrevistar um presidente francês, o que parece difícil de entender.
Senhor Presidente, hoje houve a sugestão de criação do Conselho de Estabilidade Econômico-Social nas Nações Unidas, em que sentido o papel dessa instituição poderá diferir do papel de outras instituições internacionais, como o FMI?
Jornalista: Vou comentar essa questão, eu, enfim, questionei o presidente a respeito do Conselho de Estabilidade Econômica e Social. Se a senhora comentar essa questão ótimo, mas a minha questão para a senhora, a nossa questão para a senhora, diz respeito a uma questão de interesse nacional, mas de enorme repercussão internacional hoje. O publicitário... Hoje o jornal “O Estado de S. Paulo” publica detalhes do depoimento do publicitário Marcos Valério à Procuradoria-Geral da República. Nesse depoimento, Marcos Valério afirma que o ex-presidente Lula deu seu aval ao mensalão, que o ex-presidente teve despesas pessoais pagas por dinheiro do esquema e que ele próprio teria sido ameaçado por integrantes do seu partido, o Partido dos Trabalhadores, ameaçado de morte, em função desse esquema. Qual seria... qual é a sua posição a respeito dessas denúncias?
Presidenta Dilma: Eu posso responder primeiro?
Presidente François Hollande:_________
Presidenta Dilma: É sabida a minha admiração, o meu respeito e a minha amizade pelo presidente Lula. Portanto, eu repudio todas as tentativas – e que essa não seria a primeira vez – de tentar destituí-lo da sua imensa carga de respeito que o povo brasileiro lhe tem. Respeito porque o presidente Lula foi um presidente que desenvolveu o país e que é responsável pela distribuição de renda mais expressiva dos últimos anos. Respeito pelo que ele fez internacionalmente, pela sua extrema amizade pela África, pelo seu olhar para a América Latina e pelo estabelecimento de relações iguais com os países desenvolvidos do mundo. Eu acredito que essa é uma questão que eu devo responder no Brasil. Mas eu não poderia deixar de assinalar que eu considero lamentável essas tentativas de desgastar a imagem do presidente Lula. Acho lamentável.
Presidente François Hollande:_________
Presidenta: Muito obrigada, senhor Presidente.
Jornalista: Senhora Rousseff, pode dizer se a decisão sobre o contrato dos aviões será tomada não antes de março de 2013? Se não for, quando, e quais serão os principais critérios? Gostaria de saber qual é o montante do contrato. Falam de 36 aviões, 4 bilhões de euros. E outra pergunta, a senhora, como o senhor antecessor Lula, também tem uma preferência marcada pelo Rafale? Pois ele disse isso várias vezes.
Presidenta: Eu gostaria de dizer que nós tínhamos a discussão sobre o Rafale, o Super Hornet e sobre o Gripen, e essa discussão, ela se desenrolou ao longo de 2009 e 2010. Diante do aguçamento da crise, o governo brasileiro recuou de uma decisão imediata e nós, agora, temos visto um aumento dos processos de diminuição e estagnação, mesmo, dos rendimentos que nós obtemos para segurar o nosso orçamento, das nossas receitas. Isso nos leva a tomar extrema cautela ao decidir gastos que sejam além daqueles que nós necessitamos para fazer os estímulos fiscais que o nosso país precisa para sair da crise, tal como desonerações, investimento em infraestrutura. Então, nós adiamos, de fato, a opção por um dos três caças. Isso pode levar ainda algum tempo, depende da recuperação do país. Nós esperamos que o Brasil cresça, nos próximos meses, a uma taxa que dê possibilidade para que nós possamos voltar com esse assunto para nossa pauta, como sendo um assunto prioritário. Espero ter esclarecido a sua pergunta.
Presidente François Hollande:_________
Jornalista: Milton Blai, Grupo Bandeirantes, do Brasil. Uma pergunta à presidente Dilma, mas que vale também para o presidente Hollande. Presidente, um jornal francês disse que a senhora estaria, até certo ponto, desculpe a palavra, decepcionada com a timidez do governo francês na aplicação de uma política de crescimento que a senhora, aparentemente, esperava um pouco mais agressiva para sair da crise. Paralelamente, o Brasil, que vem aplicando fortes incentivos sob a sua direção, teve, neste ano, um resultado até certo ponto decepcionante: o menor crescimento dentre todos os países dos Brics.
A senhora continua a acreditar que este é exatamente o caminho, há mudanças a fazer ou... mudanças a fazer para o Brasil, como para a Europa, ou a sua opção está feita, e a sua também, Presidente?
Presidenta: Bom, eu quero dizer que acho extremamente... acho estranha essa afirmação do jornal. Ela não é real e não tem nada a ver com o que eu penso. Eu acredito que nós todos enfrentamos uma conjuntura extremamente difícil e que esse é um processo que leva tempo para ocorrer. No nosso caso, nós não abrimos mão de estímulos fiscais porque temos uma situação bastante estável. Nós temos uma relação dívida PIB de 35%, inflação sob controle e temos reservas significativas. Então, o Brasil gasta seu orçamento num processo de melhoria das condições macroeconômicas do país, desonerando, investindo em gargalos de infraestrutura e também procurando manter os nossos ganhos sociais, como, por exemplo, nós criamos, nesses dois últimos anos, 3 milhões e 700 mil oportunidades novas de trabalho. É verdade que nós tivemos uma desaceleração da metade do ano passado, e ela foi intensa nesse final de 2011 e no início de 2012. Nós, agora, começamos a reagir. Nós estávamos numa situação bem diferenciada, crescendo muito pouco. Agora nós chegamos, nesse trimestre, a 0,6% de crescimento, o que é muito significativo se vocês forem comparar as taxas trimestrais. De qualquer jeito, esse é um processo de que se sai de forma mais lenta do que se saía em 2008, 2009, quando houve uma crise aguda, com a quebra do Lehman Brothers. Agora nós temos uma crise crônica, uma redução muito grande dos mercados.
Eu, de maneira alguma, acho que a França não está tomando as devidas medidas, não só acho como até comentei com o presidente Hollande a respeito de um texto importante também para o Brasil que saiu aqui na França, que se chama Pacto pela Competitividade, escrito por um senhor chamado Louis Gallois. Nós achamos, inclusive, muita, eu diria assim, similitude entre o que ele propõe e o que o Brasil está propondo neste momento. E acredito que o grande instrumento de saída da crise é combinar, justamente, essa questão da competitividade e da melhoria, no nosso caso, do custo de capital, com a redução dos juros, com a melhoria do câmbio, combinar isso com investimentos, com redução do custo da energia, quando é possível – e no nosso caso é. Enfim, tomar as medidas que vão permitir que o crescimento seja sustentável. Nós estamos fazendo isso, com todo o esforço que temos, enfrentando uma crise que é generalizada.
Então, essa compreensão, eu entendo, muitas vezes, e muitas vezes acontece isso comigo, porque eu abro um jornal e pergunto o seguinte: será que eu falei alguma coisa dormindo? Porque só isso pode explicar algumas atribuições do que eu penso, eu não penso isso. Sinto muito, mas não penso. E acho importante que vocês, do Brasil, leiam o relatório chamado Pacto pela Competitividade, é muito esclarecedor.
Presidente François Hollande:_________
Ouça a íntegra da entrevista (20min39s) da Presidenta Dilma