11-06-2015 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após Retiro dos Chefes de Estado e de Governo da II Cúpula UE-CELAC - Bruxelas/Bélgica
Bruxelas, Bélgica -11 de junho de 2015
Jornalista: Presidente, a senhora se encontrou com Angela Merkel e o Tsipras hoje. A senhora se sente mais próxima nesses tempos...
Presidenta: É o tipo da pergunta que eu não responderei porque ela é absolutamente estranha. Eu vou me aproximar de algum chefe de estado mais do que do outro? Jamais.
Jornalista: Como foi o encontro...
Presidenta: Eu sou uma pessoa que representa o Brasil e, ao representar o Brasil, eu me aproximo dos chefes de Estado com os quais eu falo. Tenho relações bastante estreitas com a Alemanha e tenho também relações com a Grécia.
Jornalista: Da visão econômica?
Presidenta: Da visão econômica... Eu não vou falar sobre visão econômica de país. Vamos fazer uma entrevista…
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Eu vou dizer o que eu discuti com cada um. Eu discuti com a Merkel a visita da Merkel a… a visita que ela vai fazer ao Brasil, que para nós é importantíssima. Uma visita de alto nível, ela não vai sozinha, ela vai com uma parte do ministério. Nós passamos, o Brasil passa a ser um parceiro especial porque essa visita de alto nível, ela é feita com poucos países. Então, nós teremos uma visita em que o governo brasileiro, representado por mim e por alguns dos ministros, encontrará com a Merkel, representando a Alemanha, e alguns ministros. Quais são os pontos principais da nossa pauta? Os pontos principais são: ampliação do nosso comércio; uma parceria muito forte na área de indústria, desenvolvimento tecnológico, científico; formação profissional e técnica. Porque eles se caracterizam, a indústria alemã, ela se caracteriza por uma grande expertise na área de inovação, ali, chão de fábrica, e a capacidade de ter uma indústria de alta qualidade, de alta precisão. Então, nos interessa isso, nos interessa continuar a nossa discussão sobre cyber segurança e também uma cooperação na área de tecnologia digital, na medida em que o mundo tende a digitalizar todos os processos, mesmo os mais complexos. Terceiro, nós…
Jornalista: Presidente, vocês falaram do cabo submarino?
Presidenta: … Isso foi com outros, o cabo submarino foi na nossa parceira com Portugal, porque ele sai do Brasil e vai para Portugal.
Mas concluindo, com a Merkel também, nós discutimos várias questões relativas à relação que nós temos dentro do G20. Nós temos uma relação forte dentro do G20 na área dos organismos financeiros e também em relação a todos os problemas que afetam mundo, principalmente fizemos uma avaliação também da recuperação econômica, a Europa, que em uma recuperação econômica ainda menor, ainda incipiente... Há hoje uma divulgação do Banco Mundial dizendo que a economia internacional vai crescer 2,8%. Eu acredito que, apesar de o Banco Mundial dizer que tem problemas estruturais que levarão a uma recuperação mais lenta, eu acredito que mesmo os países emergentes, para quem a crise agora atingiu - porque agora a crise atingiu os países emergentes -, eu acredito que nós também vamos ter, a partir do ano que vem, um processo de recuperação, tanto China, quanto o Brasil, quanto os outros países. Apesar do fim do superciclo das commodities que se encerrou, eu acho que todos esses países, eles vão ter uma recuperação - o Brasil, a China, a África do Sul, a Rússia, todos nós vamos ter uma recuperação. E na América Latina é importante notar que isso também ocorreu, uma mudança de patamar do crescimento. De um lado por conta dos minérios - cobre, etc -, de outro lado por conta do preço do petróleo.
Jornalista: Falando em recuperação econômica, a inflação divulgada ontem, a senhora acha que a população tem que consumir menos? Como a senhora está vendo...
Presidenta: Não acho que a população tem que consumir menos. Eu acho que, pelo contrário, a população deve continuar consumindo. O que é que vai acontecer?
A inflação deste ano é uma inflação atípica, ela é fruto de várias correções. Nós continuamos ainda com dois problemas. Um, é a seca. A seca atingiu de forma absolutamente atípica o Brasil. Nós estamos no terceiro ano, terceiro ano e meio, de seca violenta no Nordeste. E temos tido uma seca razoável… eu não vou falar a palavra razoável, não, porque eu diminuo o tamanho da seca no Sudeste. O problema da hidrologia no Sudeste é diversa, ele é raríssimo nessa proporção. São dois anos seguidos em que você tem uma hidrologia absolutamente baixa. Isso afeta o preço dos alimentos e também agora você está também com um desempenho baixo, a última vez que eu vi, no Sul do país.
Jornalista: Quanto os números divulgados ontem preocupam a senhora?
Presidenta: Preocupam bastante porque a inflação é um objetivo que nós temos que derrubar, e derrubar logo. O Brasil não pode conviver com uma taxa alta de inflação. Não pode e não vai.
Jornalista: Como derrubar?
Presidenta: O que nós estamos fazendo. O Brasil está tomando todas as medidas para se fortalecer macroeconomicamente para construir uma situação estável. Nós temos certeza que a causa da inflação, ela não é estrutural, ela é conjuntural, é isso que eu estava querendo dizer. Um lado, a seca, o outro lado é o fato de que nós, além disso, sofremos as consequências do ajuste cambial. Esse ajuste cambial não fomos nós que provocamos, nós sofremos o efeito dele. Nós saltamos de um patamar de juros que, se vocês lembrarem, era US$ 1 por R$ 1,60. Certo? Isso era em 2012, por aí. Nós estamos com US$ 1 por [R$] 3,17. É sabido que ajuste cambial provoca essas oscilações. Nós saímos desse final de ano de 2014 nós saímos com dois e pouco, 2,5, e estamos em 3,1, oscilando. Então, esse ajuste, ele é passado para o preço. Essa passagem para o preço não acontece todos os dias, acontece enquanto está essa flutuação.
Sabe-se que o mundo vai ter um outro processo que é a variação nos juros americanos. Nós, acho que estamos extremamente preparados para isso. Então, eu acredito que houve esse movimento da inflação, que ele se estabilize e nós estamos agora tomando todos as medidas para derrubá-la.
Eu acredito também que o ajuste fiscal nosso, que não é estrutural também, nós não temos uma bolha, nós não tivemos uma bolha de crédito, o Brasil não tem um sistema financeiro com problemas, nós não tivemos nenhuma situação que caracteriza desequilíbrio estrutural . Nós temos que fazer agora o nosso ajuste porque houve uma queda no crescimento. Nós fizemos de tudo; nós reduzimos imposto, ampliamos o crédito, subsidiamos taxa de crédito e, agora, esgotou a nossa capacidade fiscal. Você tem que recompor a capacidade fiscal e continuar.
E eu acredito que o Brasil, com esse lançamento que eu fiz antes de vir para cá - se vocês estavam lá, vocês viram - nós lançamos um programa de concessão bastante significativo. Esse programa de concessão vai ser uma das alavancas. Nós vamos lançar um programa nacional de exportações - que eu acredito também que as exportações brasileiras serão um grande fator de recuperação do país. Nós vamos continuar com a nossa política social. Minha Casa, Minha Vida 3, nós também continuaremos, nós pretendemos, nós fizemos 3,750 milhões moradias. Dessas 3,750 milhões moradias, entregamos 2,200 milhões. Tem ainda este ano a ser entregue, e um pedaço ainda no ano que vem - que está em construção - 1 milhão e pouco. E vamos fazer um programa de mais 3 milhões de moradias.
Jornalista: A senhora sai frustrada sem uma data para a troca de ofertas?
Presidenta: Não, não saio frustrada, não é, ou seja, isso não significa que não terá a data, porque eles têm que… Nós fazemos a proposta: “Olha, vamos fazer uma troca de ofertas”. Aí, eles têm que olhar as condições deles e fazer a mesma proposta. Eu acredito que é muito importante o Mercosul sinalizar que vai unido. E acho que eles também vão ter que sinalizar. Porque se um país, apesar de a Comissão Europeia ter o poder de firmar o acordo, esse acordo tem que ser de 27 países. Não é trivial, nenhum país é igual ao outro.
Jornalista: … a Argentina, o governo brasileiro vai esperar a Argentina? Perdeu a paciência?
Presidenta: Não, senhor, não tem isso, não. Essa visão de que o governo perdeu a paciência com a Argentina, primeiro, não representa, jamais, o que o governo brasileiro pensa. A Argentina é um grande parceiro nosso, nós temos que ter toda a consideração com a Argentina e não existe motivo para a Argentina não ir conosco. Ela tem essa disposição e jamais, eu acho, se trata de uma coisa tão desrespeitosa quanto perder a paciência entre governos.
Jornalista: Presidente, era a Argentina que travava as negociações da...
Presidenta: Era, era. Essa é visivelmente uma conversa que eu diria que acha que a culpa é sempre dos latino-americanos. Me desculpa. Não é trivial em país nenhum, entre nenhum país, fazer um acordo comercial. 27 países integram a União Europeia. Se a gente não considerar que são países diferenciados e que eles têm, também, que fazer suas discussões seria algo fantástico. Por que é que é que até hoje não saiu ainda um acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos? Vocês nunca pensaram por que? Por que não saiu um acordo entre a União Europeia e o Japão? Então, acordos, nós quisemos fazer. Eu acho que acordos bilaterais podem ser difíceis para qualquer país ou para qualquer região. O que você tem que fazer é ter disposição de fazer. E acho que nenhum desses acordos que nós estamos fazendo pode justificar que a gente não tente novamente a Rodada de Doha. Porque na verdade a Rodada de Doha é que criaria um outro ambiente, um completo e diferente ambiente para o comércio internacional entre todos os países. Eu acho que, assim, teria um efeito grande no Produto Interno Bruto do mundo um acordo internacional do padrão Doha, que era aqui que a gente queria.
Jornalista: E o Congresso do PT, presidente, qual a sua expectativa? Eles vão esperar a senhora chegar?
Presidenta: Olha, eu não pedi para esperarem eu chegar, mas eu chegarei, se vocês deixarem.
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Eu, se vocês deixarem… Olha, nós tivemos uma bilateral, também, muito grande com o ministro grego Tsipras. Tivemos uma rápida conversa com o Donald Tusk, porque vai haver a 8ª Cúpula Mercosul-Brasil, no segundo semestre. Então, nós temos também que… é União Europeia. Eu falei de quem? Vai ter também Mercosul-Brasil. Vai ter Mercosul-Brasil, em julho; e vai ter União Europeia, no segundo semestre. Nós temos que marcar a data para esse encontro entre a União Europeia e o Brasil, que os nossos chanceleres farão. Além disso, falamos também com Luxemburgo. Ontem eu falei com os búlgaros e falei com o ministro da Bélgica e com o Cameron.
Jornalista: Presidente, sobre o Congresso do PT, a senhora acha que o PT... (incompreensível)
Presidenta: Eu acho que o Congresso do PT vai ser um congresso importante para o PT, um momento de reflexão.
Jornalista: Por que de reflexão?
Presidenta: Porque é um momento de reflexão.
Jornalista: O governo está com muita dificuldade em aplicar as medidas de austeridade, já faz anos. O primeiro-ministro grego falou sobre isso, já que o Brasil agora... (incompreensível)
Presidenta: Obviamente o ministro grego falou sobre as dificuldades. Essas dificuldades são públicas e notórias, e vocês relatam elas sistematicamente.
Jornalista: Mas em relação ao Brasil…
Presidenta: Nós sabemos como é duro, nós ficamos 20 anos sem crescer, não é isso? Então, todas as medidas de austeridade, elas implicam em dois lados. Um lado é não impor ao país um ajuste que quebre o país. Nós temos a experiência do que aconteceu quando a Argentina teve aquele problema no final da década dos 90, início dos [anos] 2000. Então, se você não cria as condições para o país transitar para uma situação de estabilidade, se você pesar a mão, você quebra o país. E de outro lado também, obviamente, o país tem que fazer o seu esforço, fazer a sua parte. Então, é o equilíbrio, eles estão discutindo justamente o equilíbrio entre esses dois, vamos dizer, dois eixos que é necessário que a Grécia passe.
Jornalista: O Brasil está em um momento de austeridade, presidenta?
Presidenta: Olha, nós temos uma diferença. Nós fazemos um ajuste, mas nós não temos um desequilíbrio estrutural. Nós continuamos com US$ 370 bilhões de reserva. Nós temos um sistema financeiro absolutamente sem bolha, o Brasil não tem um desequilíbrio fiscal, estrutural, ou seja, nem os salários - pelo menos na União -, nem os salários hoje têm um peso muito significativo. Pelo contrário, nós saímos de 4,2, 4,3 para 4,1. O Brasil não mexe na participação do salário no seu custeio. Nós fizemos de fato uma política anticíclica para impedir que houvesse um nível de desemprego e um nível de perda de renda da proporção que houve aqui na Europa. E agora nós estamos saindo disso, e esse ajuste é um ajuste macroeconômico fundamental, um ajuste fiscal. Ele não é igual aos problemas que foram enfrentados no passado pelo Brasil. No passado o Brasil quebrou, não tinha dinheiro para pagar a dívida. Nós temos dinheiro para pagar a dívida, sobrando. A nossa dívida é menor, a nossa dívida externa, hoje nós somos credores. Então, a situação do Brasil é completamente diferente. Agora, todos os países, quando sofrem as consequências de uma crise da proporção dessa, tem que fazer seus ajustes. E vamos lembrar que, além dos nossos problemas internos, a economia internacional, que estava em crise desde 2008, até hoje não se recuperou, ela está andando de lado. Você veja que com 7% da China de crescimento, que é o menor em 25 anos, ainda o crescimento é 2,8 do mundo. Você olhe que as taxas, proporcionalmente, estão bem baixas.
Jornalista: Então não era uma marola?
Presidenta: Não, para nós, naquele momento, foi. Naquele momento foi, sim, senhor. Óbvio, porque depois a marola se acumula e vira uma onda. Agora, sabe por que é que ela vira onda? Porque o mar não serenou, meu filho. Se o mar tivesse serenado, ou seja, se a economia americana tivesse, de fato, tido uma crise em “V”, ou seja, cai e depois sobe... Mas não foi isso. Ela teve uma crise em “V” e depois foi oh… Agora que está se curvando. A Europa, nós pegamos a Europa em crise em que ano? Depois da queda do Lehman Brothers, foi basicamente em 2011 que começa a crise do euro e as taxas de crescimento da Europa se tornam negativas e o desemprego explode. E estão saindo disso agora. Isso faz quantos anos? Sete anos de crise nós temos nas costas. Sete anos.
Tchau para vocês.
Ouça a íntegra da entrevista (18min52s) da Presidenta Dilma