17-07-2014 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após reunião de Cúpula Brasil-China e líderes da América Latina e do Caribe
Palácio Itamaraty, 17 de julho de 2014
Presidenta: O que eu queria dizer é que hoje, basicamente, nós tivemos a visita de Estado do presidente Xi Jinping. Nessa visita de Estado, uma série de parcerias que estavam sendo gestadas ao longo desse período se concretizaram.
Eu queria destacar primeiro a compra pela Tianjin e pela empresa de leasing de um total de 60 aviões da Embraer. Acho que outra medida importante é a liberação da compra de carne bovina brasileira. Por que eu citei essas duas? Porque eu acho que o princípio básico das relações comerciais agora do Brasil com a China é o seguinte. Ao mesmo tempo em que nós temos um imenso interesse em ampliar a exportação das nossas commodities, commodities como carne, minérios, nós queremos também ampliar a presença da nossa pauta de exportação de produtos com alto valor agregado.
Eu resumiria nesses dois pontos a característica principal da relação comercial. Na relação que diz respeito a investimentos, nós temos também muito boas realizações. Eu destaco algumas. Eu falei sobre todas hoje quando dei a declaração para a imprensa, então só vou dar exemplos. Eu destaco, então, algumas. Primeiro, eu acho muito importante – não foi assinado hoje, mas faz parte de um processo – a participação das duas empresas, a CNOOC e a CNPC como parceiras da Petrobras, da Shell e da Total no leilão de Libra. A participação na área de energia elétrica da State Grid nas usinas… na usina de Belo Monte, na transmissão em ultra-alta tensão na usina de Belo Monte.
Além disso, a parceria com a Três Gargantas, a Three Gorges, no que se refere à usina hidrelétrica do Rio Tapajós. E no caso dessas duas áreas, eu estou falando aí de energia, também o destaque dado pelo presidente Xi Jinping naquilo que será, sem sombra de dúvida, daqui para frente um dos grandes desafios brasileiros, que é a área de exploração e produção de petróleo, e, decorrente dela, toda a política aqui de construção de estaleiros, de plataformas de fornecimento de produtos para o setor petróleo e setor gás. Toda a cadeia produtiva, ele manifestou interesse, inclusive na área petroquímica.
Então, junto com essa área, que é uma área importante para o Brasil, que eu acredito que o Brasil tem na área de petróleo e gás um elemento fundamental não só de reservas, na medida em que nós vamos vender… nós seremos exportadores de petróleo, mas também tem um forte conteúdo de investimento baseado em avanços científicos e tecnológicos essa área. Nós sabemos que extrair gás na profundidade que… e petróleo, aliás, na profundidade que nós extraímos requer tecnologias apropriadas porque lá… nessas profundidades nós temos uma grande pressão e temos também temperaturas extremas, tanto frio como calor, e, sem dúvida nenhum, será uma área fundamental para o Brasil tanto no que se refere à própria extração quanto no que se refere à toda produção e à cadeia produtiva necessária para sustentar isso. Da mesma forma também a pesquisa em ultra-alta tensão para nós é muito importante, dado o fato de que somos um país continental e transportar petróleo em ultra… petróleo, desculpa, energia elétrica em ultra-alta tensão significa diminuir perda, porque você quando transporta energia tem perdas. Quanto maior a tensão, mais fácil você transportar grandes blocos de energia, grandes pacotes. Então, ultra-alta tensão para o Brasil é crucial.
Além disso, na área de infraestrutura, na área de logística, especificamente, é a disposição chinesa de participar conosco em vários segmentos. Eu vou destacar dois. Um interesse imenso num… numa ligação ferroviária entre o Atlântico e o Pacífico, a chamada Transoceânica Brasil-Peru e daí para frente (inaudível) para a China. Essa ferrovia tem um trecho chamado Trecho 4. Sai ali de Campinorte, que, como vocês lembram, está na Norte-Sul, e vai até Lucas do Rio Verde. É um trecho da ferrovia que compõe uma futura transoceânica, então, o interesse deles nessa área e na área de escoamento ferroviário de grãos e de minério.
Além disso, merece destaque o fato de que a China tem 100 mil km de ferrovias e 11 mil de trens de alta velocidade, de ferrovias de alta velocidade, e também o interesse chinês, levantado pelo presidente Xi, no sentido de um investimento em trens de alta velocidade. Estou destacando esses dois pela importância que eles têm em qualquer país do porte do Brasil.
Na área ainda de… aliás, além da área de infraestrutura, na área industrial a presença aqui de empresas que produzem material de construção e equipamentos em geral, que é aquela Sany. Além dela, na área de comunicações, é o fato que se instalou hoje no Brasil, inicia hoje, o site Baidu, o site de buscas Baidu, o que é importante para nós também. Na área de defesa e na área espacial, na área espacial é não só a construção do Cyber 5, mas também a expansão e a ampliação de toda essa parceria na área de satélites e de lançamento de satélites. E, além disso, é uma decisão... por exemplo, a Embrapa já faz parceria com a Academia de Ciências da China, mas é uma decisão nossa acelerar a parceria nessa questão, ciência e tecnologia, tanto na área de biotecnologia como na área de nanotecnologia, mas também nas nossas tradicionais. É a ampliação de uma parceria com a Embrapa.
Eu acredito que na área de defesa também, vários sistemas de monitoramento e rastreamento nos... estão nos unindo. Isso é bom, não só por uma questão de monitorar o desmatamento na Amazônia, porque o sistema deles penetra aquela camada de nuvens que muitas vezes ela oculta o que tem embaixo, mas também pelo fato que permite que você monitore também atos ilícitos, contrabando e todo problema de fronteira.
Eu estou citando alguns. Posso até ter esquecido, mas o que eu acredito é que o Brasil e a China deram um passo muito significativo. Deram um passo também porque nós cooperamos internacionalmente em algumas instituições fundamentais. Uma delas é o Brics, e isso tudo será potencializado no sistema Brics porque teremos um novo banco de desenvolvimento dos Brics e teremos também um acordo contingente de reservas com a função de criar um sistema de segurança e estabilidade.
Como vocês viram, eu acho que é muito relevante esses dois fatores, esses dois mecanismos. Agrega-se a isso a proposta da China de criar laços com a região, o que também para nós é muito importante tanto no que se refere à Unasul, que nós tivemos a reunião ontem com os Brics, e aí não é só a China, são os países... a Rússia e a Índia, mas também a África do Sul. E, ao mesmo tempo, hoje com a Celac.
O que é importante que saiu da reunião de hoje? Saiu da reunião de hoje uma série de propostas. A primeira proposta é a constituição do fórum – vocês esperem um pouquinho que eu tenho de ler –, do fórum América Latina, Caribe e China. Esse fórum está previsto que se reunirá no ano que vem. Além desse fórum, algumas medidas foram propostas pelo governo chinês no sentido de aproximar as relações com a América Latina: o lançamento de um fundo específico para financiar projetos de infraestrutura, chegando a um total de 20 bilhões e o fundo…
Jornalista: De dólares?
Presidenta: Bi[lhões] de dólares, e o fundo vai começar com um capital inicial de 10 bilhões de dólares.
Além disso... eles propuseram fazer isso imediatamente para estar pronto para o ano que vem.
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Esse dinheiro é uma proposta exclusivamente da China. Além disso, o lançamento de uma linha de crédito preferencial com a Celac, e aí é uma linha de crédito especial dentro de um banco chinês, podendo chegar até 10 bilhões, e um fundo de cooperação sino-latino-americano-caribenho no valor de 5 bilhões para investimentos em áreas a serem definidas.
Uma outra questão que para nós é muito importante…
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Em áreas a serem estabelecidas de parte a parte, em comum.
Jornalista: Quantos bilhões?
Presidenta: Cinco [bilhões] de dólares. São essa três propostas que eles fizeram na reunião há pouco e foi aceita a proposta do fórum. Será feita essa reunião, ela é uma reunião fundadora desse processo. Agora, uma outra coisa que eu queria destacar é o interesse do Brasil em dar um foco para os estudantes brasileiros se formarem e irem à China, tanto dentro do Ciência sem Fronteiras como fora dele, em outros programas. Eles lançaram uma linha para a América Latina para 5 mil, isso fora a nossa linha de… a nossa meta de 5 mil, porque essa é nossa. A nossa linha é de 5 mil. Os chineses lançaram uma linha para a América Latina de 6 mil, mas o que eu quero dizer é que os nossos 5 mil não estão dentro dos 6 mil, porque os 5 mil nossos, nós mesmo bancamos. Essa linha de 6 mil é da China com a América Latina.
Jornalista: São bolsas?
Presidenta: São bolsas, eles darão bolsas. Nós, no Ciência sem Fronteiras, continuamos fazendo 5 mil e, além disso, acertamos com eles estágio nas empresas chinesas, da mesma forma que acertamos com os Estados Unidos, com o Canadá e os países europeus. A existência do estágio é muito importante porque cria, por parte dos nossos estudantes, uma experiência fundamental, que é ter uma atividade profissional fora do Brasil.
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Não, não foi decidido, eles acabaram de lançar. Eu só estou explicando que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, você entende, porque o nosso é o Ciência sem Fronteiras, está em outra... e eles lançaram, além disso, essas 6 mil bolsas para toda a América Latina.
O que nós consideramos importante em todo esse relacionamento tanto do Brasil com os Brics, quanto do Brasil com a China, tanto da América Latina e do Caribe com a China é o fato de que a região tem uma característica muito importante. Se vocês olharem – e aí eu queria aproveitar e lamentar –, se vocês olharem, por exemplo, o Oriente Médio, nós estamos vivendo uma situação muito triste, para não dizer lamentável, com o que está ocorrendo na Faixa de Gaza, porque nós estamos vendo pessoas perderem a vida, saírem de suas casas. Nós… o Brasil defende que tenha dois estados, um palestino e um israelense. O Brasil é contra a violência nas duas, tanto de Israel quanto da Palestina, agora, o Brasil também reconhece como sendo desproporcional esse ataque israelense à Faixa de Gaza com a morte de mulheres e crianças, civis em geral. E, ao mesmo tempo, nós vimos hoje essa questão lá na Ucrânia.
Então, qual é a grande vantagem da América Latina? Eu acho que a grande vantagem da América Latina é viver em paz, sem conflitos religiosos, étnicos ou de qualquer espécie. E eu fiquei muito orgulhosa, tanto na reunião com os 12 chefes de Estado – chefas e chefes de Estado e de Governo – ontem, que era a reunião com a Unasul, quanto também na reunião agora que foi feita com a Celac, mais os chamados países do quarteto, que é o presidente anterior, o presidente atual, o presidente futuro mais um, chamado quarteto. E eu considero que demonstrou-se uma reunião de alto nível em que questões importantes da situação internacional foram olhadas, mas sobretudo numa ótica e numa perspectiva da América Latina.
Está bom, gente?
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Nós podemos fazer esses investimentos conjuntos. Eu acho que, na verdade, nós estamos diante de uma obra aberta, ou seja, várias alternativas é possível considerar. Por exemplo, vou te dar um exemplo. Essa transoceânica, que nos interessa porque ligaria o Atlântico ao Pacífico – nós somos os grandes interessados, nós somos, afinal, a maior economia desta região –, ela teria de ser uma parceira, pelo menos da forma como eles estão propondo, porque aqui no Brasil nós temos de ver como é que vai ser a forma, e isso é uma hipótese, seria necessariamente articulação entre interesses brasileiros com peruanos e, portanto, também com os chineses, de alguma forma.
De qualquer jeito, nós temos tido na região uma série de atividades. Por exemplo, nós financiamos vários projetos na região, e financiar vários projetos na região é crucial para que nós também tenhamos um papel ativo aqui. O Brasil tem sido, nos últimos anos, uma das fontes de financiamento, seja através do BNDES, seja através da Caixa.
Jornalista: Presidenta, (...) a questão da Ucrânia. A Ucrânia está acusando os próprios (...). O governo brasileiro está acompanhando essa questão? A senhora acha que é muito cedo?
Presidenta: Olha, eu acho que é prudente a gente tomar cuidado, porque, ao mesmo tempo, tem um segmento da imprensa dizendo que era... este avião que foi derrubado estava na rota da volta do avião do presidente Putin. Coincidia com o horário e com o percurso, então, que o míssil seria dirigido ao avião do presidente Putin. Eu acho que é importante ter claro que não era um míssil de fácil manejo, não era um míssil de fácil manejo. Então, nós temos de olhar com cuidado para ver de fato o que aconteceu. O governo brasileiro não se posicionará quanto a isso até que fique mais claro, por uma questão não só de seriedade, mas também de prudência. Nós não temos todas as informações.
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Como normal. Eu disse para vocês numa entrevista que se eu não me engano eu dei, eu acho que foi ontem de manhã ou antes de ontem de manhã, eu não sei mais, mas antes do posicionamento da presidente do FMI, que o nosso acordo contingencial de reservas e o nosso banco de desenvolvimento dos Brics não era contra ninguém e que nós não abriríamos todo o direito que nós temos sobre o FMI porque não tem por que abrir mão. Nós somos cotistas, queremos uma mudança na distribuição de cotas, queremos que o FMI como uma instituição do sistema financeiro reflita a correlação de forças econômicas na economia internacional. Nós, países emergentes, tendo a posição que temos na economia, temos de ter a mesma representação. Não é possível a gente ter uma representação menor, e disse para vocês também que o Brasil tinha passado de devedor a credor. Essa passagem do Brasil de devedor a credor mostra que nós estamos interessados em garantir o posicionamento do Brasil e dos países emergentes dentro do Fundo Monetário e que o que a presidenta do Fundo Monetário falou é que ela teria interesse em trabalhar junto conosco. Nós também temos interesse em trabalhar junto com ela, agora, as condições em que isso se dará é absolutamente precipitado discutir. O que nós achamos… nós trabalharemos em cooperação com todos aqueles que quiserem trabalhar conosco nas nossas condições.
Jornalista: Presidenta, sobre a Argentina, Presidenta.
Presidenta: Olha, eu não sei se vocês sabem, eu não sei se vocês sabem, mas o Brasil contratou um advogado e entrou como Amicus Curiae da Argentina nesse processo, ou seja, não é que nós… nós participávamos como Amicus Curiae da ação. Nós discordamos disso, sabe por quê? Porque esse processo criou uma instabilidade nas negociações de dívida soberana. Isso é muito grave. Cria incerteza sobre a estabilidade e a segurança jurídica, e torna qualquer negociação de dívida soberana um imponderável. Quando você cria imponderáveis entre devedores e credores você está contribuindo para instabilizar o sistema. Nós somos a favor da estabilidade financeira. Achamos que em algum momento no futuro algum país, como foi o caso da Grécia, como foi o caso de outros países da Europa, podem precisar de negociações de dívida soberana, e aí tem de ter regras do jogo claras. Não é possível que se faça uma negociação toda e, de repente, se desmonte a negociação, porque você cria instabilidade. Noventa e poucos por cento da dívida estava negociada. Então, é isso que o Brasil acha. Levar para o G-20 não é chegar no G-20 e ficar reclamando. É chegar no G-20 e dizer: olha, tem um foco de instabilidade grave no sistema de renegociação de dívida soberana, que, aliás, em 2011, em 2012 e em parte de 2013 foi o tema central da reunião do G-2: como garantir que as dívidas soberanas não comprometessem e não explodissem o sistema do euro. Esse foi o tema, então, levar ao G-20 é levar ao fórum que tem tratado disso de forma sistemática, séria e que viveu e enfrentou uma série de problemas nos últimos tempos.
Está bom, gente?
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Olha… explico, sim. Sistematicamente o governo cubano ofereceu ao governo brasileiro a hospedagem nas casas que eles têm, e nós, muitas vezes, aceitamos. Então, é uma questão de reciprocidade, de civilidade, muito boa educação oferecer para eles o mesmo que eles ofereceram para nós ao longo dos anos. Se alguém tem preconceito com Cuba, não misture o preconceito a essas relações que são relações diplomáticas de alto nível.
Muito obrigada.
Ouça a íntegra (25min20s) da entrevista da Presidenta Dilma