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24-03-2016 - Entrevista concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, para a mídia internacional - Palácio do Planalto

Palácio do Planalto, 24 de março de 2016

 

Presidenta: Vocês estão aqui há quanto tempo? Aqui No Brasil? Tem gente que está aqui há bastante tempo. Tem gente que veio para cá agora, cobrir.

Jornalista: Eu cheguei faz pouco tempo. Cheguei, faz oito meses agora.

Presidenta: Então eu espero que a maioria entenda um pouco o País, como o País é. Bom, eu tenho certeza que uma das questões que vocês interessados é o processo de impeachment que está em curso no Brasil. Todos aqui sabem que na Constituição brasileira está previsto, como um dos mecanismos de retirada do presidente da República, o impeachment. Ele é um item da nossa Constituição. E ele é um item da nossa Constituição porque nós somos presidencialistas, então, no caso do Brasil, não cabe aquilo que cabe no caso do parlamentarismo, que você pode tirar, no caso do parlamentarismo, o primeiro-ministro por perda de maioria, ou por desconfiança política, ou por qualquer outra razão política. No caso do Brasil, não cabe; cabe impeachment. E o impeachment está, também, previsto na nossa Constituição, que é uma Constituição democrática por excelência; ele é fruto do processo  que faz com que o País saia de toda uma noite ditatorial que nós vivemos durante um período. E é muito claro na Constituição que, para que um presidente seja afastado, é necessário se caracterizar algo que se chama crime de responsabilidade. Bom, é interessante destacar que todos os presidentes brasileiros tiveram processos de impeachment abertos contra eles, desde o Getúlio, passando, inclusive, nos anos recentes, pelo Fernando Henrique Cardoso e pelo presidente Lula. Eu não sei se teve algum processo de impeachment contra o Itamar, é o único que não sei, mas a lei lá é clara. Para se ter impeachment, há que ter crime de responsabilidade. O que se alega contra este processo de impeachment que está  em curso no Congresso Nacional? Primeiro, vamos falar sobre a base dele, a sustentação desse processo de impeachment. Este processo de impeachment está baseado em algo bastante frágil, que eles chamam, aqui no Brasil, de “pedaladas fiscais”. “Pedaladas fiscais” são práticas de registro orçamentário que até o meu governo, no final do meu primeiro governo, no ano passado, todos os presidentes fizeram. E se vocês forem olhar, não deram margem a nenhum processo anterior de impeachment. Bom, além disso, a lei também é clara. Um presidente só pode ser condenado por processos que estão em curso durante o seu mandato. Ele não pode ser condenado em processo de impeachment por algo que ocorrer antes do seu mandato. Por que isso? É porque a lei é frágil? Não, é para garantir que o presidente não tenha possibilidade de estar instabilizado por qualquer outra razão que não as razões de governo. Mesmo que recorressem ao passado, continuava a mesma questão. Sempre tentaram fazer o impeachment pela questão das chamadas “pedaladas fiscais”, ou seja, a forma como nós registramos no orçamento gastos - interessante quais são os gastos que estão em questão - são todas as nossas políticas anticíclicas, de sustentação do investimento privado: o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida. É interessante que sejam essas as principais rubricas que ficam sendo questionadas, e nas nossas relações com os nossos bancos públicos.

Bom - isto é interessante - que hoje está em curso um processo de impeachment, sendo que as minhas contas de 2015 ainda não foram sequer apresentadas, porque serão apresentadas em abril. Não foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União e muito menos pelo Congresso Nacional. Como é que surgiu esse processo de impeachment? Se os senhores olharem a própria imprensa brasileira, vocês chegarão a um momento em que o presidente da Câmara, tentando conseguir um processo, isso está em tudo que é jornal, um processo tentando evitar um processo de avaliação do seu mandato - cassação ou não, eu não faço pré-julgamento de ninguém - portanto, tentando obter a maioria dentro desse Conselho, ameaça o governo, caso o governo não dê os seus votos, de abrir um processo de impeachment. O governo não dá os votos, e abre-se o processo de impeachment. Quem defende esse impeachment? Defende esse impeachment o grupo do senhor presidente da Câmara, juntamente com a oposição. Em um  dado momento, a oposição, temendo ser, vamos dizer assim, “contaminada” pela avaliação sobre o presidente da Câmara pela Procuradoria-Geral da República, se afasta um pouco, e o impeachment esfria. Vamos lembrar que o presidente da Câmara não está só sendo investigado, está denunciado. A PGR, a Procuradoria-Geral da [República], associou, ao presidente da Câmara, cinco contas no exterior, dizendo que as cinco contas são ilegais. Não sou eu que estou dizendo; estou dizendo que a Procuradoria-Geral da República o fez. Então, este é o impeachment: sem base legal e visivelmente com um objetivo. A partir de um determinado momento, tentaram esquentar esse processo utilizando-se de uma delação premiada do senador Delcídio do Amaral. Interessante, também, que a imprensa primeiro o desacredita, quando são divulgados os diálogos que ele teria tido com as pessoas que o gravaram e ele disse que mentira nesses diálogos. Aí aparece uma delação premiada, e há uma divulgação parcial; depois, faz-se a divulgação total. Eu expliquei, não só expliquei, mas gostaria de destacar, aqui, que todas as questões por ele levantadas, uma delas, por exemplo, a questão de Pasadena, tinha sido objeto do arquivamento do Procurador-Geral da República. Estranho que se aceite novamente esta acusação do senador Delcídio, e, quando perguntado qual é, vamos dizer assim, o fato novo para se aceitar, é o seguinte o fato novo: “eu deveria saber de tudo porque eu sou centralizadora e detalhista”. Eu tenho muita pena dos centralizadores e detalhistas, se eles existem, porque isso pode ser sacado contra eles como prova. A subjetividade dessa fala mostra a fraqueza das justificativas. As demais questões dizem respeito à relação, ele sempre diz, ele sempre disse, sempre fez, um jogo muito estranho, utilizando nome de juízes. Em um momento ele fala de uns; no outro momento, ele fala de outros. Aí ele nega de uns, afirma os outros; quando é que ele vai negar esses últimos eu não sei, mas podem esperar essa negativa.

Além disso, tem uma outra acusação muito interessante, que é o seguinte: é o fato de que, em 2006, eu era ministra-chefe da Casa Civil do presidente Lula e estava em curso a eleição do presidente Lula. É nesse período que a CPI, uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional, ela faz uma investigação sobre os bingos, é a chamada CPI dos Bingos. Ela começa em 2005 e se encerra em 2006, em torno do segundo semestre de 2006, não sei se junho ou julho. Ocorre que, naquele momento, não havia um ser humano, entre os 204 milhões de brasileiros, que achasse que eu ia ser candidata à Presidência da República em 2010; faltavam quatro anos para a eleição, e uma das acusações é que eu teria antecipado o fim dos bingos, porque isso comprometeria a minha eleição. Acho que fizeram, aí, uma confusão entre datas. Mas supondo esse senhor, logo em seguida da delação, é chamado para depor aqui no Parlamento brasileiro e nega conhecimento de qualquer pessoa, nega, que tenha a ver com minha campanha futura. Então, essa delação ela sai recortada, bem recortada. E a partir daí que há o aumento da temperatura política no Brasil, dentro da frase que é a seguinte: “Ah, agora pegamos ela”. Interessante, também, o fato de que passam, acho que duas semanas, não lembro quantas semanas se passaram, sai a delação premiada inteira e aí fica difícil defender que é sobre mim que recai o problema, se na lista das  pessoas delatadas está, por exemplo, o presidente do PSDB, Aécio Neves; estão senadores da República; está o vice-presidente da República. E outra questão que eu acho interessante: desistiram de anexar, desistiram de pedir que a esse processo de impeachment se anexasse a delação do senador Delcídio.

Primeiro, eu quero também destacar o seguinte: delação premiada, quem elaborou todo o processo e legislou a respeito, por iniciativa nossa, foi o governo, o meu governo. Quem mandou a lei para o Congresso foi o meu governo. Foi dentro de uma lei que se chama Lei das Organizações Criminosas. Dentro da Lei das Organizações Criminosas nós prevíamos a delação premiada. A delação premiada é base de investigação. Eu estou falando isso para as outras pessoas porque eu não estou acusando os que estão na lista. A lei é clara, aquilo é base para delação… aliás, é base para investigação, não é prova. De qualquer jeito, vai ter de ser investigado, é importante que o seja. Mas por que também não podia anexar? Porque o Supremo foi claro: você não pode mudar a regra do jogo com ele sendo jogado. Se tem um processo de impeachment em curso, são essas as regras que têm de prevalecer. Isto é absolutamente claro da decisão do Supremo.

Mas eu vou finalizar. Bom, o que eu acredito? Eu acredito que, desde o início do meu governo nós tivemos… porque foi uma disputa muito acirrada, a minha eleição. Nós ganhamos, eu ganhei, por uma margem de três milhões, se eu não me engano,  de votos. E, a partir do momento que eu ganhei, a oposição estava bastante descontente porque ela esperava ganhar. E primeiro ela pediu, logo em seguida, ela pediu recontagem dos votos porque achava que não estava correta a contagem. Aí, isso não prosperou porque a contagem estava correta. Segundo, pediu investigação sobre as máquinas. Todo mundo sabe que as nossas máquinas são reconhecidamente extremamente seguras. E também foi feita uma auditoria, a pedido da própria oposição, e foi constatado que não tinha nenhum problema. Depois, nós tivemos sistemáticas, mas sistemáticas, “pautas-bombas”. A política do “quanto pior, melhor” é por onde se contamina a economia com a política. Por que é por aí? Eu vou tentar explicar o canal, o canal é o seguinte: “quanto pior, melhor”; quanto pior para eles, o governo, melhor para nós, oposição. E aí o País não se salva, quanto pior para o País também.

Se vocês forem olhar as “pautas-bombas”, é só fazer uma pequena investigação no Congresso sobre o que era chamado, e não foi pelo governo, não foi o governo que começou chamando de “pauta-bomba”. O nome “pauta-bomba” surgiu lá no Congresso. A “pauta-bomba” é uma lista bastante grande, mas se a gente separar as que implicam repercussão acima de bilhões, nós temos seis “pautas-bomba” fortes, que dariam R$ 139 [bilhões], R$ 140 bilhões. Mas ela é seguida de várias outras pequenas pautas. Elas abrangem tanto pedidos de reajuste salarial, real, em um momento de crise, quanto desonerações fiscais em um momento de crise. É um processo pelo qual se corrói ainda mais as finanças públicas em uma situação de queda da atividade econômica, que todo mundo sabe que a queda da atividade econômica produz diminuição da arrecadação por efeito nos lucros e em tudo que é tributável.          Então nós tivemos momentos extremamente difíceis, eles todos liderados, dentro da Câmara, pelo presidente da Câmara, e, nesses momentos extremamente difíceis, nós tivemos de lutar: um, para tentar impedir que fosse aprovado; dois, para tentar manter o veto. O veto que a Presidência da República tem o direito de fazer, tanto por aspectos de inconstitucionalidade, porque aqui no Brasil, eu acho que em todas as democracias, ninguém pode criar despesas sem apontar receita. Tanto por isso, e muitas vezes com risco de perder o veto.

Então esse processo de “pautas-bombas” explica uma frase do relatório do Fundo Monetário que diz o seguinte: a gente não esperava que houvesse uma queda tão grande no PIB brasileiro, mas aí, nós minimizamos duas coisas: nós minimizamos a instabilidade política e o efeito mais profundo e prolongado da investigação da Lava-Jato. Eles falam isso pela importância que tem no Brasil - e para o PIB brasileiro - a cadeia de petróleo e gás. A cadeia de petróleo e gás era uma cadeia bastante significativa dentro do Brasil, em torno de 13% do nosso PIB tem a ver com a cadeia de petróleo e gás.

 

Estas “pautas-bombas” estão em perfeito andamento ainda. Nós estamos lutando contra elas. A mais recente é uma pauta que nós estamos chamando de “bomba H”. Por que é “bomba H”? Porque trata-se de introduzir um conceito interessantíssimo, que é que o governo tem de aplicar juros simples em dívidas, e não os juros que todo mundo aplica a qualquer dívida, ou a qualquer remuneração, que é o juros sobre os juros. Se eu tenho uma caderneta de poupança de R$ 100 e a taxa de juros é 5%, eu vou ter R$ 105; no mês seguinte, eu vou ter o juros do mês seguinte sobre os R$ 105. No caso do governo federal, eles querem tirar os cinco. Isso implica em uma perda de R$ 300 bilhões; se o dólar estivesse a R$ 3, só para efeito de cálculo, seriam US$ 100 bilhões. Como não está, deve ser uns US$ 80 bilhões, um pouquinho menos ou um pouquinho mais.

Então as “pautas-bombas” são muito importantes, porque elas fazem parte desse processo de inconformidade com uma eleição direta feita no Brasil e, obviamente os senhores sabem, que em todos os países do mundo onde se enfrentam processos de quebra da atividade econômica, de recessão, tem-se perda de popularidade. Essa perda de popularidade no presidencialismo não pode, não deve ser alegação para impeachment. Nós temos perda de popularidade, agora, é impossível achar, aí falam no clamor das ruas. Vamos discutir o clamor das ruas. Sejam aquelas manifestações - e eu quero sempre dizer a vocês, eu sou a favor de manifestações. Eu sou de uma geração no Brasil que se a gente abria a boca ia para cadeia diretinho. Eu sou a favor, nós nos recusamos a qualquer ato de repressão à manifestação, jamais toleraríamos isso. Agora, as manifestações são o que são: manifestações importantíssimas para que pessoas possam externar suas posições, mas uma manifestação no Brasil, em um país de 204 milhões, sejam as nossas, sejam as manifestações a favor do governo, “Não vai ter golpe”, sejam as manifestações pró-impeachment, elas mobilizam uma parte muito pequena do nosso eleitorado, menos de 2%. Isso não é motivo, tanto as a favor como as contra. O processo legal, a gente tem de escutar as ruas; escutar as ruas não significa - e não pode significar - usar as ruas para estimular a violência, para estimular a restrição à livre manifestação e ao livre pensamento das pessoas. Você não pode utilizar manifestação na porta da casa das pessoas para constrangê-las. Não se pode fazer isso com ministros; não se pode fazer isso com deputados. Isso está errado, isso não é método democrático. Isso, de fato, é método fascista de atuação. Isso tem nome, é método fascista de atuação. Eu sempre peço às pessoas que me apoiam que não o façam.

Agora, no Brasil, se desencadeou, eu acho, uma coisa que não é característica do brasileiro: a intolerância. Nós não somos um povo intolerante. Você olha que nós temos um tempo grande de vida política partidária no País. Você nunca teve um momento de tamanha intolerância, de tamanha estigmatização de pessoas. Por isso eu encerro aqui dizendo que agora vocês perguntem o que quiserem.

 

Jornalista: Presidenta, eu sou do único meio aqui da América Latina.

 

Presidenta: Isso não é nenhuma, nenhum privilégio para ninguém. Porque senão fica difícil.

 

Jornalista: Hoje são 40 anos do golpe militar na Argentina.

 

Presidenta: Hoje são 40 anos?

 

Jornalista: Hoje.

 

Presidenta: Que dia é hoje ?

 

Jornalista: Vinte e quatro de março.

 

Presidenta: Tá certo. Setenta e ?

 

Jornalista: Setenta e seis. A senhora tem falado várias vezes…

 

Presidenta: É verdade,76.

 

Jornalista: Tem falado várias vezes que o Brasil corre um risco de um golpe de Estado. Nessa semana a senhora, inclusive, fez um comentário sobre essas subjetividades e sobre como os golpes evitam ser chamados como tais. Lembrou que, durante a ditadura do Brasil, a tortura não era chamada de tortura; no caso da Argentina, os desaparecidos não eram chamados de desaparecidos.

 

Presidenta: Eu sei, o pessoal da Escola da Armada.

 

Jornalista: A pergunta, presidenta, é a seguinte: primeiro, o Brasil está correndo um risco de um golpe? Segundo, nessa disputa pelas subjetividades, esse golpe, que característica teria? E como poderia esse golpe ser comparado com aqueles que tivemos na América Latina?

 

Presidenta: Bom, eu queria te dizer o que eu considero que é um golpe. Um impeachment sem base legal no Brasil, por quê? O golpe é relativo ao sistema que você vive. Um golpe é relativo ao sistema que você vive. Nós tivemos golpes em toda a América Latina naquele momento que eram golpes militares, tivemos sim. E é, de fato, muito triste que hoje sejam 30 anos do golpe na Argentina.

 

Jornalista: Quarenta.

 

Presidenta: Quarenta? Mas ao mesmo tempo muito alegre porque hoje a Argentina também tem um sistema democrático de governo. Sistema democrático de governo implica que os golpes mudam de característica. O que sustenta o que nós chamamos aqui de Estado democrático de direito? A Constituição. O que sustenta a Constituição? Garantias e direitos individuais. Garantias e direitos institucionais, ou seja, a força das instituições, a independência dos Poderes, sua autonomia, seu respeito por uma frase: todos são iguais perante a lei. A defesa, o direito de defesa, o direito do contraditório, o respeito aos direitos humanos.

Um golpe no Brasil, hoje democrático, com instituições fortes, seria o descumprimento da Constituição. É um golpe constitucional. Não importa que eu não posso supor, a não ser… eu não posso supor que tenha as mesmas características da ditadura, mas é um golpe no momento em que você rompe a ordem democrática. É por isso que é perigoso. Você não pode… e isso fica claro nas democracias maduras. Nas democracias maduras, não se rompe a ordem democrática. É claro que nós temos ainda 30, 40 anos de democracia, mas ela é muito importante para que você não… por nenhuma justificativa, rompa esse tecido que é aquele que garante que todos nós consideramos aquilo legítimo e correto.

Então, quando eu digo que é um golpe, eu não estou me referindo a uma igualdade formal com o golpes da ditadura, eu estou dizendo que cada regime tem um tipo de golpe. E, neste caso em que nós estamos, romper a ordem democrática é golpear a democracia no Brasil. Eu te digo o seguinte: eu acredito que as instituições brasileiras são muito sólidas; nós demos, já, mostras disso. O próprio fato que no Brasil o pessoal vai para a rua e faz todas as manifestações e não acontece nada, ou seja, ninguém vai lá e reprime, porque em muitos lugares manifestações e manifestações são objetos de intensa repressão. Nós, não; nós convivemos com isso. Inclusive, é um fato interessante, eu estava aqui recebendo um chefe de Estado e tinham quatro manifestações aqui na Esplanada. Quatro. E tudo se passava tranquilamente. Ele vira para mim e diz: “mas não tem maior problema?”. Eu falei: não. Pelo menos aqui acontece sistematicamente. Então, eu só quero dizer isso. Não se trata de golpe nos termos do passado; se trata de romper a delicada tessitura democrática que é o pacto entre nós, expresso na Constituição de 1988, que é a chamada Constituição cidadã, que assegura que não se pode tirar um presidente da República legitimamente e legalmente eleito, a não ser se tiver provas de crime de responsabilidade. Não tendo, é golpe contra a democracia. As consequências disso nós não sabemos porque nós não temos a capacidade de prever o futuro.

 

Jornalista: Senhora Presidenta, como que a senhora vai reagir se esse processo de impeachment, liderado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que é réu em processo (inaudível) no Supremo Tribunal Federal. Se a senhora sofrer uma derrota nessa votação, como vai ser a reação do seu governo?

 

Presidenta: Olha, em uma democracia, a gente tem de reagir de forma democrática. Nós vamos recorrer a todos os instrumentos legais que nós temos para fazer e deixar claro a característica deste golpe. Por que isso? É por algum ímpeto muito característico, por exemplo, aqui no Brasil, nas brigas estudantis, em que a gente registra posição? Não, não é por isso. É porque é importante isso para a democracia brasileira. Não se pode acreditar que se fizer, se se der um golpe contra uma prática,  que é uma prática prevista, contra uma prática não, contra uma situação de legalidade, de legitimidade - porque está previsto na Constituição, e esse golpe, que rompe a normalidade democrática, ele não vai ter consequências; ele vai. Mas ele pode não ter consequência imediatas, ele deixará uma marca na vida política brasileira, forte.

Por isso nós temos de reagir, por isso nós temos de impedir e por isso eu entendo a palavra de ordem do pessoal que me apoia: “Não vai ter golpe”. Essa palavra de ordem do pessoal, que é “não vai ter golpe”, ela mostra essa convicção de que, sobretudo para nós, é importante que não tenha ruptura. Porque no passado, você veja que interessante essa palavra de ordem. Ela não é uma palavra de ordem, vamos dizer assim, de ofensiva, no sentido “eu vou derrotar aquele ali fazendo isso”. Não, é uma palavra que diz o seguinte: “não vai passar, não vai ter golpe”. Por que isso? Justamente porque nós sabemos o quão cara foi para nós construir essa democracia. Essa democracia não é algo que surgiu do nada. Ela surgiu de uma quantidade de lutas imensas do povo brasileiro, de mortes, de tortura, de idas e vindas, de erros, de acertos, de tentativas; ela surge disso. Então, não deixá-la, de maneira alguma, ser comprometida é algo tão fundamental para os brasileiros e as brasileiras, para, por exemplo, os meus netos, para os que virão, porque você cria - e a experiência histórica desse País já mostrou isso -, você cria efeitos que duram 20 anos, 30 anos. Quando você deixa romper a normalidade democrática, você cria efeitos duradouros.

Agora, eu acho muito importante para a imprensa internacional - porque tem hora em que a imprensa do meu país, ela está também, como é normal, que ela é integrada por pessoas, ela está mais sujeita às paixões, às visões diferenciadas do país. Agora, acho muito interessante que os senhores busquem se interrogar, a quem beneficia? A quem beneficia? Quem serão os beneficiados? Muitos dos quais ainda não aparecem claramente na cena, mas asseguro aos senhores, supõe-se que estejam lá atrás, nas coxias, no fundo do palco. E isto é algo que nós... por que estou falando para a imprensa internacional? Porque eu acho que a imprensa internacional tem menos paixões, está menos ideologizada. Porque não é possível, por exemplo, vamos tratar de uma coisa que eu sei que vocês vão me perguntar. Não é possível considerar correto, e não acredito que nenhum país dos senhores aqui aceitaria isso tranquilamente, a violação da privacidade das pessoas. Eu tenho certeza que não consideram que isso - a violação da privacidade - é algo correto, sob quaisquer circunstâncias. A democracia tem isso, você não pode sacrificar um pedaço dela e achar que ela fica inteira: violar a privacidade quebra a democracia, porque quebra o direito de cada cidadão de ter sua privacidade.

Agora, aqui no Brasil, há uma situação que se chama gravação fortuita. Então a gravação minha com o presidente Lula é chamada de gravação fortuita, porque estava ele grampeado e eu liguei para ele, então a gravação, a minha gravação, a gravação da Presidenta da República, foi feita. Perfeito, era uma gravação fortuita. Qual era a atitude correta diante disso? Não divulgar a gravação. Enviá-la para o Supremo Tribunal Federal, que é o único órgão que dá, que tem direito de me investigar, o único. E me desculpem, mas alegar a questão do Nixon e da Suprema Corte americana como justificativa é ridículo. Primeiro, porque o grande gravador, o grande grampeador aí, não era um indivíduo qualquer, era o Presidente da República, que gravava quem entrava e quem saía, é isso. E a Suprema Corte mandou ele entregar as fitas. Aqui, um juiz de primeira instância não pode fazer isso com o Presidente da República, não pode fazer isso. E, mais do que isso, gravar uma fala absolutamente administrativa, porque inclusive, adulteraram a fala. Adulteraram no sentido, ao divulgá-la, diziam “ele” e era “a gente”, “para a gente usar”. No Brasil, “usar” não é “usa”; “usar”, quando você fala “usar” é que você come o R, é “usar”, você fala - “para a gente usar”. Todo mundo fala assim, qualquer um - como a gente fala, não fala “estar”, a gente fala “está”.

Então, eu quero dizer para vocês o seguinte: isso também não é correto. Não é possível que no Brasil você tenha, neste processo, algo que não se deve admitir: juiz tem de ser imparcial; juiz não pode julgar com as paixões políticas, por isso ele é vitalício, por isso ele não pode ser demitido pelo governo, ele não pode pressionado pelo governo, ele tem autonomia. É isso que diz a nossa Constituição. E ele, em contrapartida, tem de ser imparcial. Ele não pode julgar tendo em vista certos momentos.

Eu estou há um ano e quatro meses, eu venho sendo investigada - devida ou indevidamente -, pela imprensa, por todo mundo, há mais de dois ou três anos. Podem me virar dos avessos, podem. E é esse o problema, sabe por quê? Por que eles pedem que eu renuncie? Por que eu sou mulher, frágil? Eu não sou frágil, não foi isso a minha vida. Sabe por que pedem que eu renuncie? Para evitar o imenso constrangimento de tirar uma presidenta eleita, de forma indevida, de forma ilegal, de forma criminosa.

A renúncia é interessantíssima - aí eu falo pra você, é muito interessante como surge a renúncia, a renúncia surge assim: ela deve estar completamente afetada, desestruturada, pressionada. Eu não estou assim, e isso não é uma mentira, eu não estou assim, eu não sou assim. Eu tive uma vida muito complicada para que eu não seja capaz de lutar pela democracia no Brasil. Muito complicada. Eu tinha 19 anos, eu fiquei três anos presa, e aqui a prisão não era leve. Quero dizer para os senhores que não era leve, aqui a barra era muito pesada. Talvez similar um pouco à da Argentina, eu acredito que a da Argentina ainda foi pior, porque as práticas de julgar, de matar as pessoas, foi mais difundida,  mais generalizada. Aqui no Brasil teve, também, muitas mortes, mas não na proporção em relação à população e na proporção que houve na Argentina. Mas aqui havia uma tortura pesada, muito pesada. Então, eu lutei naquela época nas condições muito mais difíceis. Eu vou lutar agora nas condições extremamente favoráveis. É a democracia do meu País, é ela quem me dá força. Não é nenhum outro processo. Então, eu não renuncio, não. Para me tirar daqui, vão ter que provar que eu tenho de sair.

 

Jornalista: Presidenta, a senhora sabe que a reação de muitas pessoas à nomeação do ex-presidente Lula a ministro da Casa Civil foi bastante negativa. A senhora entende por que algumas pessoas chegaram à conclusão que essa foi uma manobra legalmente evasiva?

 

Presidenta: Eu sei por quê. Porque todo o processo de “quanto pior, melhor” é também para enfraquecer o meu governo. A vinda do ex-presidente Lula para o meu governo me fortaleceria.

Por que me fortaleceria? O ex-presidente Lula é um hábil articulador político, e eu trabalhei com ele durante seis anos. Eu ficava aqui em cima e ele aqui embaixo. E nós trabalhamos em estreita ligação. Então, eu sei perfeitamente que o presidente Lula, ele não é só um hábil negociador político, o presidente Lula também é uma pessoa que tem imenso conhecimento sobre todos os problemas do Brasil. Na área de infraestrutura, você pode perguntar ao presidente Lula como é que é o sistema de rodovias desse país, o que nós temos de fazer com ferrovias, como é que é a estrutura em todas essas áreas, o pré-sal, tudo isso. Pode perguntar ao presidente Lula, ele é um bom conselheiro, também, porque nós fizemos juntos o Minha Casa Minha Vida; nós fizemos juntos uma série de programas sociais. Isso tem a mão dele, como tem a minha. Então, a vinda dele, para mim, ela representaria isso, isso é inquestionável no Brasil. Ele conhece esse país de cabo a rabo, ele sabe que em tal lugar não tem uma ponte, ele sabe quais são as reivindicações de segmentos os mais variados. Supor que o presidente Lula viria aqui para se proteger é uma coisa que só pode passar na cabeça de alguém que queira criar problema onde não tem. Eu vou explicar por que: vamos supor que seja verdade que ele tenha vindo se proteger. Mas que proteção estranha! Porque um ministro não está protegido de investigação. Pelo contrário, ele é investigado pela Suprema Corte. Então, é investigado pela Suprema Corte. Diretamente, se usa a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal. Tanto é assim que a investigação do presidente da Câmara, que tem foro especializado, é uma investigação que ninguém pode questionar, ou pode? Por que quando se trata do presidente Lula a Suprema Corte não é melhor? Os 11 juízes da Suprema Corte não é pior, aliás, ou não é melhor, dependendo do jeito que vocês querem colocar a questão, do que um juiz de primeira instância?

Não se trata de não investigar, se trata de quem investiga. E supor que no Brasil a investigação da Suprema Corte é mais leve é desconhecer os últimos fatos, inclusive a chamada Ação Penal 470, que é a ação do chamado mensalão, feita pela Suprema Corte, condenada pela Suprema Corte. Então que história é essa? Essa é a história de tentar impedir que ele venha. Ora, quero dizer para os senhores, ou ele vem como ministro, ou ele vem como meu assessor, isso eles não podem impedir. Ou ele vem de um jeito, ou ele vem do outro. Nós traremos o presidente Lula para nos ajudar no governo. Não há como barrar, não há como impedi-lo de ajudar o governo. Pode não ser como ministro, pode ser como assessor.

Agora, o que é um absurdo é por trás dessa questão que queriam tirar o presidente da investigação, o que está por trás disso é uma acusação à Suprema Corte brasileira? Porque ele não deixa de ser investigado, ele só muda de foro. O foro, a chamada prerrogativa de foro, o que é prerrogativa de foro? É assim - quando você tem foro, prerrogativa de foro, quem tem prerrogativa de foro? Todos os deputados, todos os senadores, todos os ministros, o presidente, e talvez eu tenha esquecido de mais alguém. Bom, esses têm prerrogativa de foro Supremo Tribunal Federal. Prerrogativa de foro do STJ, Supremo [Superior] Tribunal de Justiça, os governadores. Depois, os que não são governadores não têm prerrogativa de foro.

Onde está a discussão deles? Está na primeira instância. Lá em… no Paraná, na vara da Justiça Federal, é lá a primeira instância; a segunda instância é o STJ, e a terceira instância é o Supremo.

Agora, vejam vocês: todos, todos os senadores, deputados, ministros, presidente, todos estão sendo investigados pelo Supremo Tribunal Federal, e nós não estamos, eu não estou sendo investigada pelo Supremo, nesse exato instante. Mandam para lá, se o Supremo quiser, investigue. O senador, a mesma coisa. Isso não significa que a pessoa investigada, se fosse citada em algum dos depoimentos, é investigado. Então, essa história é uma história politizadíssima, porque também ninguém conta que está em questão, quando falam isso, a Suprema Corte do País. Ninguém diz isso. Vocês sabiam disso? Não, garanto. Por quê? É uma sandice. Significa que só na primeira instância alguém é investigado? Não, senhor. Não significa isso, não. E tanto não significa que todos os que estão sendo investigados, inclusive o senhor presidente da Câmara, que está sendo investigado, foi até denunciado pela Suprema Corte. Então, essa questão em relação ao Lula eu acho que, também, faz parte da tentativa… ele é, sem sombra de dúvida, o maior líder brasileiro depois do  Getúlio Vargas. É uma tentativa, eu acho, de desqualificá-lo.

 

Jornalista: Presidente, eu posso só perguntar mais uma coisa sobre esse assunto que é, então por que a senhora não (inaudível) utilizar ele como conselheiro e não como ministro?

 

Presidenta: Olha, eu tenho convidado o presidente Lula há muito tempo para integrar o meu governo. Utilizar ele como conselheiro eu nunca deixei de utilizar. Agora, eu quero a ação dele mais direta, ajudando o governo nesse momento de crise. E, desde que começou o segundo mandato esse processo, eu venho convidando o presidente Lula a participar do governo. Eu convidei ele, isso é público e notório, várias vezes, eu convidei ele, várias vezes ele recusou.

Agora, diante do fato de, visivelmente, a crise ter escalado, ele aceitou. Acho um desserviço ao País colocar, de forma indireta, a suspeição sobre a Suprema Corte do País, acho um desserviço. Acho que quem faz isso não tem a menor responsabilidade.

 

Jornalista: A minha impressão, como estrangeiro, é que o país está sofrendo uma crise gigante de confiança. Você pode falar na rua com um petista ou pode falar com um peessedebista, não tem diferença, todo mundo fala “eu não confio mais nos políticos”, e isso tem várias razões, (inaudível). Minha pergunta seria: o que você, como Presidenta, poderia fazer, o que o governo poderia fazer para reestabelecer essa confiança na democracia, em termos de anticorrupção, em termos de parar com essas intrigas no Congresso e também parar com essa impressão (inaudível) que o Lula foi chamado para esconder?

 

Presidenta: Olha, Eu vou começar te dizendo o seguinte: eu acho que talvez a coisa mais grave que seja efeito dessa crise, essa instabilidade política, é essa desconfiança da política, é essa… Por quê? No Brasil quando… porque aqui no Brasil, algumas coisas parecem que na vida política são recorrentes. Quando se começa a questionar os políticos e a política, no Brasil surgem os salvadores da pátria, aqueles que, fora da política, tentam criar uma alternativa para a situação. Então, planta-se o caos e, depois, cria-se o salvador do caos. Essa é uma solução autoritária e arbitrária.

Qual é a solução que nós defendemos? Nós defendemos que se faça um pacto. Nós defendemos que se abra o diálogo. Este pacto e esse diálogo não podem ser feitos em cima da ruptura democrática, eles têm que ser feitos dentro do marco da democracia brasileira e, portanto, sem tentativas infundadas de processo de impeachment. E que se discuta, no Brasil, o sistema político brasileiro. Porque do jeito que está o sistema político brasileiro, nós vamos ter sistemáticas crises. Em alguns países, você precisa de três partidos para a governabilidade, certo? Eu acho que precisa de três, no máximo, cinco. Aqui no Brasil, nós temos de ter 14, 13, 12. O sistema político brasileiro não corresponde às necessidades e à complexidade da economia e da sociedade brasileira. Então, é fundamental que se faça um pacto político. Esse pacto político tem de rediscutir, no marco da legalidade, qual é a saída democrática. Vamos fazer alguma mudança no sistema político? Vamos combinar presidencialismo com parlamentarismo? Vamos aprofundar o presidencialismo brasileiro? Em que direção? E não se pode olhar isso sem olhar os 27 estados da federação, os governadores e os prefeitos.

Aí, nós temos de pactuar uma reforma tributária. A reforma tributária, no Brasil, é uma reforma eminentemente política, nesse sentido, que ela diz respeito a ganhos e perdas entre as diferentes unidades da federação. Vamos fazer uma reforma que assegure que certos direitos sejam mantidos, mas a gente caminha para alterações futuras? Ah, sem pacto não se fará reforma nenhuma neste País. Estão prometendo reformas, tem gente prometendo reformas.

Não se faz reforma, eu vou ousar dizer isso, com nenhuma das manifestações da Avenida Paulista, com nenhuma das duas. Eu assisti uma série, uma vez, do Gengis Kahn que eles diziam: “conquistar a gente conquista de cavalo; governar tem que ser a pé”. Governar tem de estabelecer o pacto, ele tem de ser discutido. Como? Aí tem de ser discutido com as ruas, mas sem paixão. O pacto implica, necessariamente, que as pessoas se sentem e não tentem o golpe como o encurtamento de 2018, por que é isso que está em questão, estão querendo encurtar para 2018.

Aí, ninguém governa esse país com tranquilidade, porque se é válido fazer o impeachment sem base legal para uns; é válido, não, nunca será válido, mas é possível fazer para outros. É isso que é ruim na democracia quando não se entende a democracia: é que todos são iguais perante a lei. Se você romper o direito de um, você rompe o direito de todos, é inexorável. É por isso que o regime não é perfeito, é cheio de problemas, mas é o melhor que a humanidade produziu. Ele é o melhor que a humanidade produziu; ele tem pesos e contrapesos, e, se a gente não tem clareza de que ele tem de ser preservado, fica difícil o pacto. O pacto implica, necessariamente, a gente pactua e daqui para frente é assim, o pacto é isso. Para mim é chegada a hora, no Brasil, de se fazer isso. Agora com um processo de impeachment em andamento, golpista, não se faz isso. É esse o grande problema do Brasil hoje, não se faz isso. Se tira as alternativas que contribuam, ou que contribuem, melhor dizendo, para uma solução mais estável, uma solução de mais fôlego, uma solução de médio prazo. E, dentro disso tudo tem a nossa economia, nós temos de tratá-la. Não é possível achar que não tem efeitos na economia esse tipo de turbulência, de um ano e meio, é impossível achar.

Olha, nós tivemos a seguinte confluência, veja você: fim do superciclo das commodities. Despenca o preço do petróleo, despenca o preço dos minérios, e também cai o preço dos alimentos, das proteínas, etc, Nós, em 2014, fizemos um déficit bem significativo, se eu não me engano, de menos R$ 4 bilhões, se eu não me engano. Isso, menos R$ 4 bilhões. Nós tivemos um processo muito duro.

Outra coisa muito grave que acontece no Brasil, nesse mesmo momento, durante todo… começa… - você vai sendo visto aos poucos, porque é clima que eu vou falar -, nós temos a maior seca no Nordeste e no Sudeste. Para vocês terem uma ideia, o Brasil tem dez grandes usinas de energia elétrica, umas dez grandes. Hoje, a maior delas, que é Furnas, deve estar com 72% de água, o que é maravilhoso. Neste mesmo período, ano passado, acredito que devia estar com 18[%]. Estar com 18[%] significava passar todo o período de seca, que começa em abril e, portanto, nós não tivemos dúvida, nós tivemos de botar todas as térmicas, que a gente tem de garantia, para funcionar. Isso elevou o preço da energia elétrica, consequentemente elevou o preço de tudo. Nós tivemos um dos maiores impactos na inflação que podíamos.

Então, combina isso: combina a quebra de parte da estrutura de petróleo e gás; combina o fato de que, nesse período, começa a sair do tapering, começa a fazer o tapering, saída da expansão, da política de expansão monetária americana, e o dólar começa a se valorizar. Nós tivemos uma desvalorização imensa do real, com impacto no câmbio, na inflação. Tudo isso somado deu uma inflação de acima de 10%. Para nós, que temos horror da inflação, é horrível. E tivemos de fazer uma baita contenção, e fizemos uma baita contenção. Tanto é assim que esse mês, pela primeira vez, a inflação caiu, agora, abaixo dos 10[%]. E nós temos certeza que ela converge para a meta, tá? Então, você tem isso. Você tem… Nós saímos de um déficit na balança comercial, de quatro [US$ 4 bilhões] fomos para um superávit de 19,6 [US$ 19,6 bilhões]. E nós já estamos, em torno de 30 [US$ 30 bilhões] de superávit anualizado este mês.

Então, o Brasil começou a se mexer. Ele vai se mexer, ele vai continuar se mexendo. O que não é viável, nós enviamos uma porção de reformas para o Congresso, antes de ontem ou ontem enviamos outra, que diz respeito tanto à dívida dos governadores como todo o processo pelo qual nós pretendemos criar um marco tanto de limite do gasto como de flexibilização da receita, aliás, de flexibilização da meta quando o país entra em recessão. Porque nós não podemos parar de pagar merenda escolar, não podemos parar de pagar energia, não podemos parar de pagar remédio no Sistema Único de Saúde, não podemos parar de pagar um satélite que está para ser lançado e só tem aquela janela. Então tem de saber o que cortar. Bom, nós cortamos R$ 130 bilhões o ano passado, R$ 130 bilhões. E, daqui para a frente, como qualquer outro país para sair do processo recessivo, tem de aprovar receita nova, todos os países do mundo aprovaram, todos. No Brasil, é crime.

Junto com as manifestações, tem essa história de tentar, de forma absolutamente demagógica, impedir que se aprove aumento de receita. Então, o que acontece? Acontece que, se não pactuar, se continuar esse processo de impeachment que, no início, na sua origem, foi uma tentativa do presidente da Câmara de ocultar os seus próprios problemas, se não parar com isso, se não parar com as “pautas-bombas” e portanto, eu repito, se não pactuar, o Brasil ainda vai passar por momentos muito difíceis. Nós temos condição de sair da crise esse ano, nós temos. É isso que está em pauta, porque também eu desconfio, em certas horas, que o “quanto pior, melhor” é tão perverso que está acirrando, escalando, porque vai começar a melhorar. E, se melhorar, eles achavam que não nos seguravam, eu até acho isso.

Estou falando aqui para vocês, nunca falei para isso para ninguém, mas eu acho isso. É tão perverso isso do “quanto pior, melhor”, é tão perverso chegar e tacar uma “pauta-bomba” de R$ 330 bilhões a semana passada, que eu penso isso.

 

Jornalista: A senhora diz, de maneira muito clara que você nunca vai renunciar, mas colocar o Lula, que é um grande líder, como você diz, não é de uma certa maneira, renunciar, mais ou menos? E o que ele pode fazer que você não faz?

 

Presidenta: Veja bem, passaram, eu acho, os quatro anos do primeiro mandato, tentando fazer eu brigar com o Lula e, em alguns momentos, até de forma, assim, um tanto quanto… a palavra é solerte, insidiosa. Não vão conseguir. O Lula é meu parceiro. Eu tenho consciência perfeita do que eu ajudei o Lula no segundo mandato dele, no final do primeiro e no segundo mandato, como ministra-chefe da Casa Civil.

Portanto, eu gosto muito de trabalhar junto com o Lula. Eu acho que o Lula tem a generosidade para ser meu parceiro. Eu não tenho o menor problema de acharem que o Lula poderia, de alguma forma, toldar o brilho da minha presidência. Não acho isso, não. Eu acho que, diante da adversidade, o Lula seria uma das melhores contribuições que eu teria. Diante da adversidade, no passado, eu ajudei ele. Diante da adversidade, eu entrei na Casa Civil precisamente no dia 21 de junho de 2005, em plena crise do mensalão. Eu ajudei o presidente Lula e tenho clareza disso. Eu tenho certeza que ele me ajudaria também. Eu não considero isso, de jeito nenhum, renúncia. Sabe o que eu considero isso? Agregação de forças. Eu não tenho muita dificuldade de confessar que eu acho o Lula um grande líder. Nenhuma dificuldade. Eu convivi com ele esse tempo todo. Nós trabalhamos era diuturnamente, até noturnamente também, porque tinha dia que a gente saía daqui era 11 horas da noite, meia noite, uma hora da manhã.

 

Jornalista: Você falava especialmente desse momento, do mensalão, que você viveu com o Lula, que era um momento muito difícil. Quais as lições que você poderia lembrar agora, nesse momento, que o problema não está atravessando um período muito difícil?

 

Presidenta: Resista. Resista, conte com você e com os seus. E, sobretudo, lembra que você governa para o Brasil, não para um grupo apenas.

 

Jornalista: Senhora Presidenta, o país, o Brasil está cada vez mais polarizado, tem manifestações por um lado, manifestações por outro. Você não teme, não acha que, segundo (inaudível) impeachment para, percorrendo etapas, poder gerar uma espécie de explosão social, alguma coisa assim?

 

Presidenta: Posso te falar uma coisa? Eu acho… há 68 anos eu vivo nesse país. Participei de todas as lutas e fases históricas desses últimos 68 anos. O nível de pobreza e desigualdade do Brasil tem muito a ver com o fato de nós termos sido o último país, eu acho, aqui das Américas, a sair da escravidão. E, depois disso, com uma continuada insensibilidade das elites econômicas brasileiras quanto a essa pobreza, em relação ao quê estou falando? Estou falando, eu penso em várias outras elites que, em alguns momentos da sua história, conseguiram resolver, de uma certa forma ou de outra, a questão social aumentando a inclusão. No Brasil nós tivemos muitas dificuldades para fazer isso.

E esse processo de desigualdade social é o que, de fato, faz com que haja explosão social. É ele que sustenta isso, a partir de um determinado momento. Nós, eu acho que temos uma grande… Nós que eu falo é o seguinte: o projeto que assumiu em 2003, nós temos uma grande qualidade: nós, de forma democrática, fizemos, talvez, uma das mais profundas transformações sociais num período curto de tempo. Por quê? Colocar na classe média em torno de 40 milhões de pessoas e resgatar da pobreza uns 36 milhões não é algo trivial.

Nós fizemos isso em um quadro de grande acirramento de conflito, que foi sendo absorvido e reabsorvido, e o Brasil viveu um período de plena democracia. Eu acho que essa conquista não acabou, ou seja, ela não foi esvaziada. Mesmo nesse período de crise, nós mantivemos esses programas sociais, nós mantivemos Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida não é um programa qualquer. Ninguém entrega 2,5 milhões de moradias para pobre e ainda tem, em um momento de crise, 1,6 milhão sendo construídas, e vamos lançar mais dois milhões.

Nós conseguimos manter as políticas sociais. Até nós falamos assim: ajuste no Brasil, o ajuste que nós praticamos, não é para cortar programas sociais, é para preservar. Se faz ajuste para preservar, você melhora a qualidade do programa, para preservar. De nada adianta pagar quem não tem de ser pago; de nada adianta dar a casa para quem não precisa. Você tem de garantir que a sua política seja focada. Mas o que eu quero dizer com tudo isso? Eu quero dizer que eu acredito que as bases para uma certa paz social no Brasil, elas existem, elas não estão rompidas. O Brasil não é um país em insurreição.

Mesmo se você considera que o fim da miséria é só um começo - e nós consideramos isso e sabemos disso -, quando a pessoa sai da miséria, ela quer mais coisa, ela quer melhores serviços, ela quer acesso a bens culturais, com toda razão, porque é o que nós queremos. Então, por que eles vão ser diferentes? Só porque saíram da pobreza? Têm todos os direitos que nós temos. Então, eu acho que a base do país não é uma base explosiva. A base do país não tem uma diferença religiosa. Nós não temos conflito étnico, nós somos um país que sempre cultuou a paz.

Bom, o que eu acho extremamente ruim - eu falei no início - é o crescimento da intolerância política. Eu acho muito ruim a caça, de ambos os lados. Porque esse clima, ele é um veneno que permeia a sociedade. Você vai encontrar gente, hoje, brigando, amigos brigando com amigos, dentro das famílias havendo diferenças. Isso não é bom, essa não é a boa base da democracia.

Agora, eu não acredito que o Brasil, nós não somos um país que tem… Agora, se interromper com qualquer projeto de inclusão, se interromper a melhoria de vida das pessoas, você cria esse estímulo. Não está, não tem isso hoje configurado. As pessoas podem estar descontentes, as pessoas podem não estar gostando, as pessoas podem estar… principalmente, por exemplo, quem perdeu o emprego. Por isso que é tão importante que a gente volte a crescer e que tenha paz na política.

Agora, eu acho que a irresponsabilidade de quem semeia a intolerância é muito alta. Tanto é que, como começaram a dizer, nas vésperas da manifestação do domingo, aquele dia 13, que ia haver violência, eu fui três vezes na televisão pedir que as pessoas tinham o direito de falar, que tinham o direito de manifestar, tinham o direito de ir para a rua, o que só não tinham direito é da violência. Você pode ter direito de tudo, violência não.

Então, eu temo, eu temo. Eu não sei o que vai acontecer. Porém, eu acredito muito no espírito pacífico do povo brasileiro. Não acho que o povo brasileiro, apesar desse empuxo intolerante, não acredito que o povo brasileiro seja um povo raivoso, que cria estigma entre si. Nós não temos… Nós somos tão diversos, tão de origens - não é? Índio, negro, branco e tudo isso. É muito difícil, você não tem como estigmatizar, não é? Um brasileiro, como é que ele vai estigmatizar outro brasileiro? Nós somos iguais. É óbvio que aqui tem preconceito racial, é óbvio que aqui tem... Aqui tem preconceito racial, e feio. Tanto é que você pode olhar que tem violência contra a juventude negra total: olhou para um menino, ele é negro… Tá? E isso é um processo que só cresce.

Então, a intolerância leva a políticas de direita. O que é política de direita? Política de direita é preconceito, é estímulo de uma cena que outro dia eu vi, até foi no… eu assisti isso lá no site do El País. Um grupo de jovens, em Roma, que pegaram um mendigo e urinaram nele, está no site, eu vi no site do El País.

 

Jornalista: Presidenta, a senhora fez uma pergunta para nós há meia hora e eu não tenho a resposta. A senhora perguntou: quem será que está por trás desse intento de acabar com esse governo?

 

Presidenta: Eu prefiro que vocês respondam.

 

Jornalista: Mas está falando com um correspondente. Deixa fazer uma perguntinha breve…

 

Presidenta: Eu prefiro que vocês respondam.

 

Jornalista: A política externa dos governos da senhora e do presidente Lula foi muito marcante, teve (inaudível) a formação do BRICS, a oposição à ALCA e, do ponto de vista geoeconômico, o achado de gigantescas reservas petroleiras no litoral atlântico. Esses elementos, esses antecedentes, podem contribuir a nos explicar alguns fatores que estejam por trás desse intento? E completo a pergunta: gostaria a senhora que a UNASUL, com o MERCOSUL, façam uma reunião para expressar institucionalmente o respaldo ao seu governo?

 

Presidenta: Olha, eu quero falar para você que eu acho que as raízes da crise no Brasil são brasileiras. Acho que se houver algum fato de repercussão internacional aqui dentro, ele não é relevante, não é por aí.

 

Jornalista: Não tem fatores externos?

 

Presidenta: Não acho, não acredito. E não… Obviamente que o fato de a gente ter grandes reservas de petróleo, ter uma política externa bastante independente, que contribuiu bastante para ampliar as relações dentro da América Latina toda, não é? Nós demos muita prioridade para a América Latina, para a África. A nossa relação com os BRICS não é o padrão internacional de uma potência média como o Brasil. Potência média, regionalmente grande, mas internacionalmente uma potencia média.

Eu acho que a sociedade brasileira, ela é complexa o suficiente para que ela filtre isso. Sabe, nós não somos uma… Não tem nada contra as bananas viu, porque banana é algo fundamental no Brasil. O Brasil, no sentido de banana, é um grande produtor de banana, mas não somos uma economia de dois setores, nós não somos uma republiqueta, nós somos uma sociedade complexa, que sabe e cujos efeitos externos se filtram aqui dentro, mas eles não têm o impacto determinante. Eles não são a determinação, a determinação é, sobretudo, doméstica. Então, acho que os países da UNASUL e do MERCOSUL, eles, quando acharem oportuno, eles se manifestarão.

 

Jornalista: Mas a senhora gostaria de (inaudível)?

 

Presidenta: Eu não manifesto gosto em uma questão dessa.

 

Jornalista: Se o governo cair, isso tem um impacto…

 

Presidenta: Eu não acho que nós vamos cair. Só me falta essa agora.

 

Jornalista: Presidente, uma pergunta sobre acusações que correm, assim em um ambiente político no país, são acusações das suas campanhas, um financiamento de ambas, de 2010 e de 2014, de que as suas campanhas receberam financiamentos ilegais. Receberam ou não?

 

Presidenta: Não. Minha campanha não recebeu financiamento ilegal, não. E mais: todas as minhas campanhas foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, todas elas. Recentemente, começaram, porque é assim, oscila-se aqui no Brasil: ou eles criam o impeachment no Congresso, através das pedaladas fiscais, ou criam no TSE. Eu gostaria de saber onde estão as contribuições irregulares da minha campanha? Onde? Quero saber quais? Onde? Como?

Eu tive uma das campanhas onde o registro, porque nós registramos, você sabe como é que funciona. Nós vamos para o Tribunal e registramos: gastei R$ 70 milhões em publicidade; minha campanha de televisão custou R$ 70 milhões. Pergunta quanto custou as dos outros, que ocupavam no espaço tal? Bem menos que a minha, mas bem menos que a minha. Interessante que é a minha que recebeu contribuição não oficial? A minha, que declara [R$] 70 [milhões]?

 

Jornalista: Quer dizer que eles receberam?

 

Presidenta: Não sei, eu não acuso. Eu só estou te dizendo que eu sei de onde parte.

 

Jornalista: Agora, o João Santana que ajudou a coordenar as suas campanhas?

 

Presidenta: Ele recebeu R$ 70 milhões, ele recebeu R$ 70 milhões. É ele.

 

Jornalista: Uma eventual delação dele ou da mulher dele preocupa?

 

Presidenta: Olha, eu não me preocupo, porque eles não têm o que delatar da minha campanha. Eles não têm, tá? E essa delação da minha campanha, essa daí eu quero ver. E aqui no Brasil tem isso, tá? De repente sai o boato, e o boato passa a ser verdade. Eu quero que me expliquem porque que é que teria… Eu sei essa história, eu já escutei essa história. Porque que teria recursos não registrados do João Santana, se eu lhe paguei R$ 70 milhões?

 

Jornalista: Presidenta, como a senhora foi a ex-diretora da Petrobras, como você foi ex-ministra de Minas e Energia, como é possível que a senhora não sabia nada desse esquema de corrupção que tinha na Petrobras?

 

Presidenta: Veja bem, você sabe que tem… Vocês podem olhar, tem uma bibliografia ampla sobre a relação entre, se eu não me engano, é o principal e o agente. O que é essa relação? É a diferença que existe entre a diretoria executiva de qualquer empresa e o conselho de administração. O conselho de administração, ele recebe informação de quem? Da diretoria executiva. É ela que te informa. Em todos os casos, da Enron, em todos os outros casos, casos internacionais, olha, deve ter lá… Você é alemão?

 

Jornalista: Inglês.

 

Presidenta: Inglês? Então deve ter bastante na Inglaterra, seguramente nos Estados Unidos tem vários casos desses, também na Espanha, não é, Óleo Bunker, você tem essa diferença.

Nós… A Petrobras não é um navio que você gira e ele sai virando. Eu só quero dizer que eu não mantive aquela diretoria, eu não mantive, eu alterei a diretoria um ano depois, nem um ano, foi por partes.

 

Jornalista: Isso foi porque a senhora ficou sabendo de corrupção dentro da empresa?

 

Presidenta: Não. Porque começou toda a discussão a respeito. Então eu achei mais prudente. E quero dizer para os senhores que, como integrante do Conselho de Administração, eu não estava só. Era um conselho integrado por mim, pelo empresário Jorge Gerdau Johannpeter, que é presidente da Gerdau; pelo Cláudio Haddad, que era diretor do Ibmec; pelo Fábio Barbosa, que foi presidente do Santander, depois foi presidente da Abril e depois eu acho que ele saiu da Abril. Bom, aquele senhor das lojas Sendas, éramos um grupo, e nenhum de nós sabia disso. Eu posso assegurar a você, nenhum de nós. Aliás, você veja só, eu acho interessante, também, essa pergunta. Vamos conversar aqui: foi preciso a gente aprovar uma lei da delação premiada, foi preciso botar toda a Polícia Federal, foi preciso prender doleiro, foi preciso o Ministério Público Federal investigar isso… Ainda está em andamento, Qual é a fase da Lava Jato?

 

Jornalista: 25ª

 

Presidenta: Está na 25. Acho ótimo, nós não tínhamos nem Polícia Federal, nem Ministério Público, nem nenhuma investigação, nem tampouco contato com doleiro. Que a história começa com os doleiros contando.

 

Jornalista: Eu tenho uma pergunta um pouco soft, mas mesmo assim importante. Essa é uma fase prolongada de estresse enorme para a senhora, presidenta. Com acusações, a senhora foi vaiada durante a abertura da Copa e muitas vezes as vozes das manifestações são muito feias. Como você lida com isso? Você dorme o suficiente? Você às vezes tem um dia fora do trabalho, você faz férias? Como você faz isso?

 

Presidenta: Aqui no Brasil não usa ter férias, viu? Presidente da República aqui não usa ter férias. Não é a prática. A gente aproveita alguns feriados, para ser verdadeira com o senhor.

Amanhã, por exemplo, é sexta-feira santa. Amanhã eu vou ter um dia de descanso com a minha família. Agora eu lido com isso, quero dizer o seguinte: não acho que seja agradável, não vou te dizer que é agradável você ser objeto de vaia ou qualquer coisa assim. Agora eu não deprimo não, eu não sou uma pessoa depressiva. Quem é que disse que estava sempre duas doses de uísque acima da realidade? Teve um ator que falou isso. Eu estou duas doses acima da depressão, não deprimo.

E não deprimo por quê? Eu não deprimo porque você deprime se você acha que você tem culpa. Eu acho que uma pessoa com culpa, que fez algum malfeito, que recebeu dinheiro indevido, ela não dorme, acho que ela não dorme. Eu não recebi nada disso. Não tenho nenhum… Nunca pratiquei nenhum ato de usar o poder do governo para beneficiar gente que não devia ser beneficiada. O que eu quero dizer com isso? Eu beneficiei, sim, os pobres deste País, puxei a sardinha para o lado deles, porque se não puxar a sardinha para o lado deles, eles são menos fortes, eles têm de ser olhados de uma forma mais intensa.

Então, eu acho que isso surpreende as pessoas. Uma época falaram que eu era autista, não é? Eu não sou autista. Eu acho que você tem de saber a verdade. Se você tentar escamotear a verdade de si mesmo, você está dando passos acelerados para agir de forma incorreta.

Então, eu não sei responder, na verdade, porque… Eu não posso… Ninguém pode me obrigar a deprimir, não é? Eu não posso ser… Porque aqui também tem isso, eu digo sempre, a gente aqui é preso por ter cachorro e por não ter o cachorro. Eu não posso ser presa por não deprimir. E eu não tenho isso, eu durmo direitinho, acordo às 5h45 e ando de bicicleta, como vocês podem comprovar, porque a imprensa - eu tenho dó do cinegrafista - me segue todo dia, às 5h50, 5h45. Tem dia que eu falo: “Chegaram tarde, hein?” Sete, quase sete, a gente está voltando e eles estão chegando. É isso. Eu seguro. E é o seguinte: mulher não é um bicho frágil, viu? Mulher não é frágil. E mulher brasileira, muito menos. Nós não somos frágeis. A gente pode ser… A gente pode ser, assim, mais emotiva; mulher pode ser mais afetiva, mas ela não é frágil, não.

 

Jornalista: Como a senhora toma a figura de Brizola, da Resistência Democrática do Sul?

 

Presidenta: Citei, sim. Por que eu citei o Brizola? Porque eu recebi, não lembro mais se foram 16 ou 17… 22? Eu recebi 22 manifestos. E um conjunto deles, eles fizeram um conjunto que chamava “Manifesto pela Legalidade”. Ora, quem fez o movimento pela legalidade foi o Brizola. Quando ele fez esse movimento? Quando o Jânio Quadros renuncia e começa, um grupo político da época começa a discutir se o Jango assumia ou não assumia. E o Brizola era casado com a irmã do Jango. O Brizola era um político brasileiro com uma posição política muito clara, tinha nacionalizado algumas empresas e era governador do Rio Grande do Sul.

Ele, então, chama uma rede de rádio e televisão, tinha pouca televisão e muito rádio no Rio Grande do Sul, e lá do Rio Grande do Sul ele inicia a Resistência Democrática. Esse processo se dá, se não me engano, em 1962. Mas três anos depois há o golpe. Ele evita naquele momento o golpe, mas ele passa a ser três anos depois.

 

Jornalista: Ele é um modelo para a senhora, um modelo de resistência?

 

Presidente: Não, é de outra época. Bem outra época. O Brizola é de um Brasil menos desenvolvido, menos, uma sociedade mais simples; é um Brasil dos anos 60. Você não pode comparar o Brasil dos anos 60 com o Brasil dos anos de 2015. Mas ele é um exemplo de resistência democrática, de compromisso com a soberania e ele tem toda a atualidade de ter sido uma pessoa que não se curvou também. Perde, mas não curva.

 

Jornalista: Ele toma chimarrão como a senhora.

 

Presidenta: Eu não tomo chimarrão direito, viu, porque eu sou mineira. Minha família hoje é gaúcha, a minha filha, meus netos, mas eu sou do meio do Brasil, de Minas Gerais.

 

Jornalista: Presidenta, uma pergunta: é sobre o foro privilegiado, que existe no Brasil e alguns dos seus adversários políticos se beneficiam desse foro, como o presidente da Câmara, como a senhora já citou. Ele é acusado de várias fraudes, assim, de violar várias leis, mas ele já é réu da Suprema Corte, mas ele continua lá como presidente da Câmara e ele está liderando o seu impeachment. O que isso diz sobre o Estado de direito no Brasil? Uma pergunta em duas partes: e o Brasil deveria ter foro privilegiado, se a lei devia se aplicar para todo mundo igualmente?

 

Presidenta: É impossível que a prerrogativa de foro seja generalizada porque ela não é para a pessoa, é para o cargo. Tanto é que quando você sai do cargo, você perde a prerrogativa de foro. É o cargo - e as garantias do cargo - que dão a prerrogativa de foro. Agora, é óbvio que você não pode dar prerrogativa a todas as pessoas, porque não é o foro... A prerrogativa de foro, ela é algo que tem a ver com o exercício do cargo. É que nem a vitaliciedade do juiz. Para quê você dá vitaliciedade para o juiz? Para ele ter autonomia e julgar sem as pressões do poder político, do poder econômico e de qualquer outra coisa. Se isso resolve, eu posso te dizer o seguinte: em parte, ou na maior parte, resolve: é importante que tenha vitaliciedade.

A mesma coisa da prerrogativa de foro: você dá para um deputado para ele ter o direito de falar o que ele pensa; você dá para um senador pelo mesmo motivo; você dá para um ministro porque ele está exercendo o cargo. O interessante é que a prerrogativa de foro já foi, inclusive, pedida na… Eu tenho a impressão que, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, que é uma das lideranças da oposição, eles pediram prerrogativa de foro para ex-presidente da República naquela época. Como o PT era oposição, o PT recusou a prerrogativa de foro.

Você veja que, por exemplo, nos Estados Unidos, o ex-presidente… ex-presidente da República tem um tipo de tratamento. Esse tipo de tratamento implica uma contrapartida: que ele não vá exercer nenhum cargo depois, não é? Então, cada país tem dispositivos diferenciados. Nós não demos prerrogativa de foro para ex-presidente da República, nós não demos. Agora, nós demos prerrogativa de foro para presidente, para deputado, para senador, para ministro, e eu acho que é só, não é? Acho que ninguém mais tem. Esses têm prerrogativa de foro. O governador tem uma prerrogativa de foro para o Superior Tribunal de Justiça. O que é a prerrogativa de foro? É você ser julgado numa instância superior.

 

Jornalista: E os prefeitos para os Tribunais, não é?

 

Presidenta: Os ex-prefeitos também para…

 

Jornalista: Prefeitos. Para os Tribunais Regionais.

 

Presidenta: Para Tribunal Regional.

 

Jornalista: Mas isso quer dizer que a Justiça comum não deveria aplicar para todo mundo?

 

Presidenta: No caso do Brasil, não aplica para todo mundo. A primeira instância é para todo mundo. Mas todo mundo pode chegar no Supremo também, não é? Você pode recorrer. E é, talvez, tem gente que diz que isso é uma distorção da Justiça do País: é que, se você for condenado na primeira instância, vamos supor que você é condenado lá na Justiça do Paraná, aí você tem direito de ir para a segunda, e aí você tem direito de ir para a terceira. Então, dizem o seguinte: por exemplo, durante a Ação Penal 470, que é o mensalão, chamado mensalão. O que diziam? Que quem estava sendo julgado pelo Supremo tinha menos direito de defesa, por quê? Porque não tinham outras instâncias para recorrer. Que quem era julgado na primeira instância e podia recorrer para a segunda e podia recorrer para a terceira tinha muito mais condição de levar o processo mais longe, entendeu? Então, tem dois lados essa questão, porque quem é julgado em uma instância só não tem pra quem recorrer, você não recorre para mais ninguém. Já se você for condenado na primeira, você recorre para a segunda, depois você recorre para a terceira.

 

Jornalista: Tem o exemplo do ex-governador de Minas Gerais, também, não é? Do mensalão mineiro?  

 

Presidenta: Tem.

 

Jornalista:  Aproveitou o foro, saiu do foro...

 

Presidenta: Ele, você vê como é a história, aí são dois casos, você deu uma boa... O ex-governador de Minas e os que foram condenados no mensalão, tem o chamado mensalão mineiro e o outro mensalão. O governador de Minas, o Supremo julgou que todos esses aqui tinham de ser julgados aqui. Foram julgados e condenados. O governador de Minas foi lá para baixo. Conseguiram levar ele lá para a primeira instância. Então o que aconteceu na primeira instância? Eu acho que ele foi condenado, e ele ainda tá indo, ele ainda irá. Isso ainda vai levar uns 10 anos.

Então, vamos lembrar bem direitinho que a prerrogativa do foro ela tem dois aspectos, por isso, que é eminentemente uma manipulação tratar a questão do Lula como uma fuga. Sabe por que eles ganham essa versão? O que você acha? Você viu alguém da imprensa brasileira discordar? Eu não vi. E eles sabem tudo isso que estou falando.

 

Jornalista: Eu gostaria de saber, em agosto tem os Jogos Olímpicos, como que vai estar o Brasil?

 

Presidenta: Vai estar em perfeitas condições. O Brasil é capaz disso. A paz vai reinar entre nós, te asseguro. Nós saberemos receber muito bem os atletas, os visitantes e vamos dar uma demonstração de grande capacidade de recebimento. Esse país é muito mais forte do que o povo imagina. E as instituições dele são sólidas, em qualquer hipótese. O Brasil sai dessa inteirinho.