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28-07-2013 - Entrevista exclusiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, ao jornal Folha de S. Paulo - Brasília/DF

Palácio da Alvorada, 28 de Julho de 2013

 

Jornalista: As manifestações deixaram jornalistas, sociólogos e governantes perplexos. E a senhora, ficou espantada?

Presidenta: No discurso que fiz na comemoração dos dez anos do PT, em SP [em maio], eu já dizia que ninguém, ninguém, quando conquista direitos, quer voltar para trás. Democracia gera desejo de mais democracia. Inclusão social exige mais inclusão. Quando a gente, nesses dez anos [de governo do PT], cria condições para milhões de brasileiros ascenderem, eles vão exigir mais. Tivemos uma inclusão quantitativa. Esta aceleração não se deu na qualidade dos serviços públicos. Agora temos de responder também aceleradamente a essas questões.

Jornalista: Mas a senhora não ficou assustada com os protestos?

Presidenta: Não. Como as coisas aconteceram de forma muito rápida, eu acho que todo mundo teve inicialmente uma reação emocional muito forte com a violência [policial], principalmente com a imagem daquela jornalista da Folha [Giuliana Vallone] com o olho furado [por uma bala de borracha]. Foi chocante. Eu tenho neurose com olho. Já aguentei várias coisas na vida. Não sei se aguentaria a cegueira.

Jornalista: Se não fosse presidente, teria ido numa passeata?

Presidenta: Com 65 anos, eu não iria [risos]. Fui a muita passeata, até os 30, 40 anos. Depois disso, você olha o mundo de outro jeito. Sabe que manifestações são muito importantes, mas cada um dá a sua contribuição onde é mais capaz.

Jornalista: O prefeito Fernando Haddad diz que, conhecendo o perfil conservador do Brasil, muitos se preocupam com o rumo que tudo pode tomar.

Presidenta: Eu não acho que o Brasil tem perfil conservador. O povo é lúcido e faz as mudanças de forma constante e cautelosa. Tem um lado de avanço e um lado de conservação. Já me deram o seguinte exemplo: é como um elefante, que vai levantando uma perna de cada vez [risos]. Mas é uma pernona que vai e "poing", coloca lá na frente. Aí levanta a outra. Não galopa como um cavalo. Aí uma pessoa disse: "É, mas tem hora em que ele vira um urso bailarino". Você pode achar que contém a mudança em limites conservadores. Não é verdade. Tem hora em que o povo brasileiro aposta. E aposta pesado.

Jornalista: A senhora teve uma queda grande nas pesquisas.

Presidenta: Não comento pesquisa. Nem quando sobe nem quando desce [puxa a pálpebra inferior com o dedo]. Eu presto atenção. E sei perfeitamente que tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe.

Jornalista: Mas isso fez ressurgir o movimento "Volta, Lula" em 2014.

Presidenta: Querida, olha, vou te falar uma coisa: eu e o Lula somos indissociáveis. Então esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola. Agora, falar volta Lula e tal... Eu acho que o Lula não vai voltar porque ele não foi. Ele não saiu. Ele disse outro dia: "Vou morrer fazendo política. Podem fazer o que quiser. Vou estar velhinho e fazendo política".

Jornalista: Para a Presidência ele não volta nunca mais?

Presidenta: Isso eu não sei, querida. Isso eu não sei.

Jornalista: Ao menos não em 2014.

Presidenta: Esses problemas de sucessão, eu não discuto. Quem não é presidente é que tem que ficar discutindo isso. Agora, eu sou presidente, vou discutir? Eu, não.

Jornalista: Mas o Lula lançou a senhora.

Presidenta: Ele pode lançar, uai.

Jornalista: O fato de usarem o Lula para criticá-la não a incomoda?

Presidenta: Querida, não me incomoda nem um pouquinho. Eu tenho uma relação com o Lula que tá por cima de todas essas pessoas. Não passa por elas, entendeu? Eu tô misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo. Temos uma relação de compreensão imediata sobre uma porção de coisas.

Jornalista: Mas ele teria criticado suas reações às manifestações.

Presidenta: Minha querida, ele vivia me criticando. Isso não é novo [risos]. E eu criticava ele. Quer dizer, ele era presidente. Eu não criticava. Eu me queixava, lamentava [risos].

Jornalista: Como a senhora vê um empresário como Emílio Odebrecht falar que quer que o Lula volte com Eduardo Campos de vice?

Presidenta: Uai, ótimo para ele. Vivemos numa democracia. Se ele disse isso, é porque ele quer isso.

 

Jornalista: Sua principal proposta em reação às manifestações foi a realização de um plebiscito para fazer a reforma política. A crítica à senhora é que ninguém nas passeatas pedia isso.

Presidenta: Pois acho que tá todo mundo pedindo reforma política. As manifestações podiam não ter ainda um amadurecimento político, mas uma parte tem a ver com representatividade, valores, o que diz respeito ao sistema político. Ao fato de que os interesses se movem conforme o financiamento das campanhas. Não dá para cuidar de transparência sem discutir o sistema. "O gigante despertou", diziam nos protestos --o que mostra o inconformismo com a nossa forma de representação.

Jornalista: O Congresso Nacional fará reforma contra ele mesmo?

Presidenta: Querida, por isso que eu queria um plebiscito. A consulta popular era a baliza que daria legitimidade à reforma.

Jornalista: Mas a senhora concorda que o plebiscito não sai?

Presidenta: Eu não concordo com nada, minha querida. Eu penso que é importante sair. E não sei ainda se não sai. Eu acho que é inexorável. Se você não escutar a voz das ruas, terá novos problemas.

Jornalista: E a saúde? Os profissionais da área dizem que o Mais Médicos é uma maquiagem porque o país tem uma estrutura precária de atendimento.

Presidenta: É? Pois é. Acontece que botamos dinheiro em estrutura. Jornais e TVs mostram que há equipamentos sem uso. Como você explica que 700 municípios não têm nenhum médico? E que 1.900 têm menos de um médico por 3.000 habitantes? Uma coisa é certa: eu, com médico, me viro. Sem médico, eu não me viro.

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Assunto(s): Governo federal