17-03-2011 - Entrevista exclusiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, ao jornal Valor Econômico
Palácio do Planalto, 17 de março de 2011
Jornalista: A senhora já imaginou o impacto disso (a tragédia no Japão), já deu para fazer uma reflexão sobre isso, Presidenta?
Presidenta: Sobre o quê?
Jornalista: Sobre a economia mundial, sobre nós.
Presidenta: Eu acho que, primeiro, a gente... todo mundo fica tão impactado com a... Porque, como é em tempo real, essa história da comunicação global, acho que o que cria na gente, primeiro, é uma sensação de muito... É como se o tsunami estivesse na porta da sua casa, porque você nunca viu onda daquele tamanho, nunca viu aquele barquinho girando naquele redemoinho e aquela quantidade de carros que pareciam carrinhos de brinquedo, não é, indo, voltando. Então, tem um lado disso que é o fato de que, inexoravelmente, o que a comunicação faz é você se colocar no lugar das pessoas, não é? Então, eu acho que a primeira reação humana é essa.
Agora, eu acredito – aí é a reflexão mais fria, depois do evento, se a gente pode chamar de alguma coisa fria em relação ao Japão, porque eu acho que...
Jornalista: Uma devastação...
Presidenta: É, nós vamos passar...
Jornalista: E se acontece lá, por que não vai acontecer aqui?
Presidenta: Porque aqui, graças a Deus, não tem nem tsunami, nem terremoto, e não estamos sobre uma placa, não é, em uma junção de placas. Nós, graças a Deus...
Jornalista: E por que meu prédio tremeu no ano passado? Lembra desse episódio?
Presidenta: Você pode ter tremor aqui, tem uma pequena fissura. Você pode ter tremor aqui. Agora, você não tem placa. E é sabido que é em região onde tem a junção das placas que são as áreas mais sujeitas a terremotos, todo aquele Círculo de Fogo do Pacífico, não é? Mas eu acho que um dos efeitos é sobre, do meu ponto de vista, vai ser sobre o petróleo.
Jornalista: Petróleo? Por quê?
Presidenta: Vai ampliar a demanda por petróleo, não é?
Jornalista: Para substituir a energia nuclear?
Presidenta: Principalmente lá. O Japão não produz nenhum petróleo ou gás, não é? O Japão não tem fonte de energia, então uma consequência vai ser... eles estão em processo de racionamento, pelo menos pelo que eu vi, 40% da energia de base deles é nuclear. O substituto mais rápido e mais efetivo é: ou eles colocam gás através de gás natural liquefeito que eles importam de algum canto, de algum país, ou o uso de petróleo direto, diesel. Eu acredito que esse impacto, ele é imediato. Eles vão ter que fazer a substituição, porque como a... Até porque eu acho que eles passarão a temer. Parece que as usinas deles, eu não tenho certeza, essa informação ainda é... não fica muita clara, pelas notícias, se todas as usinas são antigas, se uma parte é antiga, outra parte é moderna. Depende do que eles tiverem que substituir.
Jornalista: Essa é a primeira, não é? Essa aqui.
Presidenta: Essa é dai ichi. Dai ichi, eu acho que quer dizer “um”, não é? E eu tenho impressão também, também é uma conjectura, eu tenho impressão de que, na medida em que eles não têm, como nós temos aqui... porque nós sempre esquecemos dessa diferença substantiva entre nós e qualquer outro país, não é?
Jornalista: Água?
Presidenta: Água. O fato de que aqui não passa de 2 [%] ou 3% a energia físsil e a fóssil lá por... beirando os 28 [%], por aí... não sei se é mais 28 [%], mas você pode conferir com o pessoal lá do Ministério. O que acontece? Acontece que eles vão ter... eles não têm solução. Eólica e solar não seguram. É energia de base que segura. Então, ou é fóssil, ou é físsil ou é hidrelétrica. E hidrelétrica, é um reservatório. Nós temos uma porção de hidrelétricas com reservatório, podemos nos dar ao luxo de ter uma porção de hidrelétricas sem reservatório. E, além disso, algumas térmicas, que vão funcionar como reservatório das hidrelétricas. Então, nós somos um país, nesse aspecto, abençoado. Além disso, temos bagaço de cana, que é a térmica menos poluente, junto com o gás.
Jornalista: Mas a senhora imagina um choque de preço de petróleo? Pode acontecer?
Presidenta: Depende do que for a pressão. Eu não sei o que vai a Alemanha fazer, não tenho ideia de quais vão ser as políticas de substituição.
Jornalista: Pois é, quem é que vai querer ter energia nuclear? Angra 3, aqui, está enterrada, não?
Presidenta: Não, minha querida, você tem... é inexorável. Não tem essa. A França tem 70% de energia nuclear.
Jornalista: Mas esse acidente não...?
Presidenta: A Alemanha não segura com eólica e solar, ela vai ter de... Ela pode até paralisar por um tempo. Os Estados Unidos já declararam que não vão interromper o programa. Eu não sei o que eles farão. Nós não temos a mesma dependência, nós não somos iguais. Nós temos um elenco de alternativas que os outros países não têm. Nem por isso a gente vai deixar de considerar que...
Os Estados Unidos melhoraram muito a situação em relação ao gás. Quando eu estava no Ministério, havia uma imensa dependência do gás americano, da importação. Inclusive, falavam em fazer várias estações de conversão para exportação de gás. Hoje... para importação de gás, desculpe. Hoje, depois que eles acharam aquele gás... que eles acharam, não, que eles passaram a usar uma tecnologia mais sofisticada para tirar o gás daquelas shales, daquelas fossas betuminosas, os Estados Unidos podem exportar gás. Então, eles não têm uma pressão tão grande, como eu acho que a Europa tem. A Europa já usou todo o potencial hídrico que tinha. A Alemanha, a França, eles não têm potencial hídrico. Os outros países sabem que não seguram. Eles dependem da... uma parte depende da Rússia para importar gás, a outra parte...
Jornalista: Gás e petróleo.
Presidenta: ...do Norte da África, Argélia e companhia. Então, é uma situação... Energia, minha querida, energia é algo que define os ritmos de crescimento de países, sempre definiram e sempre definirão, não é? Enquanto a energia básica for essa, você tem de ter fontes para suprir energia elétrica. Nós nem precisamos de calefação, nós somos um país fantástico, nem de calefação a gente precisa. Os países ao Norte precisam de calefação. E eles têm de ter automóveis. Nós, ainda por cima, temos biocombustíveis. Então, este, de fato, é um país que tem na energia uma diferença estratégica e competitiva. Além disso, nós descobrimos um pré-sal.
Jornalista: Pois é, me ocorreu, de repente... antecipar a produção, não?
Presidenta: Não, eu acho que a gente tem de ter muita calma nessa hora, ver... o ritmo que nós estamos indo é um ritmo que não transforma o petróleo em uma maldição, não é? Aquele negócio do oil curse, que é um país rico em petróleo, desindustrializado e pobre. Nós não podemos ser isso, não precisamos de ser isso. Nós queremos indústria de petróleo aqui, pesquisas, porque o nosso petróleo enseja desafios na área de ciência e tecnologia e desenvolvimento tecnológico. Nós queremos produzir aqui bens e serviços.
Jornalista: E exportar?
Presidenta: E exportar para o mundo, porque quando a gente produz para explorar o nosso pré-sal, significa que nós conseguimos um patamar de competitividade altíssimo. Então, nós não podemos apostar em ganhos fáceis com o petróleo. Nós temos de apostar que o petróleo é o passaporte para o futuro, que nós não estamos explorando para usar, nós vamos explorar para exportar. Nós queremos a nossa matriz energética limpa, mas também queremos ganhos com a indústria do petróleo, e esses ganhos...
Jornalista: Indústria, com todo o seu efeito multiplicador para trás.
Presidenta: Cadeia.
Jornalista: Cadeia industrial.
Presidenta: Cadeia de petróleo. Cadeia industrial. Nós não temos por que nos conformarmos e não... algo como uma doença holandesa, não é?
Jornalista: Agora, Presidenta...
Presidenta: Nós não somos um paisinho. Este é um país continental.
(...)
Presidenta: Até porque ter 190 milhões de habitantes e esse território com todas essas riquezas, uma indústria, ela pode ter descontinuidade, mas é uma indústria bastante sofisticada, não é... E ser também a maior democracia do mundo, não é? A maior não, uma das maiores, mas a maior aqui na região.
Jornalista: Agora, na questão da recuperação mundial, esse acidente, esse desastre, ele atrasa a recuperação mundial, não é?
Presidenta: Sem dúvida, eu acredito que atrasa um pouco, mas ele também tem um efeito recuperador.
Jornalista: De reconstrução?
Presidenta: É, de reconstrução. E é lamentável que as pessoas tenham perdido tantas coisas, mas você vai ter de reconstruir. Aquele país vai ter de ser reconstruído. Vai ter de construir casas.
Jornalista: Tudo, não é?
Presidenta: Tudo. É impressionante o que é a natureza, não é? Você veja que não é tanto o terremoto. É o terremoto, é óbvio que é o terremoto que produz o tsunami, mas o devastador é o tsunami.
Jornalista: Gente...
Presidenta: Que força! Nem nos pesadelos maiores você consegue saber o que é uma onda de dez metros, não é?
Jornalista: É.
(...)
Presidenta: É, mas é o fato de que nós, pela primeira vez vimos, em tempo real, uma coisa dessas.
_______: (incompreensível)
Presidenta: Em um país que tem uma quantidade de instrumentos, de criação de imagens que eu acho que nenhum outro tem, não é? E que colocou essa imagem dentro da sua casa. Então, o efeito é a gente... Porque falaram que teve outros terremotos que foram tão graves, mas só que você não tinha acesso a eles, não é?
(...)
Jornalista: Tem alguns efeitos sobre o Brasil, que eu estava imaginando, Presidenta. Por exemplo, se o governo estava preocupado com a questão do câmbio, a tendência é o dinheiro ir para lá e não para cá, não é?
Presidenta: Olha, eu acho que vai ter... pode ter um efeito desses. Eu acho que vai haver uma ida do dinheiro lá. Eu não acho que é maléfico, não.
Jornalista: Mesmo os japoneses devem levar um pouco do dinheiro que têm aqui, que não é muita coisa, são uns 10 bi.
Presidenta: Não sei se isso faz diferença, não, no total de dinheiro que circula pelo mundo. Eu acho que tem dinheiro sobrando para tudo, viu?
Jornalista: É, não é?
Presidenta: Bom, eu acho.
Jornalista: Agora... Então, indo para a questão interna...
Presidenta: Que tem dinheiro para reconstrução, no Japão.
Jornalista: Para investir.
Presidenta: Tem dinheiro para investir. Ainda vai sobrar dinheiro para especular bastante.
Jornalista: Pois é, aí tenho aqui um detalhe: eu fiquei sabendo, tem uma discussão no governo, queria saber se chegou à senhora, sobre esse processo acelerado de endividamento de empresas e bancos no Brasil. Se a senhora olha os dados, realmente é um negócio interessante. É uma dívida de curto prazo que cresce rapidamente, e que vem pra cá e vira crédito aqui. Os bancos pegam dinheiro lá de curto prazo e emprestam aqui.
Presidenta: Eles estão tentando... aí eles tentando... se isso está acontecendo, Cláudia, nessa dimensão, eles estão tentando ganhar na arbitragem. Juro baixo lá... isso é aquilo que o Delfim chamava de “um peru de natal”, não é?
Jornalista: É o último “peru de natal”.
Presidenta: Uma coisa assim. Arbitragem, não é?
Jornalista: Pois é, porque... o governo estaria pensando, por acaso, em encarecer esse financiamento? Taxar esse financiamento como fez com renda fixa, como fez com outras coisas? Quer dizer, encarecer o dinheiro externo para evitar esse endividamento aqui? Porque esse endividamento, ele é perigoso no seguinte sentido: se amanhã os Estados Unidos resolvem aumentar os juros e o câmbio de lá valoriza, nós chegamos a uma situação difícil aqui.
Presidenta: Eu acho que você tem de ter cuidado, você tem de distinguir o que é dívida para investimento e o que é dívida para aplicação de curto prazo. Quem está fazendo isso, imagino que esteja fazendo também hedge, que é outra coisa velha, do século passado, do século vinte...
Jornalista: É, em [19]99, a gente imaginava que estava (incompreensível) e várias empresas quebraram...
Presidenta: Agora, quem não se precaver e fizer esse tipo de especulação, vai correr os riscos decorrentes do que está fazendo. Todo mundo aí é adulto.
Jornalista: Agora, Presidenta, existe a chance de um pacote cambial iminente? Todo dia sai notícias sobre isso...
Presidenta: Olha...
Jornalista: ... o Mantega está preparando, o governo quer isso, quer aquilo...
Presidenta: Ô, Cláudia, tem umas coisas que eu acho fantásticas, você entende, no jornal. Tem coisa que diz o seguinte: “A Presidenta disse que...” Eu nunca abri minha santa boca para dizer nada. Tem avaliações que tem ministro subindo e ministro caindo, que são absurdas, mas absurdas. Por exemplo, fala que o ministro A, B, C e D está na... como é que se chama isso? Não é nem purgatório...
Jornalista: Limbo.
Presidenta: Está na bolsa das apostas, desvalorizadíssimo, e que o ministro C, D e E é maravilhoso. Eu acho, Cláudia, que um governo não pode ser pautado e nem dar importância – apesar de eu achar que as pessoas sempre se ressentem um pouco – não pode se pautar por esse tipo de avaliação. Nenhum presidente avalia os seus ministros dessa forma. Eu já fui ministra, eu sei como é que funciona. Nenhum presidente pode olhar também – eu estou te dando uma... fazendo uma imagem – fazer pacotes ou não de acordo com o flutuar das coisas. Quando você faz, você toma algumas medidas, você toma algumas medidas porque elas têm suíte, elas têm a ver com o todo que você está fazendo. Agora, por exemplo, eu posso te adiantar algumas coisas: eu não vou permitir, em hipótese alguma, que a inflação volte no Brasil. Eu não permitirei. Não permitirei que a inflação, sob qualquer circunstância, volte. Eu também, Cláudia, não acredito nas regras que ficam falando, em março, sobre que o Brasil não crescerá. Eu tenho certeza de que o Brasil vai crescer, entre 4,5% e 5%.
Jornalista: Este ano?
Presidenta: Este ano. Nós... Não tem nenhuma inconsistência em cortar R$ 50 bilhões e manter o BNDES emprestando para o setor privado, nenhuma inconsistência. Dar R$ 55 bilhões para o BNDES fazer, com o dinheiro que tem, a carteira para garantir um programa de sustentação do investimento. Não tem nenhuma inconsistência, do nosso ponto de vista, com o fato de que o país pode aumentar a sua oferta de bens e serviços aumentando seus investimentos. Porque, ao fazê-lo, no médio prazo ele vai contribuir para diminuir qualquer pressão de demanda. Hoje, eu acho que aquela velha discussão sobre qual é o potencial de crescimento do país tem de ser revista. Você lembra que eles diziam que era 3,5[%]?
Jornalista: Era 3,5 [%], subiu para...
Presidenta: Eu ouvi, outro dia, o Banco Central...
Jornalista: Agora, depois da crise (incompreensível) decresceu.
Presidenta: Decresceu. É, mas... eu vi o Banco... depois da crise cresceu, depois de 2010, com nós crescendo a 7,5% puxados pelo crescimento de bens de capital e um crescimento da taxa de investimento, não é consistente. Então, o que eu te digo é o seguinte: não acho, não acho que é possível fazer qualquer, qualquer negociação com a taxa de inflação. Não farei, não admitirei, e controlarei a inflação atual.
Jornalista: Aquele negócio de “um pouquinho mais de inflação para um pouquinho mais de crescimento”, isso é bobagem, não?
Presidenta: É que não funciona, não é assim.
Jornalista: É porque a inflação não vira um pouquinho...
Presidenta: Não, não é assim. É aquela história da pequena gravidez. Não tem uma pequena gravidez. Ou tem gravidez ou não tem gravidez. Essa é uma imagem velha.
Jornalista: Agora, a senhora acha, então, que...
Presidenta: Eu acho que não tem negociação da inflação. Agora, isso não signifique, não significa, porque eu não acho que a inflação no Brasil é de demanda. Pode ser que seja essa a divergência que a gente tenha com alguns segmentos. Nós não achamos que ela é de demanda. Nós achamos que tem alguns desequilíbrios, que às vezes provocam crescimento em certos setores. Agora, é inequívoco que houve, nos últimos tempos, um crescimento do índice de preços de alimentos. Já reduziu, já reduziu. Houve um crescimento, nós sabemos que é todo ano igual, do preço do material escolar e da educação. Houve um aumento do preço dos transportes urbanos, onde eles são medidos, isto é, São Paulo.
Jornalista: Também sazonal.
Presidenta: Também sazonal. Há um crescimento de serviços? Há um crescimento de serviços. Isso a gente tem de acompanhar? Tem de acompanhar. Agora, o que não é possível é falar que o Brasil está crescendo além da sua capacidade – portanto, tem um crescimento pressionando e aumentando a inflação. O mundo inteiro, nessa área, na área dos emergentes, está passando por isso, todo mundo.
Jornalista: Inflação.
Presidenta: Houve um processo de pressão inflacionária que tem um componente ligado às commodities, que tem fator inercial no Brasil, apesar de não haver uma relação direta, você tem os fatores, vamos dizer, de contaminação. Agora, o que é real é que é compatível combater a inflação, segurar a inflação e, ao mesmo tempo, garantir uma taxa de crescimento sustentável para o país. Porque, caso contrário, é aquela velha tese, você entende, que você tem de derrubar a economia brasileira. Nós não vamos fazer isso, não vamos, não estamos fazendo. Estamos tomando as medidas sérias e sóbrias? Estamos. Estamos contendo os gastos públicos, estamos contendo os gastos públicos. Tanto estamos, que os resultados do superávit primário de janeiro, e eu tenho certeza, o de fevereiro, vão fechar de forma significativa para o que nós queremos. Nós vamos conter o custeio do governo. Nós damos muita importância ao controle de certa despesa. Nós estamos esfriando a expansão do custeio ao máximo. Agora, não precisamos expandir um investimento para além da expansão do maior momento da nossa expansão de investimento, que foi o ano passado.
Jornalista: Que ainda está baixo...
Presidenta: Mas nós vamos manter ele alto assim e vamos fazer isso, ó... e subir. Olhe quanto é que nós investimos em janeiro: R$ 2,5 bilhões. Pagos. Pagos. O pessoal fala dos restos a pagar. Ninguém faz plano de investimento de longo prazo no Brasil sem fazer restos a pagar.
Jornalista: Muito alto...
Presidenta: Por quê? É muito alto. Ou o nosso investimento é baixo ou muito alto. Eu levei dois anos – eu estava até há pouco, recebi o governador do Mato Grosso, estava discutindo com ele a [BR] 163. Nós passamos, em 2007, um tempo bem grande nisso – em 2008 estava também com o senador Blairo Maggi, o Silval e o Blairo Maggi – brigando para fazer a [BR]163, para colocar ela em ritmo. Estavam me dizendo como ela está bem. Tem quase 1.100 Km entre o Paraná e o Mato Grosso. É todo o escoamento da nossa produção. A obra está lá em cima, e agora ela decolou. Agora ela está em regime de cruzeiro.
No caso de outros setores, nós estamos nos preparando para ter uma intervenção bem forte, no que se refere a aeroportos. Nós vamos fazer concessões, aceitar investimentos da iniciativa privada que sejam adequados aos planos de expansão que a gente vê como necessários. Vamos articular a expansão também de aeroportos, do ponto de vista dos recursos públicos, mas vamos fazer concessões. Nós não temos preconceito contra nenhuma forma de expansão do investimento na área de aeroportos, nenhum. Como não tivemos na área de rodovias. Por que eu não fiz a [BR] 163? Na época que eu era ministra-chefe da Casa Civil, pela orientação do presidente Lula, nós tínhamos que fazer a [BR] 163. Aí, quando eu cheguei, tinha um projeto de privatizar...
Jornalista: Fazer a concessão dela?
Presidenta: Não, não era concessão, era privatizar completamente. É aí, esse projeto... dar para o setor privado ficar com ela, passar tudo. Esse projeto, que tinha sido herdado de antes, que não estava muito fundamentado, virou um projeto de concessão e eu o recebi, então, como um projeto de concessão. Aí, fomos olhar, fizemos todo um levantamento com o setor privado. Sabe quanto era o cálculo da tarifa média? R$ 900,00. Isso mostra que essa rodovia não era compatível com concessão. O Estado tinha de fazer a obra pública, talvez um dia, lá no futuro, quando você tivesse de duplicar, você podia fazer concessão, porque ela já tinha se desenvolvido e criado fonte geradora para si mesma. Agora, as BRs que estavam, por exemplo, a Regis Bittencourt dava para você fazer concessão, ela se mantém. E ela pode ser expandida, você pode ter investimento. O que não é possível é você usar o mesmo remédio para todos os problemas.
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: Então, eu estou te dizendo: na área de aeroportos, pode esperar: nós vamos fazer concessão, nós vamos contratar... concessão, assim, do que existe: “Eu quero fazer um outro terminal em um aeroporto”. Vou fazer concessão. Vou fazer concessão, vai ser desse jeito e tal. Posso fazer concessão administrativa com cláusula de expansão. Posso fazer uma concessão onde nada existe, tipo assim: a construção de uma hidrelétrica nova, que você concede, você tem a concessão, estou licitando a concessão para construir um aeroporto em tal lugar, certo? Então, o projeto, a apresentação, da mesma forma que se faz em uma hidrelétrica, se fará no aeroporto.
Jornalista: Tá.
Presidenta: Tá? É possível, ainda, que haja necessidade de investimento público em alguns aeroportos. Este país terá de ter aeroportos regionais. Nós temos de discutir a aviação regional, quando... nós iremos criar a Secretaria de Aviação Civil com status de ministério. Por que nós iremos criar? Porque nós queremos uma verdadeira transformação nessa área de aeroportos. Para ela irá a Anac, a Infraero e a estrutura para fazer a política, toda essa política que eu estou dizendo, na área da Secretaria (incompreensível).
Jornalista: A senhora manda a medida provisória já?
Presidenta: Eu estou pensando em mandar até o final deste mês.
(...)
Presidenta: Ainda estamos discutindo, em várias esferas aí, o nome do secretário de Aviação Civil.
Jornalista: (incompreensível)
(...)
Presidenta: (...) a gente considera que o Rossano é um excepcional executivo.
(...)
Jornalista: Agora, Presidenta, eu queria voltar à questão da inflação pelo seguinte, o raciocínio ficou incompleto. A senhora disse o seguinte: “não vamos derrubar a economia e vamos derrubar a inflação”. No fundo é isso. Agora, a maneira...
Presidenta: Não só isso. Eu não negocio com inflação.
Jornalista: Isso significa o quê, do ponto de vista do regime de metas?
Presidenta: Significa que é 4,5[%], que nós vamos perseguir 4,5[%]. Tem banda para cima e banda para baixo, que nós sempre tentamos, sempre tentamos, apesar da banda, a gente sempre tenta forçar a inflação para a meta até lá no centro. Entendeu?
Jornalista: E por que essa descrença do mercado? O mercado está com uma descrença, acha que o Banco Central está sendo tutelado, acha que o Banco Central foi frouxo nos juros, virou...
Presidenta: (incompreensível)
Jornalista: É. Foi frouxo, porque o Palácio tinha autorizado 0,75 [%], e o Tombini não usou essa autorização...
Presidenta: (Incompreensível). Hoje, inclusive, (incompreensível) estava me dizendo isso. Eu não vejo o Tombini há um mês, não vejo e não falo há um mês. Aproximadamente... eu lembro uma vez que ele viajou... a última vez que eu falei com ele foi antes dessa viagem, eu acho que foi a vez que ele foi...
_________: A Davos, não?
_________: Depois.
Presidenta: Eu não lembro mais. Ele foi participar do (incompreensível) Em uma das viagens, a última viagem muito tempo atrás.
Jornalista: O Tombini é dovish?
Presidenta: Ah, Dovish? E eu sou ararish (de arara).
(...)
Presidenta: Sabe, o mercado todo apostou que este país ia para o beleléu em 2009.
Jornalista: Em 2009?
Presidenta: Opa, junto com (incompreensível) em 2009, o mercado apostava que este país ia para o beleléu. No final de 2009 ele já tinha começado a se recuperar. O mercado apostou em uma taxa de juros elevadíssima quando o mundo já estava em recessão. Então, eu acho o seguinte: eu acho que o mercado acerta. O mercado erra, o mercado acerta, o mercado erra, o mercado acerta. Eu não acho que a gente tem que desconsiderar o mercado; a gente tem que sempre estar atento à opinião do mercado. Ela integra um dos elementos importantes da realidade, um dos principais elementos da realidade. Agora, não é o único. Eu sempre vou considerar... levo essa história de "dovish" e "hawkish" como uma brincadeira, um anglicismo.
(...)
Presidenta: Agora, eu acho que o Banco Central – é aquilo que eu te disse – para mim, ele tem autonomia para fazer a política dele. E está fazendo. Acho que... em nenhum momento... eu tenho assim a minha imensa tranquilidade em te dizer: em nenhum momento eu tergiverso com inflação. E não acredito que o Banco Central o faça.
Jornalista: Essa opção por fazer uma política monetária diferente pode estar criando esse mal-estar, não é? Porque o mercado gostava de juros, porque juros era uma coisa que... decidiu, está ali. Trabalhar com um universo prudencial é um universo onde ele não enxerga...
Presidenta: É, mas ele é o que... o que é o moderno. Vamos dizer o seguinte: o mercado tem os seus instrumentos tradicionais, mas tem também os incorporados recentemente...
Jornalista: No pós-crise.
Presidenta: ... no pós-crise. E esses... você tem que combinar, não pode ser fundamentalista, não é? Não é bom. Então combina os dois, que o efeito ocorre.
Jornalista: Agora, a senhora disse tem 4,5[%] (inflação), mas neste ano não tem mais condições de 4,5[%]. Vai ficar dentro da banda...
Presidenta: Eu estou com... eu vi isso aí, e acho que teve um artigo interessante escrito pelo Delfim a respeito de que não existe lei divina que diz que é 3[%] a taxa de crescimento do PIB e que é 6[%] a inflação. Eu acho que isso tudo é adivinhação.
Jornalista: Quer dizer, o ano não está dado.
Presidenta: Não. Depende da gente. E como ele não está dado e nós mostramos que o ano não estava dado na hora da crise, vamos mostrar que o ano não está dado também na hora da inflação e do crescimento sustentado da economia brasileira. A gente já fez isso uma vez. Agora a gente está fazendo o outro lado. Quando eu te digo que a gente tem essa firme convicção de que não se negocia com a inflação, é porque você pode saber que nós passamos todo o tempo olhando isso. Por isso eu acredito no que faz o Banco Central, no que faz o Ministério da Fazenda.
Jornalista: Agora, Presidenta, tem um elemento já dado para o ano que vem, que está assustando Deus e o mundo que faz contas, que é a superindexação do salário-mínimo. No momento em que você vai estar no auge da briga anti-inflacionária.
Presidenta: Eu estou brigando, a minha briga inflacionária já começou, viu?
Jornalista: Não, tudo bem.
Presidenta: Está no auge do... (incompreensível).
Jornalista: Mas, esse negócio da superindexação do salário-mínimo, não seria a hora, depois de 17 anos de plano de estabilização, a gente desindexar tudo?
Presidenta: Eu acho que no futuro nós vamos ter um salário-mínimo mais, eu diria assim, mais passível de não haver um cuidado com ele, em termos de valorização. Quando? Quando se tiver um crescimento sustentado neste país. O que aconteceu com o salário-mínimo ao longo do tempo? Uma baita desvalorização, uma baita desvalorização do salário-mínimo. Seja porque ele não ganhava sequer a correção inflacionária, seja porque ele vinha de patamares muito baixos. Eu acho que um dos fatores que ainda não se esgotou é a valorização do salário-mínimo. E foi isso que nós sinalizamos aquele dia na Câmara: nós não fazemos qualquer negócio. Quando a economia vai mal, nós não vamos dar reajuste, é zero. Nós vamos dar a inflação. Agora, quando a economia vai bem, com um delay – tem um delay de um ano – nós damos o que a economia ganhou ali, porque nós acreditamos que houve um ganho global de produtividade e de, vamos dizer, de crescimento sistêmico. Então, o delay amortece isso, o atraso de um ano amortece, mas transfere para o trabalhador um ganho que é dele, é da economia como um todo.
Caso contrário, você teria uma situação estranha: ter indexação do salário não tendo lucro? Tem indexação do salário e não tem dos outros ganhos? Não é verdade. Então, dar ao trabalhador o direito de receber o ganho decorrente do crescimento do país, com o cuidado de não ser automático, para você poder ter a acomodação necessária, é fundamental. Seria muito diferente se a gente fizesse a inflação do [ano] corrente e o PIB do ano anterior. Mas não é isso que nós estamos fazendo; nós estamos dando inflação corrente e o PIB de dois anos antes.
Eu acho que o acordo feito entre as centrais e o governo do presidente Lula, ele dá conta dessa época que nós estamos vivendo, em que nós estamos recuperando e valorizando o salário-mínimo. Ele não vai dar conta de uma outra época futura neste país onde nós teremos mantida uma taxa de crescimento sistemática durante um período mais longo – mais de cinco anos, por exemplo. Aí sim, aí você teria um nível de recuperação da renda que justifica você ter outra meta. Agora, o que nós fizemos, e explicamos isso para as centrais, foi: primeiro, manter um acordo. Um acordo que tinha uma sustentação política, uma sustentação de visão econômica da questão do salário-mínimo. E manter esse acordo... Falaram: “Não, vocês estão sendo rígidos”. Nós não estamos sendo rígidos. Nós estamos cumprindo uma regra que nós estabelecemos de comum acordo. Em 2009, não teve crescimento, não teve.
Jornalista: Em compensação, vai dar 13,9[%] no ano que vem.
Presidenta: Pois é, mas nós não ignoramos esse fato. Neste período, nós temos condições de metabolizar, do ponto de vista do sistema econômico, um aumento que transfere o ganho desse ano que passou e vai para o salário-mínimo.
Jornalista: E os aposentados? Esse aumento...
Presidenta: Não. Esse aumento vai para 70% dos aposentados.
Jornalista: Que ganham salário-mínimo...
Presidenta: Que ganham salário-mínimo. Quem não ganha salário-mínimo não tem esse aumento, porque não tem indexação.
Jornalista: A duração do acordo é até esse ano que vem?
Presidenta: É assim: até 2015.
Jornalista: Ah, 2015.
Presidenta: É até 2015. Porque em 2014 nós temos de apresentar para 2015. A partir daí, a negociação tem que ser refeita.
Jornalista: Aí pode indexar a produtividade, por exemplo?
Presidenta: Eu não sei, aí eu não sei. Espero que a gente tenha uma boa valorização do salário-mínimo, e quando chegar na hora vai ter de ser rediscutido.
Mas foi isso que foi acertado entre nós: a cada período de quatro anos a gente revisava, para avaliar inclusive esse efeito. Eu não acho que é indexação. Acho que quem está falando que é indexação tem uma imensa má vontade com o trabalhador brasileiro. Um dos fatores que... Nós, em algumas regiões do país e em alguns setores da sociedade, temos de fazer com que eles cresçam a uma taxa maior do que a média, para você poder diminuir a desigualdade. Isso vale para o Nordeste, isso vale para o Norte, vale para setores que são Nordeste e o Sul, como a Metade Sul do Rio Grande [do Sul], como o Vale do Jequitinhonha, em Minas, como o Vale do Ribeira, em São Paulo.
Agora, a mesma coisa acontece nas camadas sociais: se eles não crescerem um pouco mais, você não reduz a desigualdade. Então, também tem uma estratégia que olha o Brasil com um olho de que ele não pode ser tão desigual, porque não é bom pra ele. Não é bom politicamente, não é bom socialmente, não é bom do ponto de vista da economia. Porque está provado que este país sustenta... Ele tem 190 milhões de habitantes, chama-se BRIC por isso. O que nos aproxima da Índia, da Rússia e da China não é tanto o fato de a gente ser emergente. O que nos aproxima...
Jornalista: É a miséria, embutida no processo de...
Presidenta: É o fato de que países que têm a oportunidade histórica de dar um salto para frente... Eu acho que os pequenos também têm, tá? Eu não estou falando dos pequenos não. Mas um país com 190 milhões [de habitantes], um país continental com toda a sorte de riquezas, quando a sua população desperta para o mercado e passa a incorporar esse mercado é um dos fatores que acelera o crescimento, que explica porque o meu crescimento pode ter taxas maiores do que as de crescimento de países desenvolvidos. Outro fator é, se eu conseguir criar massivamente um processo de educação para a população. Educação em todos os níveis: do fundamental, passando pelo médio e ensino profissional. E formação de pessoas ligadas à Ciência e Tecnologia que permita que o país comece a gerar inovação.
Jornalista: A senhora está falando sobre programa de...
Presidenta: Essas três coisas explicam muito os Estados Unidos, e é nelas que a gente tem de apostar para o Brasil dar um salto. Nós temos hoje uma janela de oportunidade única. E, além disso, (incompreensível) a gente tem petróleo, biocombustível, hidrelétrica, minério, e somos uma potência alimentar. Não queremos ser só "commoditizados", queremos agregar valor. Por isso insistimos, por exemplo, em parcerias estratégicas com os outros países. Agora mesmo, vamos propor uma para os Estados Unidos, nessa área.
Jornalista: Como?
Presidenta: Nós vamos propor na área de satélites, principalmente, satélite de avaliação do clima. Vamos propor também parcerias em algumas outras áreas. Eu vou te dar um exemplo: acho fundamental o Brasil apostar também na formação no exterior. Todos os países que deram um salto apostaram.
Jornalista: Formação de profissionais lá.
Presidenta: Nós queremos na área de ciências exatas: Matemática, Física, Química, Biologia e Engenharia.
Jornalista: Que tipo de parceria?
Presidenta: Estudo. Nós queremos bolsa lá fora.
Jornalista: Dada pelo governo americano?
Presidenta: Não, por nós mesmos. Ou o governo... Nós queremos uma parceria com o governo americano, no sentido de vagas nas melhores universidades.
(...)
Presidenta: Mas não é só com os Estados Unidos, não é? Nós vamos tentar fazer isso de forma bem sistemática.
Jornalista: Já que a gente entrou na visita do Obama, assim, o sumo que a senhora espera dessa aproximação?
Presidenta: Eu acho que, tanto para nós como para os Estados Unidos, o grande sumo disso tudo, o que fica, é a progressiva consciência de que o Brasil é um país que assumiu seu papel internacional e que pode, pelo fato de seus vínculos históricos com os Estados Unidos e de estar na mesma região, ser um parceiro importantíssimo. Isso a gente constrói. Agora, essa consciência é importante. Nós não somos um país da época da "Aliança para o Progresso".
Jornalista: Tutelado.
Presidenta: Ou um país que precisa desse tipo de ajuda, que a “Aliança para o Progresso” dava. Não que a “Aliança para o Progresso” não tenha seus méritos, pode ter tido seus méritos. Agora, não é isso mais que o Brasil é. O Brasil é um país, inclusive, que os Estados Unidos têm de olhar de uma forma, assim, muito circunstanciada, sabe por quê? Olha aqui: que outro país no mundo tem a reserva de petróleo que nós vamos ter... Não, que nós já temos, não é? Está para lá de provado que nós temos. Mas que não tem guerra, não tem conflito étnico, é uma democracia, respeita contratos, tem princípios democráticos extremamente claros e tem uma forma de visão do mundo tão generosa e pró-paz? Tem uma coisa que eu acho que o Brasil tem, em relação ao mundo: Acho que o Brasil, e por isso que eu sempre dei... tenho dado importância a isso, tematicamente.
Uma questão é fundamental: um país democrático ocidental como nós tem de ser um país que tenha perfeita consciência da questão dos Direitos Humanos. E isso vale para todos. Se eu não concordo com apedrejamento de mulher, eu também não posso concordar com gente presa sem julgamento a vida inteira, não é? Vale para o Irã, vale para os Estados Unidos e vale para o Brasil. Porque também você não pode dar uma de bacana e achar que seu país pode ficar dando carta para o alheio e não olhar para suas próprias mazelas.
Jornalista: Para o seu sistema carcerário, por exemplo.
Presidenta: Para o seu sistema carcerário, sua política com relação a preso, não é? Chega até... uma questão de direitos humanos é o direito de criança comer, é o direito das pessoas estudarem. Mas é também direitos humanos no sentido amplo da palavra, o direito e o respeito à liberdade... Então, o que eu acho? Eu acho que o Brasil, ele tem de manter essa postura diante do mundo também. Acho que quando o Brasil se encontra com os Estados Unidos...
Jornalista: Tolerância.
Presidenta: Tolerância. Não, essa capacidade de conviver com a diferença, de ninguém achar que tem um lado melhor que o outro, assim, do ponto de vista humano da palavra, a tolerância, a flexibilidade, o hábito de conviver com o diverso. Um país com a raiz cultural que nós temos, e que tem uma cultura tão múltipla, e que tem esse gosto mais pelo consenso ou pela discussão, pela conversa, do que pela briga – apesar, também, de ser um país que “dá um boi para não entrar na briga, mas dá uma boiada para não sair”, porque também tem seu orgulho – tudo isso eu acho que caracteriza uma contribuição que o país como... pode dar, no sentido de construção da paz no mundo.
(...)
Jornalista: Eu não perguntei se no seu governo o BC era tutelado, mas a senhora respondeu.
Presidenta: Quem que era tutelado?
Jornalista: O BC.
Presidenta: Não.
Jornalista: A senhora já respondeu que não é tutelado.
Presidenta: Não só não é, como eu acredito em um Banco Central extremamente profissional e autônomo. E acho que esse Banco Central será um Banco Central profissional e autônomo.
Jornalista: Outra coisa: não, tem essa questão aqui da Previdência...
Presidenta: E eu não sei se não estão tentando diminuir a importância desse Banco Central não. Temo muito isso.
Jornalista: Como assim?
Presidenta: Porque ele não é um Banco Central, ele é um Banco Central que não tem gente do mercado.
Presidenta: Ele é técnico.
Jornalista: Mas não vai ter?
Presidenta: Pode ter, sim.
Jornalista: Também não há...
Presidenta: (incompreensível). A gente não é fundamentalista.
Jornalista: Não há...
Presidenta: Isso é um besteirol falar que tem que ser assim ou “assado”. Desde que o cara seja bom, ele pode vir de onde vier.
(...)
Jornalista: Pois é. Então, outra pergunta que eu não posso deixar de fazer: reforma da Previdência. A senhora disse naquela outra conversa: “não”. Agora, a regulamentação da previdência pública...
Presidenta: É outra coisa, outra coisa. Aí, está... a gente está aberto para fazer essas... para várias regulamentações que melhorem o sistema, a gente está aberto, principalmente na previdência pública.
Jornalista: Fazer, então, criar a previdência complementar no setor público, a senhora vai mandar a proposta?
Presidenta: Olha, nós... já está no Congresso. Já foi mandado.
Jornalista: Vai tirar da gaveta, é isso?
Presidenta: Não, não está na gaveta, nós vamos tentar ver se vota, como é que faz. Agora, nós não queremos tirar direito do trabalhador não. Não vem que não tem, que nós não queremos.
Jornalista: Não, mas é para quem entrar. É gente nova que entrar.
Presidenta: Pois é, mas aí tem de ver como é que vai ser feito. Nós não estamos ainda discutindo isso.
Jornalista: Outra coisa que está saindo nos jornais, todo dia um pedacinho, é que a senhora vai mandar quatro projetos de reforma tributária: um para a questão dos portos, que eu não entendi muito bem.
Presidenta: Não é para a questão dos portos.
Jornalista: Para encarecer a importação?
Presidenta: Não, é aquele negócio que está entrando no Brasil... importados pelo porto.
Jornalista: Sim.
Presidenta: Com ICMS lá embaixo.
Jornalista: Dado pelos estados. Os estado isentam os portos.
Presidenta: E aí, esse... não, não é o porto. Isso é a entrada do...
Jornalista: Ah, é o importado.
Presidenta: O importado. E ele pega e detona uma cadeia produtiva que... é a guerra fiscal, minha querida. Mas eu não vou te adiantar o que eu vou mandar, tudo não.
Jornalista: Não?
Presidenta: Não, não está maduro ainda. Mas nós vamos mandar.
Jornalista: Só para concluir, então...
Presidenta: Nós vamos ter três coisas que nós vamos mandar: medidas... nós estamos preferindo mandar sob a forma de medidas.
Jornalista: Medidas Provisórias?
Presidenta: Tributárias. Não. Medidas tributárias. Nós não vamos fazer uma reforma, aquela que vai tudo junto em uma lei só. Nós vamos mandar várias medidas.
Jornalista: Projeto de lei.
Presidenta: É, para poder... Às vezes, um deputado concorda com uma e não concorda com a outra, e pelo menos nós temos uma parte aprovada. Porque já mandamos duas, não é, se você contar o governo do presidente Lula. Bom, então nós vamos mandar medidas tributárias, nós vamos mandar o Pronatec.
Jornalista: Que é o...
Presidenta: Programa Nacional de Ensino Técnico. E vamos mandar um Programa de Erradicação da Pobreza.
Jornalista: E o que tem esses dois?
Presidenta: Também não posso te adiantar, porque não está fechado.
Jornalista: Esse aqui é o tal do...
Presidenta: É o que nós vamos...
Jornalista: ...250 para 270 horas?
Presidenta: Esse aqui não. Esse aqui é garantir que o ensino médio tenha um componente complementar profissional, de um lado. De outro lado, garantir que tenha uma formação para os trabalhadores brasileiros, de formação profissional, de forma que você não tenha a seguinte situação: sobra trabalhador aqui e falta trabalhador aqui. Isso é um pouquinho mais complicado, então não posso dar todas as medidas, porque também interfere em outros setores.
Jornalista: E essas quatro aqui? Da tributária, propriamente dita? Isso aqui é ICMS, isso aqui é governadores, eles é que vão ter que resolver isso aqui. Não?
Presidenta: Não, não. É uma regulamentação. Isso já está no Senado.
Jornalista: Folha, está aqui, em uma delas? Ou não vai ter isso? Tem gente que já me...
Presidenta: Pois é, as medidas tributárias eu não posso falar, sabe por que, Cláudia? Porque cria uma especulação que, às vezes, é muito negativa. Você sabe que sempre que se você fizer medidas tributárias, você vai readequar o imposto, uma imposição sobre segmentos. E aí é importante que a gente teste, para a emenda não ficar pior que o soneto. É por isso que eu não te antecipo a medida.
Jornalista: Agora, isso é coisa para já? Para este semestre?
Presidenta: Na nossa agenda é neste semestre. Essas duas, é para já, já, já. Essa é para já.
Jornalista: Qual é o sumo desse aqui? Qual é o mote desse, da Erradicação da Pobreza?
Presidenta: É você chegar, nesses quatro anos, próximo – você não vai conseguir fazer tudo, mas próximo – de tirar da pobreza os 19 – mais ou menos – milhões que faltam. Nós termos uma política que... Porque se você não olhar para, você não consegue tirar.
Jornalista: Mas é com... o instrumental é o Bolsa Família?
Presidenta: Nos já começamos a mexer no Bolsa Família, aumentando a parte de criança. É com isso, é uma parte disso também vai ajudar, é com microcrédito, é com incentivo à agricultura familiar de uma outra forma. Nós estamos passando em revista as tropas e mudando muita coisa. E, sabe sintonia fina? Tem desse pessoal aí que estuda a pobreza que diz o seguinte: se você não focar, quase olhando, customizando a pobreza, sabendo quem é quem, olhando a cara dela, você não consegue tirar as pessoas. E nós queremos, desta vez, portas de saída, estruturar portas de saída.
Jornalista: Para todos, não para os 19 [milhões], não é?
Presidenta: Não, para todo mundo.
Presidenta: Também.
Jornalista: E a porta de saída não está aqui?
Presidenta: Também. Está aqui e está em manter a economia crescendo.
Jornalista: Qual o seu piso de crescimento?
Presidenta: A gente não trabalha assim. A gente trabalha com a meta de 4,5[%] acima. É assim que a gente trabalha, porque se você ficar olhando piso... a gente quer chegar ali.
Jornalista: É porque tem gente que faz conta na ponta do lápis e fala: 4,5[%], inflação com 5[%] de PIB, impossível.
Presidenta: Querida, você pode até fazer uma conta: qual é o corte que se você fizer no orçamento te... você pode fazer várias contas, é só fazer o modelo matemático. Agora, se ele é real...
Jornalista: A política fiscal não é contracionista. Ela é menos expansionista do que foi no ano passado.
Presidenta: Ela é outra coisa. Ela é uma política de consolidação fiscal.
Jornalista: Por que vocês gostam desse nome?
Presidenta: Porque nós achamos que o que se está fazendo não é... você vai ter de... sabe cortar unha? Nós, sistematicamente, nós vamos ter de consolidar, fazer consolidação fiscal. Na verdade, você tem de fazer isso todo ano, porque se você não olhar alguns gastos, eles explodem. Se você...
Jornalista: Igual estava acontecendo no Turismo, não é?
Presidenta: Se você liberar...
Jornalista: Vocês viram o que estava acontecendo? Estava indo tudo para lá. Todo mundo fazendo emendas...
_________: Torneirinha. Fecha a torneirinha...
Presidenta: Se você liberar gastos de custeio, no dia em que você acordar, ele está imenso. Então, você tem de cortar as unhas. Nós estamos cortando as unhas do custeio, e nós vamos cortar mais. Nós vamos fazer uma política de gerenciar este governo. Nós estamos revendo, passando em revista tudo o que você pode cortar. Tem que fazer isso todo ano, Cláudia. Não tem “o dia” em que a gente derruba o gasto.
Jornalista: É igual conta de casa. Se você...
Presidenta: Bobeou, levou.
(...)
Jornalista: Só não perguntei do [Roger] Agnelli, (...) Mas já está no prazo, né?
Presidenta: De quê?
Jornalista: Da Vale, pra trocar...
(...)
Presidenta: Eu não sei. Você vai estarrecer, eu não sei.
Ouça a íntegra da entrevista (59min39s) da presidenta Dilma.