10-08-2017-Discurso do Presidente da República, Michel Temer, durante assinatura de Acordos de Cooperação entre a AGU e Procuradorias-Gerais dos Estados e Distrito Federal
Brasília - DF, 10 de agosto de 2017
Eu quero cumprimentar a ministra-presidente Cármen Lúcia, quero cumprimentar a ministra-advogada Grace Mendonça, o ministro Aloysio Nunes.
Em nome do doutor Wilkie, cumprimentar a todos os procuradores-gerais do estado, meus colegas.
E começar contando um fato curioso. O Wilkie mencionou o sotaque nordestino, pois muito bem, ministra Cármen Lúcia, lá naquele congresso de Guarujá, houve um momento em que nós todos tomamos um ou dois ônibus para irmos a um evento turístico qualquer. E lá, no ônibus, naturalmente um dos presentes, no caso era o procurador-geral de Alagoas, ele a todo momento por brincadeira puxava a campainha do ônibus, puxava a campainha do ônibus, não é Aloysio, e em um dado momento o Celso Bastos diz:
- Ô fulano - que era o procurador - pára de tocar a campainha.
-Mas como é que você sabe que sou eu?
-Pelo sotaque.
Mas apenas para revelar, digamos assim, que os procuradores também têm seu momento de descontração. Não é verdade?
E eu quero, também, agradecer enormemente a possibilidade de estar aqui pelo convite gentilíssimo da doutora Grace. É momento até, penso eu, ministra Cármen Lúcia, Aloysio, um momento de recordação. Que enquanto a Grace, o Wilkie, a ministra Cármen Lúcia, se manifestava, eu me lembrava dos bons tempos de [19]83, quando fui procurador-geral do estado pela primeira vez, aliás, fui duas vezes: fui em [19]83, mas apenas por nove meses porque depois o Montoro, o governador Montoro, me chamou para ser secretário da segurança, e depois outra vez em [19]93, uma coisa assim, também por nove meses e novamente chamado a secretário da segurança.
Mas foram momentos muito oportunos, em que eu aprendi muito. E aprendi lá exatamente o seguinte, isso que a doutora Cármen Lúcia acabou de mencionar, o advogado do estado, ele tem duas tarefas distintas, uma da defesa, digamos, patrimonial do estado quando comparece no contencioso para, naturalmente, defender o poder público. Mas outra, quando faz o papel de consultor do estado. E que deve então estar obediente ao princípio da legalidade. O que ele deve defender é a legalidade. Evidentemente, neste momento, ele pode até dar pareceres que não beneficiam os estados, segundo o elenco já anunciado pela ministra Cármen Lúcia.
E é interessante que o nosso governador, presidente, também era procurador de estado, o André Franco Montoro era procurador do estado. E houve um momento quando cheguei na Procuradoria, que eu verifiquei um número infindável de ações que se repetiam e que ganhavam sempre negativa do Tribunal de Justiça. Sendo certo, que em várias ocasiões o Tribunal, muito elegantemente ainda dava um puxãozinho de orelha no estado e na Procuradoria, em face da repetição de casos semelhantes. Tão semelhantes eram, que eu me recordo, eu trabalhei no setor de mandado de segurança, que as petições eram impressas. A petição era impressa, a contestação era impressa, o parecer do Ministério Público era impressa e até, vez ou outra, aparecia uma sentença também impressa, tamanha era a repetição.
Eu fui ao governador, disse: governador, a nossa função não é essa. Porque isto incentivava a litigiosidade jurídica, que cria naturalmente uma litigiosidade social, que é indesejada pelo sistema jurídico. E o governador, que era procurador do estado, não teve dúvida: Ô Temer, faça uma representação e nós vamos desistir de todas essas ações idênticas. E sabe que naquela ocasião, depois da minha representação, acolhida pelo governador do estado, houve eliminação de milhares e milhares de ações que eram inúteis. Prestando obediência exata e precisamente a esta ideia de que você não deve litigar apenas por litigar. Mas deve litigar para buscar justiça.
E hoje, confesso, nos últimos tempos a litigância, tal como revelado estatisticamente pela presidente Cármen Lúcia, aumentou enormemente. Mais de 100 milhões hoje, 80 milhões de processos. Isto cria uma instabilidade social extraordinária, porque você coloca gente litigando no Judiciário, onerando o poder público, porque onera o Poder Judiciário, em ambas as partes. Então, a solução, que muitas e muitas vezes há de verificar-se, é esta já prevista pela ministra Cármen Lúcia, pelas palavras da doutora Grace. Em certas ocasiões é melhor representar ao superior imediato, no caso até o procurador-geral do estado, para evitar, por exemplo, recursos que não cabem mais. E eu sei como é que é, às vezes até, havia até, digamos, acomodação, porque fazer a representação dava mais trabalho do que simplesmente repetir a petição já encontradiça em vários momentos anteriores.
Então, mas isso eu fiz questão, ao longo do tempo, de demonstrar que não era possível, exata e precisamente em função da obediência ao princípio da legalidade. Até porque, como é o momento que em se discute muito essa questão, é interessante que hoje se fala muito em abuso de autoridade. Interessante que há uma visão muito autoritária da ideia de autoridade, porque as pessoas acham que autoridade é autoridade constituída e quando, na verdade, a única figura que tem autoridade no nosso sistema, é a lei. Ou seja, quando há ultrapasse dos limites legais, é que há abuso de autoridade. E as pessoas interpretam o presidente da República, autoridade constituída, isto é abuso de autoridade. Não é, na verdade, reitero, você só abusa da autoridade quando ultrapassa os limites da lei. Não é verdade?
E por isso, eu digo isso, isto está muito ligado a exposição que Grace e a ministra Cármen Lúcia fizeram, mostrando que a lei é que deve imperar em todos os momentos. Como deve imperar, interessante, de vez em quando eu digo isso, ministra Cármen Lúcia, a história da harmonia entre os poderes. Parece que a harmonia entre os poderes é uma coisa que há de ser praticada por pessoas e não é só isso não. A harmonia entre os poderes é uma determinação constitucional, porque quando a soberania popular manifestou-se, criando o Estado brasileiro, nos vários instantes da nossa história, especialmente nesse último de 05 de outubro de [19]88. A soberania popular determinou a harmonia e independência entre os poderes. Então, toda vez que você presta relevo, importância às palavras e ao sistema montado na Constituição, você destrói o próprio sistema.
Então, eu venho aqui, doutora Grace, que devo dizer, tem prestado um serviço extraordinário a União Federal. Eu não digo ao presidente da República, porque ela presta serviços à União Federal. E claro, que o veículo natural é o presidente da República e ela a todo instante me telefona, está comigo para, convenhamos, muitas vezes orientar-me. Para dizer: olhe, neste caso, é melhor fazer assim, assado. Neste caso, é melhor não levar adiante. Sempre atenta, reitero, ao princípio da legalidade. E tem prestado um serviço relevantíssimo. Tanto que não se fala, graças à Deus, da Advocacia Geral da União. É um bom sinal. Que a doutora Grace fica trabalhando lá no Supremo Tribunal Federal. Ela vai lá, conversa com os ministros, peticiona, faz sustentações orais. E sustentações orais sempre, naturalmente, primorosas. E porque primorosas, vitoriosas.
Então, eu quero publicamente agradecer a doutora Grace, cumprimentá-la por este encontro. Este encontro que tem na sua radical, na sua raiz, foi enfatizado. Porque é interessante, tomo a liberdade de dizê-lo, a nossa Federação, é a Federação capenga, ela não é verdadeira, ela é artificial. Tanto que a autonomia dos estados é muito restrita no nosso sistema. Sempre foi assim, em todos os movimentos, vocês pegam de [18]91, a primeira Constituição, até [19]30, quando se verificou um sistema centralizador. Nós tínhamos uma Constituição nova, mas realmente não democrática e autoritária, na realidade.
Bom, essa vocação que nós temos para centralização, é uma coisa tão extraordinária, que a história constitucional brasileira o revela. Quando chegamos em [19]30, vamos centralizar o poder, de [19]30 à [19]45, abicando em [19]34 e [19]37, mas vamos lá com um sistema centralizador também contestado, também contestado, embora a constituição de [19]34 como [19]37 também um outro laivo de natureza democrática e federativa.
Daí vem [19]45, 46, Constituição de 18 de setembro de [19]46, democracia e federação. Só conflitos. Só conflitos o tempo todo. De 18 de setembro de [19]46 até [19]64, conflitos e mais conflitos, ou seja, uma dissonância entre a constituição formal, ou seja, aquilo que estava escrito, e a constituição real, ou seja, aquilo que acontecia no Estado brasileiro.
E daí, a nossa velha vocação centralizadora deu no movimento de [19]64. Todos aplaudiram o movimento de [19]64, muito bem, centralização, que coisa boa, e etc, etc, cai a federação, cai a democracia, que perdura até [19]88. Em 5 de outubro de [19]88 renasce a democracia com uma federação ainda pálida, que ao longo do tempo foi esmaecendo cada vez mais, até praticamente destruí-la, porque, eu digo isso com muita tranquilidade, hoje eu presido a União Federal.
Mas, ao longo do tempo, especialmente no tópico da distribuição de competências, e particularmente no tópico dos recursos próprios dos estados, o que que a União foi fazendo, a União foi trazendo para si a grande massa dos tributos, tanto que a própria chamada Contribuição de Movimentação Financeira, a CPMF, no primeiro instante foi o imposto, imposto provisório de movimentação financeira e como imposto era partilhável pelos fundos de participação dos estados e dos municípios. Quando a União se deu conta disso, ela mudou a denominação ao fundamento de que mudando a denominação mudaria a natureza jurídica. Coisa curiosa isso. Quando você mudar a denominação, não muda a natureza jurídica.
E assim passou a ser contribuição para quê? Para não ser partilhada com estados e municípios.
Então nós, nós temos essa vocação centralizar tudo em torno da União, seja no tópico da política, seja no tópico da administração.
O que nós temos que fazer agora, com a Constituição de [19]88, porque nós levamos 30 anos, e eu vejo, é interessante, o nosso destino histórico a cada 28, 25, 30 anos, precisa de um novo Estado. E daí vem um novo movimento, uma crise, e aí vamos precisar de uma nova constituinte, de uma nova Constituição. Ao contrário, essa Constituição nossa foi capaz de amalgamar os princípios do direito social, com os princípios do direito liberal.
Porque muitas vezes se faz, ou se costuma fazer uma distinção, o estado era assim, o estado previdência, depois o estado socialista, depois o estado liberal. Esse nosso estado não. Ele conseguiu somar estes conceitos todos e por isso que a Constituição nossa é uma Constituição duradoura. Nós não devemos desprezá-la. Ela pode ser analítica, pormenorizada, etc., mas ela tem dado mostras de vitalidade das nossas instituições.
Então, o meu desejo, o desejo de todos, naturalmente, é que essa Constituição, seja festejada por muitos e muitos anos. Para que nós possamos romper com esse ciclo histórico de fataliza, para usar o neologismo, o nosso sistema político, o nosso sistema jurídico. E eu espero que daqui a 200 anos as pessoas possam dizer: olhe aqui, a Constituição de 5 de outubro de 88, etc. Porque que eu digo isso aos senhores? Peço licença para dizer a razão pela qual estou mencionando estes fatos, procuradores do estado, os advogados. Os advogados são aqueles que são chamados, vocatos, aqueles que são chamados, e os advogados públicos são aqueles que são chamados para uma causa pública. E os advogados públicos tem que ter esta consciência. Estou dizendo obviedades aqui, mas são obviedades que muitas vezes devem ser repetidas, reprisadas, afirmadas e reafirmadas. Então, eu tenho a mais absoluta convicção de que os advogados públicos, especialmente por esses atos que foram assinados ontem, que dão uma integração extraordinária, pautados pelo princípio federativo. Os senhores, são senhores da sua advocacia em cada estado, mas se unem e se reúnem em torno do conselho nacional e particularmente com a União Federal. Ou seja, somam a União Federal com os estados brasileiros, cada um conservando a sua autonomia.
Por isso, que eu tomei a liberdade de fazer essa brevíssima, alongar a fala, até peço desculpas, mas para dizer da minha satisfação de estar aqui e, convenhamos, para recordar um pouco os bons tempos de 82, 83, quando o mundo, pelo menos, para mim, era mais tranquilo.
Obrigada.
Ouça a íntegra (14min34s) do discurso do presidente.