02-04-2018-Discurso do Presidente da República, Michel Temer, durante Cerimônia de Abertura do 62º Congresso Estadual de Municípios
Santos-SP, 02 de abril de 2018
Em primeiro lugar, pedir licença ao Carlos Cruz, ao prefeito, ao Paulo Skaf, meus amigos todos que estão aqui, para saudar a todos na pessoa de uma mulher. Quero saudar na pessoa de Dalva, que eu conheço há muito tempo, no municipalismo brasileiro.
Naturalmente, ao fazê-lo, eu quero dizer que as autoridades não estão apenas aqui à mesa, mas estão todos aqui no auditório. Não há aqui, penso eu, que não seja autoridade, não é? Presidente de Tribunal, presidente de Tribunal de Contas, os prefeitos, os vereadores, vice-prefeitos, prefeitas, vice-prefeitas, não é?
Então, eu quero saudar a todos nestes termos. A nossa senadora Marta Suplicy, enfim, todos. O nosso Cauê. E, aliás, Cauê, eu tenho muita honra de partilhar com você, na verdade, a abertura deste encontro. Eu já tive o prazer de muitas e muitas vezes participar do Congresso dos Municípios, que começou em [19]48, em Catanduva, ou estou enganado? Catanduva. [19]56.
Então, mas eu queria dizer a vocês umas coisas, fora desses… Primeiro, agradecer as palavras amabilíssimas do prefeito, do Carlos Cruz, do Pinato, do Cauê, do Meirelles, do Dyogo, enfim, de todos que se manifestaram. Primeiro, agradecer as palavras gentilíssimas de recepção aqui neste Congresso. O que, naturalmente, vocês sabem disso, sabem tanto quanto eu, vocês estão na vida pública há muito tempo, e uma das maiores satisfações que eu tenho neste momento, é olhar as fisionomias que estão aqui e recordar os meus mais de 35 anos de vida pública, onde nós fomos nos encontrando em todos os locais, não é, Marcelo? Sempre nos encontramos e, quando nos reencontramos, embora muitos anos depois, é como se fosse ontem. E acho que a política traz, a vida pública traz, é exatamente isso: essa possibilidade de uma amizade, digamos, fraternal, quase familiar. É isso que a gente vai encontrando ao longo do tempo.
Mas eu confesso a vocês que eu tenho sempre a convicção de que para você ser municipalista, para você dizer “o município é a origem do País, é a origem da nação”, você precisa se convencer da tese. Aliás, é sempre assim, Beto: você tem que se convencer da tese que você está defendendo.
Eu sou municipalista. Mas não sou municipalista apenas nas palavras. Eu sou por convicção institucional e na ação. Nós somos municipalistas na convicção e na ação. Não apenas nas palavras. E por que que eu sou municipalista na instituição? Porque é interessante, se me permite dizer aqui da origem do município no Brasil, e especialmente da origem da autonomia municipal. E eu pretendo, em brevíssimas palavras, calorosamente em função do calor do ambiente, mas eu quero dizer a todos, viu Renato, que autonomia municipal no Brasil é muito anterior à própria Independência e, evidentemente, à própria República.
Vocês sabem que, no primeiro momento da colonização, havia as chamadas cidades e vilas, pequenas aglomerações, prefeito, que se formavam em razão da grande religiosidade do povo português em torno de uma capela. É curioso, tinha sempre um templo qualquer, e as pessoas iam se avizinhando em torno da capela. E podem perceber, quando vocês vão para o interior, eu que frequentei tanto o interior do estado de São Paulo e outros interiores, que muitas e muitas vezes você chega, está passando pela estrada, vê uma capelinha e vê várias casas em torno da capela. E foi assim que começou a surgir, surgiram, as vilas no tempo da colônia.
Agora, imaginem vocês o seguinte. Eu quero transmitir uma mensagem, digamos, federativa, municipalista, que penetre na vossa alma, no vosso raciocínio, no vosso coração, pra dizer: “Eu tenho razão, eu tenho orgulho de ser prefeito, de ser vereador, vice-prefeito”. Eu nunca tive essa possibilidade. Mas eu acho que, eu não preciso dizer o óbvio, que o prefeito, a autoridade municipal, é das maiores autoridades do País, porque vive no dia a dia em contato direto com o povo.
E aí, volto a dizer... e eu quero mais uma vez dizer que eu quero convencê-los desta tese, vocês têm que botar isso na sua anima, na sua alma, para ficarem animados, quer dizer, para colocarem alma na defesa do município.
Eu quero dizer, volto a dizer, que no Brasil Colônia, como havia as vilas, a legislação que aqui imperava era a ordenação manuelina, ou a ordenação afonsina, porque nós estávamos debaixo do julgo ainda português. Então nós não tínhamos uma legislação própria, nós obedecíamos, ou teríamos que obedecer, as ordenações do reino português. Agora imaginem vocês, em 1600, 1700, se era possível invocar as ordenações manuelinas para cuidar dos pequenos aglomerados humanos, das primeiras vilas, das primeiras cidades, não havia isso. As pessoas, digamos, se autogovernavam de acordo com as necessidades locais. Porque, evidentemente - volto a dizer - ninguém ia invocar as ordenações do reino português. E isto veio até o Império. No tempo do Império é que se criaram as vilas e cidades.
E é interessante, uma ocasião eu tive a oportunidade de pesquisar na Câmara de Vereadores aqui de São Paulo, Marun, e verifiquei o seguinte: que as pessoas - viu, Pinato? -, as pessoas, os vereadores, eles legislavam, ainda no Império, de acordo com os usos e costumes locais. Não era em função de uma legislação provincial, já que estávamos no tempo das províncias, ou de uma legislação nacional. Era de acordo com os usos e as necessidades e os costumes locais. E foi aí que nasceu a chamada “autonomia municipal”.
Quando nós viemos para a República, na constituição de [18]91, daí sim, você passou a ter a figura do município. E já se dizia, na Constituição de [18]91, e se disse em todas as constituições posteriores, que o município legislava sobre as matérias do seu peculiar interesse. E, veja, peculiar interesse significa negócios locais, coisas locais.
Portanto, a origem histórica disso está lá atrás na Colônia. E por isso eu digo: a autonomia municipal é uma realidade anterior à existência do próprio Estado brasileiro, seja o Estado imperial ou seja o Estado republicano. E, interessante, nós levamos quase dois séculos para chegar à Constituição de [19]88. E foi a primeira Constituição que disse: “Olhe, a federação brasileira não é composta apenas dos estados e do Distrito Federal. É composta dos estados, Distrito Federal e dos municípios”. Agora, veja quanto tempo levou para que se chegasse a esse termo. Talvez até, digamos assim, sem que o constituinte percebesse muito isso.
Eu confesso, estando na Constituinte, que eu trabalhei muito por isso, porque eu tinha a convicção, muito anterior, já nas constituições anteriores, que os estados tinham que ter as suas constituições próprias. Aliás, eu dizia, veja um argumento interessante, eu dizia naquela ocasião - isso eu estou falando da Constituição de [19]67, da Constituição de [19]46 - havia as chamadas “leis orgânicas municipais”, que legislavam para organizar os municípios. Agora, é interessante, dizia eu: como é que você pode organizar todos os municípios do estado, de maneira paritária e igualitária, se cada município tem as suas peculiaridades locais?
Por outro lado, a própria Constituição anterior já dizia, na de [19]46, [19]67, dizia que o município legislava sobre as matérias de seu peculiar interesse. Então, não havia uniformidade, havia desuniformidade. Não havia parificação, havia desparificação entre as realidades locais.
Então, é interessante, já no passado, antes mesmo da constituinte, e na constituinte eu trabalhei muito para que o município ficasse fazendo parte integrante da federação. Parece que não é importante, mas é fundamental. Porque o município ganhou uma projeção, tanto ganhou uma projeção que sua auto-organização, não passou, não continuou a ser dos estados, mas a auto-organização como o próprio nome indica, passou a ser de si próprio, do próprio município. Os senhores fizeram, quando constituintes municipais, a organização dos seus municípios.
E porque eu estou dizendo isso presidente? Porque nós temos que ter consciência de que isto é fundamental para o País. E não é sem razão que eu digo; para o estado ser forte e para a União ser forte, é preciso que o município seja forte, esta é a grande realidade. E olha, isto aqui, como muitos disseram aqui, independentemente de partido político, essas coisas todas, é uma coisa institucional e nós estamos perdendo no País, muito, a ideia da institucionalidade, a ideia da autoridade, a ideia do cumprimento rigoroso daquilo que está na Constituição.
É interessante como isso está acontecendo com uma frequência extraordinária. E, muitas e muitas vezes, em função dos embates políticos. Por isso que, em um congresso de municípios, nós precisamos, como disse o nosso presidente, colocar de lado qualquer fenômeno partidário. Não é o partido A, B ou C que deve presidir a nossa fala, o nosso pensamento, a nossa oração, o nosso discurso. O que deve presidir é a consciência da importância do município no concerto institucional brasileiro.
Mas eu dizia, que eu não sou municipalista, e vejam que agora eu estou explicando porque é que eu sou municipalista. Eu tenho convicção doutrinária, política, pessoal, da importância do município. Mas aí vocês poderiam dizer: “Mas vem cá, ô Temer, você muito bem, palavroso e tal, fala, etc., explica, mas e daí?” E daí, aquilo que o Meirelles dizia, aquilo que o nosso presidente dizia, que nós não ficamos nas palavras.
Quando nós... quando eu cheguei ao governo, eu verifiquei logo uma improbidade absoluta, que era os municípios inadimplentes porque deviam à Previdência Social. Eu disse, vamos acabar com isso, chamei o Meirelles, discutimos esse assunto, chamamos a área econômica, Dyogo também, e dissemos, vamos dar uma solução para isso. E daí saiu a solução de uma medida provisória que parcelou em 240 meses o débito previdenciário. É claro que isso foi útil para os municípios. Mas, mais útil foi torná-los de inadimplentes em adimplentes. E isto tem significado, vocês sabem disso melhor do que eu.
Ademais disso, convenhamos, eu me recordo, aqui foi recordado, só vou recordar para dizer, prefeito, que, na verdade, nós não somos municipalistas na palavra, nós somos municipalistas na ação, não é? O tema federativo, por exemplo, é um tema que me encanta. Podem pegar o meu discurso de posse, e verificarão que eu tratei lá exatamente da recuperação do federalismo. Porque, meus amigos, eu não tenho medo de dizer: “Nós temos um federalismo de pé quebrado, um federalismo pela metade, não é? Um federalismo capenga”. Por uma razão singela. Porque nós aqui, no Brasil, nós temos uma vocação centralizadora extraordinária.
Eu posso até… Eu sei que está muito quente, mas posso tomar uns cinco minutos? Então, é o seguinte: veja a vocação centralizadora do País, do brasileiro: quando nós vamos ao Brasil Colônia, nós verificamos o seguinte: como é que se dividia o Brasil Colônia? Primeiro em capitanias hereditárias, depois governo geral, que era uma centralização. Quando veio a Independência, Estado unitário, não se falava em federação. Quando veio a federação, em 15 de novembro de [18]89 e, depois, patrocinada na Constituição de [18]91, estabeleceu-se a federação com forma de Estado. Mas olhe, só conflitos e mais conflitos, de [18]91 a [19]30. As pessoas não se conformavam com a dicção da Constituição que dizia que o Brasil era uma federação. Portanto, os estados eram autônomos, não é? E de igual maneira, dizia eu, os municípios.
Tanto isso, foi tão conflituoso durante esse período, que abicou-se em [19]30. E daí nós tivemos uma centralização quase absoluta, quase absoluta, um absoluto, de [19]30 a [19]45. Quarenta e cinco, com a queda dos regimes centralizadores na Europa, Alemanha, Itália e etc., recuperou-se a democracia e a federação, com a Constituição de [19]46. E aqui alguns não passaram por esse período, mas alguns já haviam nascido em [19]46, e nasceram até [19]64. E perceberam que, nesse período, houve conflitos e mais conflitos, só houve distúrbios políticos-institucionais nesse período, que deu em 1964.
Em [19]64, o povo brasileiro se redimiu novamente: centralização absoluta de [19]64 a [19]88, não é? Em [19]88, sim, daí nós tivemos uma constituinte que repudiou o centralismo e optou pela descentralização, pela democratização. Mas percebam, é interessante, nós estamos chegando 30 anos depois - eu estou falando desses ciclos históricos porque é quase um, digamos, um azar histórico nosso, a cada 25, 30 anos as pessoas acham que precisa de um novo Estado brasileiro. E isso é ruim porque instabiliza, dá uma insegurança jurídica extraordinária.
Então, digo eu, a nossa vocação centralizadora é muito grande. Então, por que que tudo quase vai para a União? Por causa desta vocação centralizadora. Quando nós promulgamos a Constituição, o município ocupava um espaço muito maior. Mas, ao longo do tempo, convenhamos, eu digo aqui sem medo de errar, ao invés de criar impostos, criaram-se contribuições. Sabe para que que se criaram contribuições? Para impedir a divisão do FPM e do FPE. Essa foi a razão, não é? Porque se fosse imposto tinha que fazer a partilha. Daí porque, voltando ao tema - e já vou concluindo - voltando ao tema de que nós somos municipalistas na ação, eu volto a exemplificar com o caso de 2016, final de 2016, quando os municípios estavam à míngua, não conseguiam fechar o seu balanço. E nós pegamos a multa - vou tomar a liberdade de recordar - e partilhamos a multa por medida provisória, porque não foi esse o objeto da repatriação. E os senhores puderam, eu vejo gente que no dia 30 conseguiu fechar o balanço do seu município.
Posteriormente, eu recebi novamente o pessoal da Associação Nacional dos Municípios, e verifiquei que agora em 2017, também, havia grandes dificuldades. Quando recebi um grupo lá eu disse: “Olha aqui, vamos fazer o seguinte, eu vou destinar R$ 2 bilhões para os municípios. Tem que ter uma tramitação legislativa, mas eu prometo que em brevíssimo tempo esses R$ 2 bilhões já estarão nos seus cofres”. E já estão no cofre dos senhores R$ 1 bilhão e 400 milhões a partir de amanhã; R$ 600 milhões, mais uns dias, estarão divididos entre os municípios brasileiros.
Ou seja, eu estou tomando a liberdade de fazer essas considerações porque nós precisamos nos convencer, introjetar, nós precisamos colocar isso dentro do nosso peito, nosso raciocínio, para dizer da importância do município no sistema brasileiro.
Eu tive pouquíssimo tempo, tenho menos de dois anos de governo, e vocês viram o que nós já pudemos fazer em matéria de reformas e outras tantas coisas, e de recuperação do País, sem embargo das tentativas de dificultar a nossa atividade. Eu tenho pouco tempo ainda para resolver esta questão federativa. Mas, seja eu, seja quem for, a revisão da federação tem que ser feita, porque daí nós passamos a ter uma federação verdadeira, com o fortalecimento dos municípios. Vocês verão que quando os municípios se fortalecerem, o Estado brasileiro, o estado local e o Estado nacional ficaram muito mais fortes e melhor reconhecidos no plano internacional.
Por isso que eu desejo a vocês, depois de agradecer a gentileza do convite, que me permite usar a tribuna, não é? Me permite usar a tribuna. Mas, depois de agradecer a gentileza do convite e a possibilidade de eu ter revisto aqui uma porção de velhos e antigos companheiros das lutas e das demandas políticas, eu quero desejar a vocês um proveitosíssimo seminário. Tenho certeza que vocês vão mudar o País.
Ouça a íntegra (18min49s) do discurso do presidente Michek Temer