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Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República em exercício, Michel Temer, ao jornalista Roberto D’Ávila - Brasília/DF

 

Brasília-DF, 21 de junho de 2016

 

 

Jornalista: Presidente, muito obrigado, a última vez que conversamos o senhor era vice-presidente, agora o senhor é presidente interino. Em agosto teremos a votação no Senado, o senhor precisa de 2/3, a presidente Dilma, 1/3; ela teve 22 votos, ela precisa de mais 5 votos, mais ou menos, 5 ou 6 votos.

    Como é que o senhor está sentindo essa votação, tem conversado com os indecisos?

 

Presidente: Não, você sabe que se eu conversasse, eu estaria, digamos assim, fazendo campanha. E eu não estou fazendo campanha.

 

Jornalista: Mas conversa de vez em quando com eles?

 

Presidente: Sim, de vez em quando eles conversam comigo em função dos interesses dos seus estados.

 

Jornalista: Presidente, não me enrola, o senhor conversa com eles, evidente.

 

Presidente: Não, mas eu não faço isso não. Eu não faço isso. E eles também não tocam no assunto comigo, são muitos elegantes nesse sentido. E o que está havendo é exatamente isso, o Senado está trabalhando ativamente. Você vê, tem acompanhado.

 

Jornalista: Aliás, o senhor está com boas relações com o presidente Renan agora?

 

Presidente: Sim, com boas relações. Aliás, quero dizer que nunca estive muito apartado do Renan, vez ou outra há uma pequena divergência.

 

Jornalista: Mesmo partido, lideranças...

 

Presidente: É, mas é útil. É útil até para o partido. Mas eu vou dizer a você que a Comissão do Impedimento, do Impeachment, está trabalhando ativamente. Tem 40 e tantas testemunhas sendo ouvidas, isso até dá, digamos assim, legitimidade ao processo. Seja decisão em um sentido, seja decisão em outro sentido.

 

Jornalista: O senhor acha que essa votação vai acontecer mais ou menos 20 de agosto?

 

Presidente: Pelo o que me dizem, será no início de agosto, até 15 de agosto talvez, 12 de agosto, por aí.

 

Jornalista: Agora, governar interinamente é mais difícil, não é?

 

Presidente: É mais complicado porque gera uma certa instabilidade. Eu, entretanto, não me comporto como se fosse interino, eu me comporto como se fosse definitivo. Porque o que está em pauta é o interesse do País, não é o interesse de A ou de B que vai ocupar a Presidência.

 

Jornalista: Agora, a presidente Dilma, se voltar, tem falado em oferecer um plebiscito para que haja eleições. Seria junto com as eleições agora de outubro, uma pergunta para população se gostaria que houvesse eleição direta. O senhor embarca nessa tese ou não? A não ser que abra o chão nos seus pés?

 

Presidente: Em primeiro lugar eu não acho útil para a senhora presidente. Porque no instante em que ela diz que admite um plebiscito para eleições, é porque ela deseja voltar para depois não governar.

 

Jornalista: O senhor que ela não tem mais a governabilidade, digamos, não teria?

 

Presidente: Não saberia dizer, eu apenas faço um comentário em função do seu comentário. O que não é útil, porque a leitura que se faz é a seguinte: muito bem, se vai voltar para depois convocar eleições, então é porque não quer governar.

 

Jornalista: Agora pode haver um impasse na política e levar às eleições. A gente sabe que a história da República é complexa.

 

Presidente: É, mas é interessante, viu Roberto, até muitas e muitas vezes dizem que houve golpe. E golpe, você sabe que é a ruptura em relação à Constituição. E aqui o que está havendo é obediência estrita ao texto constitucional.

 

Jornalista: Não só a narrativa da presidente Dilma quanto do PT é de golpe quanto tentam pregar a pecha de traidor ao senhor.

 

Presidente: Eu não traí a ninguém. Na verdade, o que houve foi um processo de impedimento, eu não fiz um movimento em relação a isso. E o impedimento se deu e até por, convenhamos, por uma maioria muito significativa.

 

Jornalista: O senhor acha que a questão econômica pesou muito?

 

Presidente: Eu acho que prejudicou, não tem a menor dúvida, prejudicou o governo e a governabilidade. E, naturalmente, também uma certa…

 

Jornalista: Porque o processo é político…

 

Presidente: Claro. E uma certa falta de diálogo talvez com o Congresso Nacional. Porque, veja, eu assumi e na verdade conseguimos aprovar questões difíceis nesses últimos tempos e por uma maioria muito qualificada, muito significativa. Portanto dialogar com o Congresso, dialogar com a sociedade é uma coisa importante.

 

Jornalista: Presidente, não é um pouco, vou colocar entre aspas, “mesquinho” tirar verbas da presidente, tirar os aviões…

 

Presidente: Você sabe que é interessante isso? Você está aqui no Palácio do Jaburu, que é o único espaço que eu ocupo.

 

Jornalista: Mais o Planalto.

 

Presidente: E o Planalto, claro. A senhora presidente tem o Palácio do Alvorada, tem o Palácio do Torto, tem avião para se locomover para o seu estado.

 

Jornalista: Não foi tirado o avião dela?

 

Presidente: Não.

 

Jornalista: Só para o estado dela?

 

Presidente: Só para o estado dela. Sim, porque convenhamos, não está no exercício da Presidência, portanto, não tem atividades de natureza governamental. E ademais disso, pelo que sei, a senhora presidente utiliza o avião, ou utilizaria, para ir fazer campanha denunciando o golpe. Uma situação um pouco esdrúxula, quando menos estranha. E por isso que, na verdade, quando se deu a interpretação do transporte aéreo, isso foi interpretação jurídica, foi de que se dava para o deslocamento para o seu estado. E jamais faltou comida, viu, evidentemente, uma brincadeira.

 

Jornalista: Nem luxo?

 

Presidente: Não.

 

Jornalista: O senhor está no governo há pouco mais de um mês, o senhor montou um governo de políticos brancos, homens, em um País em que metade da população, pelo menos, é negra, mais da metade são mulheres. É simbólico isso, não é? Ainda mais, o senhor colocou ministros citados ou investigados, isso não foi um desgaste? (incompreensível) Vamos brincar um pouquinho, usando um pouquinho a sua linguagem: fa-lo-ia novamente? O senhor gosta de uma mesóclise?

 

Presidente: Eu acho que exercitaria novamente essa mesma fórmula. Mas eu vou dizer a você porque. Eu tive na verdade sete dias para organizar o governo. Você sabe que, só quando eu me dei conta que a admissibilidade no Senado significaria, é que eu comecei a conversar sobre o governo. Então eu tive sete dias para organizar. E o que é que fiz? Em primeiro lugar…

 

Jornalista: O senhor tinha inibição de conversar antes?

 

Presidente: Tinha pruridos, claro, sem dúvida alguma. Agora, eu verifiquei o seguinte: o problema central do Brasil é o desemprego, que surge em função do fenômeno econômico. Então o que é que nós fizemos apenas nesses sete dias? Montamos uma equipe econômica, você há de convir, excepcional. E fizemos também a composição político-partidária para ter o apoio no Congresso Nacional. Porque em um sistema democrático é importantíssimo que você tenha apoio no Congresso.

 

Jornalista: O senhor pensou mais no Congresso, digamos, do que num ministério, como se dizia, de notáveis?

 

Presidente: Não é essa coisa de ministério de notáveis. Quem é notável?

 

Jornalista: Mas há pessoas que são… têm serviços. Por exemplo, o senhor botou na liderança do governo na Câmara um deputado que é investigado três vezes no STF, inclusive por homicídio. É a sombra do Eduardo Cunha ainda?

 

Presidente: Não. O Eduardo Cunha não tem nada…

 

Jornalista: Não paira essa sombra aí?

 

Presidente: O Eduardo Cunha não tem absolutamente nada a ver com isso. Ele sabe disso. Naturalmente, se divulgou muito, mas equivocadamente, essa ideia. E depois, você sabe que eu atendi a um pleito de partidos que somavam muitos deputados, e consultei a toda a base parlamentar, e o nome foi aceito. Montei esta liderança do governo na Câmara, montei uma liderança do governo no Senado, com outro partido, com o PSDB…

 

Jornalista: Senadora Rose de Freitas, agora?

 

Presidente: Agora a senadora Rose de Freitas para a liderança do governo no Congresso. Portanto, uma mulher, você falou das mulheres. Aliás, eu costumo dizer, é interessante, uma das principais figuras do governo é a chefe de gabinete da Presidência, que é uma mulher. Lá no Ministério da Justiça, Direitos Humanos, a questão da mulher, são mulheres que estão no comando. Há tempos atrás umas 25 ou 30 deputadas me procuraram e disseram: “olha, nós não temos queixa nenhuma. Nós queremos ser escolhidas não por sermos mulheres, mas por termos competência administrativa”.

 

Jornalista: Aliás, o senhor botou uma mulher lá que está muito contestada também, muito contestada.

 

Presidente: Não é contestada, mas eu vou dizer a você: a Fátima Pelaes, você está se referindo a ela, não é?

 

Jornalista: Conservadora...

 

Presidente: Mas ela tem um processo que data de quatro ou cinco anos atrás que estava paralisado. Só se falou nele no momento que ela, indicada por essas deputadas que me procuraram, portanto atendi ao cenário das mulheres, eu vou mantê-la até que, eventualmente, haja, se eventualmente houver uma condenação, será diferente.

 

Jornalista: Presidente, o delator Sérgio Machado apontou o dedo para o senhor afirmando que o senhor teria pedido doações ao candidato Chalita. O senhor foi muito duro na resposta. Mas não houve isso?


Presidente: Você sabe que quando eu acordei numa quinta-feira e eu vi a manchete nos jornais, embora tivesse sido aconselhado a não responder... Porque a tese é sempre essa: “puxa, mas você está no exercício da Presidência da República”. Eu fui lá e disse: “olha, a minha honorabilidade está acima do cargo de presidente da República. Eu não vou admitir que alguém se dirija a mim nesse ponto”. E aí eu esclareço a você o seguinte: vamos dizer que eu tivesse pedido uma colaboração e que ele tivesse obtido…

 

Jornalista: Mas para ele o senhor não poderia pedir porque ele trabalha em uma empresa pública.

 

Presidente: Sem o menor risco. Você acha que eu iria me servir dele tendo, com toda a modéstia, o prestígio que tenho hoje no cenário nacional para falar com empresário? Vou dizer a você, os empresários falam e falavam comigo permanentemente.

 

Jornalista: Mas é diferente o empresário de alguém que esteja à frente de uma empresa pública.

 

Presidente: Sim, mas eu jamais pedi a ele.

 

Jornalista: Jamais pediu a ele?

 

Presidente: Jamais pedi.

 

Jornalista: Ele vai ter que provar? O senhor vai processá-lo?

 

Presidente: Não vou processá-lo pelo seguinte, porque eu acho que o que ele mais quer é isso. O que ele mais deseja é isso. Quando eu verifiquei a delação completa dele, eu verifiquei que ele não falou apenas de mim, mas falou de partidos dos mais variados, falou de pessoas, as mais variadas. E interessante, você deve notar uma coisa, quando fiz aquele pronunciamento, a única contestação que ele fez foi ao meu pronunciamento, ou seja, ele quer polarizar com o presidente da República. Eu não vou dar esse valor a ele, eu não falo para baixo.

 

Jornalista: Presidente, é possível o governar nesse clima suspensão?

 

Presidente: Perfeitamente possível. Tanto é possível que no dia de ontem nós fizemos um grande acordo federativo que está na pauta há mais ou menos uns seis anos, e não se conseguia fazer um acordo relativamente à dívida dos  estados, que é fundamental para a existência da Federação. Você sabe que…

 

Jornalista: A Federação vai perder [R$] 50 bilhões em três anos… a União.

 

Presidente: Mas não tem importância, os estados ganham. Isso significa que os estados vão poder movimentar para gerar empregos - eles estão quebrados. E veja bem, em um Estado democrático a União é forte se os estados forem fortes. Num Estado autoritário é que a União não depende dos estados. E aqui, eu confesso a você, e dizia ontem aos governadores, que não apenas nós estávamos fazendo um ajuste emergencial, como queria o apoio de todos para que mais à frente fizéssemos uma grande repactuação federativa de modo que os estados tenham muito mais competência e recursos do que hoje.

 

Jornalista: Aliás, nós temos a questão do Rio de Janeiro, nós vamos ter Olimpíadas, o senhor estará, provavelmente, ainda como interino, a presidente Dilma diz que vai também. Como é que vai ser essa saia justa? Dois presidentes... como dizer para os presidentes que chegam?

 

Presidente: Não é útil para o senário internacional, isso eu reconheço. Tanto que eu imaginava que esse processo de impedimento fosse concluído antes do início das Olimpíadas. E daí, quem comparecesse seria o presidente. Não ficou bem, eu confesso que esse processo de impedimento, se puder antecipar-se, tanto melhor. E volto a dizer, seja em favor da minha figura ou da figura da senhora presidente.

 

Jornalista: E tem uma questão das vaias lá.

 

Presidente: Mas isso é inevitável, não vou invocar aqui o Nelson Rodrigues, que você conhece.

 

Jornalista: “No Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio”.

 

Presidente: “Vaia-se até minuto de silêncio”, que é uma coisa conhecidíssima. Mas isso não há de impressionar.

 

Jornalista: Mas essa questão dos dois lá vai ser complicada.

 

Presidente: Do meu ângulo, não. Do meu ângulo eu terei a mesma educação e a mesma cerimônia que sempre tive. E suponho que, se a senhora presidente também estiver lá, ela se comportará da mesma maneira.

 

Jornalista: O senhor acha, presidente, que com a Lava Jato nesse ritmo é possível fazer alguma previsão política a curto prazo?

 

Presidente: Acho difícil. Mas eu acho que não se deve pensar, digamos assim, em paralisar a Lava Jato. A Lava Jato exerce o seu papel…

 

Jornalista: Ela já tem vida própria.

 

Presidente: Vida própria. Exerce o seu papel por meio do Ministério Público, do Judiciário, com auxílio da Polícia Federal. E, portanto ela deve prosseguir. E de vez em quando até dizem: “mas o Temer vai paralisar a Lava Jato.” Primeiro, que eu jamais faria isso no plano pessoal. Mas no plano institucional é muito mais grave, porque o que eu tenho pregado é a independência das ações governamentais, cada Poder faz a sua coisa. O Executivo jamais poderia interferir no Poder Judiciário.

 

Jornalista: Agora, as delações estão dizimando a política brasileira. Até onde irão os procuradores?

 

Presidente: Eu acho que eles estão exercendo seu papel. Nós estamos ainda em fase investigatória. Porque a sensação que se tem é que, quando o sujeito é apontado por alguém, ele já está condenado. E não é assim. Na verdade a condenação vem depois. Um ou o outro é que foi condenado por enquanto. Mas os vários que têm sido mencionados são objeto ainda de inquérito. Inquérito significa intuição, indagação, investigação.

 

Jornalista: Sua intuição: o senhor acha que ainda vai perder algum ministro?

 

Presidente: Não, creio que não.

Jornalista: Presidente, o senhor enviou ao Congresso uma proposta com novos critérios para nomear presidentes de estatais e de fundos de pensão. No entanto o senhor indicou outro dia um político, o presidente do PSD, para dirigir os Correios. Não há uma incongruência?

 

Presidente: Não, pelo seguinte, porque aquele ato já estava praticado antes que eu houvesse feito a declaração. Na verdade esse projeto nasceu no Senado, é o projeto que regulamenta a indicação de diretores das estatais e dos fundos de pensão, e altamente moralizante. Muito antes de eu pronunciar uma palavra, uma declaração no sentido de que aguardaria essa decisão, eu já havia assinado o ato do presidente dos Correios. Que de resto também é um empresário, um sujeito que age nessa área, embora tenha sido deputado. Mas o ato foi praticado antes.

 

Jornalista: O que na verdade, essa barbaridade que aconteceu com a Petrobras foram essas indicações políticas na área de direção.

 

Presidente: Nem sempre, viu. Você sabe que muitos dos incriminados eram servidores de carreira da Petrobras.

 

Jornalista: Mas estavam a serviço de um partido?

 

Presidente: A serviço de um grupo, sem dúvida alguma. Então o que vai ocorrer agora é, portanto, haverá, continuará a haver indicações para técnicos. O que este projeto faz é estabelecer uma nova cultura de natureza ética e moral. Por isso que eu não nomeei ninguém por enquanto para as empresas estatais e para os fundos de pensão, naturalmente, onde seja possível nomeá-los, até que haja a aprovação. Eu creio até que entre hoje e amanhã o Senado Federal deverá aprovar em definitivo o projeto das estatais.

 

Jornalista: O senhor acha que esse método “tradicional” de se fazer política no Brasil com a Lava Jato acaba ou só uma reforma política é que vai…

 

Presidente: Eu acho que tem que somar as duas coisas: a Lava Jato colabora para, mas a grande fórmula está na reforma política. Você veja que eu, pessoalmente, quando fui presidente da Câmara, as várias vezes, tentamos uma reforma política. Outros tentaram, não foi adiante.

 

Jornalista: Se o senhor ficar até [20]18 tem que fazer.

 

Presidente: Eu não vou exatamente fazer porque isso é uma atividade legislativa, mas vou incentivar. Vou incentivar muitíssimo.

 

Jornalista: Certo. A liderança do presidente é fundamental.

 

Presidente: Vou incentivar muitíssimo a reforma política. Acho importantíssimo para governar...

 

Jornalista:  Não dá para governar com 35 partidos, mais 24 em gestação.

 

Presidente: Com toda a franqueza, não dá.

 

Jornalista: Quer dizer, o Supremo pode entender de leis, nem sempre, mas de política não entende, porque eles quebraram a regra de barreira.

 

Presidente: O Supremo impediu a chamada cláusula de barreira, que é extremamente útil, mas ao meu modo de ver até adequadamente, porque a cláusula de barreira veio por meio de uma lei e a interpretação tem que ser de natureza constitucional.

 

Jornalista: Sim, mas a questão política é muitas vezes mais importante. Como é que o senhor vai governar com 20 partidos?

 

Presidente: É impossível. É difícil. Impossível não é, mas é dificílimo.

 

Jornalista: Impossível não é, mas tem que fazer concessões.

 

Presidente: Compor uma base, você precisa compor uma base. Evidentemente as concessões, digamos assim, elas derivam da formação dessa base. Mas você não pode conceder para gente que vai fazer, cometer atos equivocados, falcatruas, isso você não pode. Embora você precise de uma base parlamentar.

 

Jornalista: Presidente, outra coisa que causou espécie na população foi esse aumento do funcionalismo. O desemprego no Brasil, a população vivendo mal, um certo desespero porque a economia está parada. Aí aumenta o funcionalismo como se fosse uma ilha, nada a ver com isso. O senhor canetou ali?

 

Presidente: Eu tenho a seguinte concepção a respeito disso: em primeiro lugar, os servidores públicos em geral, mas basicamente os do Judiciário, estavam sem aumento real há bastante tempo, primeiro lugar. Segundo lugar, esses acordos todos já tinham sido feitos e fechados no governo da senhora presidente. Não foi fechado no meu governo. Em terceiro lugar, o acordo é útil para o governo porque às vezes falam: “isto vai custar [R$] 58 bilhões”. Mas R$ [58] bilhões em três ou quatro anos, em certos casos, em quatro anos, primeiro ponto. Segundo ponto, os acordos foram feitos com índices abaixo da inflação. E veja, se você retomasse a tentativa de novos acordos, certa e seguramente, viriam pleitos acima da inflação. Então, os acordos foram úteis para o governo. Quando eu percebi isso, e me foi trazido por vários setores, eu disse: “melhor votar logo isso e liquidar esse assunto”.

 

Jornalista: Alguma notícia boa fora cortes de gastos...

 

Presidente: Mas sabe que cortes de gastos é para incentivar exatamente a economia. Nós queremos com isso produzir o emprego. Emprego é o que mais se faz necessário nos dias atuais.

 

Jornalista: Apenas conter gastos e aumentar impostos não basta.

 

Presidente: Mas eu não estou falando em aumentar impostos ainda, primeiro ponto. Eu  estou segurando isso, exata e precisamente, porque, primeiro, o acordo que nós fizemos relativo ao teto que nós mandamos um projeto formatado lá pela Fazenda e pelo Planejamento, vai ser algo muito útil para o País.

    Em segundo lugar, não bastava apenas a União estabelecer o teto para os gastos. Tanto que ontem na reunião nós estabelecemos também que os estados, é uma contrapartida, os estados também ficarão sujeitos a esse teto. Tanto que nós vamos incluir, na própria Emenda Constitucional, o teto para gastos nos próprios estados.

 

Jornalista: Presidente, essa semana um amigo me mandou um texto - eu até vou mandar para o senhor - de um ex-primeiro-ministro de Cingapura, que ele fala que, é verdade, essa questão esquerda-direita no mundo moderno, pós-moderno, digital, o que importa é a excelência. A excelência que inspira, a grande educação inspira as pessoas num país. Quando é que nós vamos estabelecer no nosso País a igualdade de oportunidade, que é muito mais importante do que a igualdade em si?

 

Presidente: Olha, em primeiro lugar, tem razão esse ministro a quem você alude, porque hoje as pessoas não querem saber se você é de esquerda ou de direita, querem resultados, e os resultados positivos.

    Você mencionou a educação. Por exemplo, há poucos dias conversando com o senador Cristovam Buarque, ele reiterou uma ideia que já me havia anunciado, de tentar uma experiência em um, quem sabe, pequeno município, federalizando as escolas de primeiro grau e fazendo delas uma escola de excelência. Porque é interessante, viu, Roberto, você sabe que houve muito prestigiamento das universidades, do ensino superior, mas caiu muito o prestigiamento do ensino de primeiro grau. E nós queremos exatamente elevar esse ensino.

    Então, quando eu vi a ideia do Cristovam Buarque...

 

Jornalista: Aliás, o Bolsa Família começou como Bolsa Escola, né?

 

Presidente: O que é ideia do Cristovam Buarque, aliás, uma coisa que nós vamos manter. Eu até disse ao Cristovam num encontro que tivemos, que, sabedor disso, eu iria com certeza manter o Bolsa Família. Enquanto houver pobreza extrema no País, nós temos que manter o Bolsa Família.

    Eu digo isso porque muita gente diz que eu vou acabar com o Bolsa Família.

 

Jornalista: Mas obrigando as mães a colocar os filhos nas escolas?

 

Presidente: Ah, sem dúvida alguma. Há uma obrigação legal, porque nós vamos fazer agora é inspecionar, digamos assim, o Ministério de Desenvolvimento Social vai verificar se este dever está sendo cumprido. Só tem sentido você dar um dinheiro para uma família se for para fazê-la progredir. E progredir é progredir por meio da educação dos filhos.

 

Jornalista: É, porque o País, a nossa geração já foi, né, presidente? Eu, como jornalista, e o senhor, como homem público estamos nos últimos. Ainda bem que tem jovens aí que vão fazer o nosso papel muito melhor. Mas o País não...

 

Presidente: A sua geração é mais jovem que a minha.

 

Jornalista: É, um pouquinho. Mas, enfim, o nosso País ainda não se encontrou com a educação. É um crime.

 

Presidente: É verdade. Aliás, educação e saúde.

 

Jornalista: Mas uma coisa depende da outra.

 

Presidente: Depende da outra, claro. Então são dois setores que nós precisamos dedicar muito os nossos esforços. E muito a propósito, de vez em quando nós ouvimos dizer que as pessoas dizem: “agora o governo vai reduzir os gastos com educação e saúde, portanto, será um governo impopular”. Logo no lançamento do projeto que limita, estabelece o teto para os gastos públicos, nós dissemos lá que os percentuais de saúde e educação não se modificarão. O que haverá é que, no ano seguinte, o aumento será apenas aquele derivado da inflação. A única diferença. No mais os percentuais são os mesmos.

 

Jornalista: O senhor está, digamos assim, com o olho fixo nessa questão da dívida social brasileira?

 

Presidente: Claro, não tenha dúvida. Nós precisamos... a primeira dívida social é você gerar emprego, hoje nós temos quase 12 milhões de desempregados, então na medida em que nós incentivamos, como estamos incentivando a iniciativa privada…

 

Jornalista: Não é rápido isso?

 

Presidente: Isso leva um tempo, mas você precisa começar agora. O aporte de capitais nacionais, o aporte de capitais estrangeiros, você está abrindo campos de trabalho, este é o primeiro direito social, nós vamos fazê-lo. E vamos prestigiar, como acabei de dizer, os projetos sociais que deram certo: o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida. Tome o caso do Fies, que durante muito tempo disseram também: “olha, o governo Temer vai eliminar o Fies.” Primeiro, houve uma queda muito grande do ano passado para este ano em relação às bolsas do Fies, uma queda substanciosa. O que nós fizemos agora? Isso foi na quinta ou quarta-feira passadas, o ministro Mendonça Filho me comunicou, e nós até anunciamos, a abertura de 75 mil novas bolsas, já agora, para universidade.

 

Jornalista: O senhor falou no Mendonça Filho, eu me lembrei que ele também está sendo atingido por delações, não é?

 

Presidente: Coitado, coitado. Sabe como ele está sendo atingido? Mandaram R$ 100 mil lá para o DEM, o DEM mandou R$ 100 mil para ele... acho que foi o Machado, o Machado que disse: “olha, esses R$ 100 mil é dinheiro indevido”. Coitado do Mendonça, francamente.

 

Jornalista: O senhor sempre, antes de tomar uma decisão, o senhor olha muito bem...

 

Presidente: Claro, para não cometer injustiça. Aliás, devo dizer até que os que saíram do ministério pediram-me para sair. Eu ia fazer uma avaliação, mas antes que eu fizesse uma avaliação, pediram para sair.

 

Jornalista: Em termos, né?

 

Presidente: Não, saíram... Claro, continuam agindo, um é senador, o outro é assessor legislativo...

 

Jornalista: A história da República tem sido uma história de golpes, de impeachment, de renúncia, de suicídio. Como é que o senhor pretende passar para a história?

 

Presidente: Olha, fazendo um bom trabalho. Fazendo um bom trabalho agora, tem dois anos e meio, se eu ficar os dois anos e meio. Dois anos e meio dá para colocar o Brasil nos trilhos.

    Você sabe que nós estamos agindo com uma velocidade, Roberto, imodestamente, mas extraordinária. Você veja que nesse brevíssimo tempo nós conseguimos votar questões importantes no Congresso, para testar a base parlamentar. E agora ainda, volto a dizer, no limite de gastos que nós impusemos para a União e estamos impondo para os estados.

 

Jornalista: O senhor tem dormido bem?

 

Presidente: Você sabe que eu durmo razoavelmente bem.

 

Jornalista: Tem tido pesadelos?

 

Presidente: Não. Eu às vezes durmo fazendo reuniões. Ou seja, como nós trabalhamos das oito da manhã até duas da manhã, muitas vezes isso agita sua mente. Então você vai para a cama e dorme, mas acorda como quem já fez mais três ou quatro reuniões. Cansa um pouco, mas ao mesmo tempo vitaliza, porque significa que você está atuando, até durante o sono.

 

Jornalista: Pesadelo com a Lava Jato?

 

Presidente: Não, não tenho, nenhum.

 

Jornalista: O senhor está tranquilo, presidente?

 

Presidente: Eu estou tranquilo.

 

Jornalista: Porque o método de se fazer política era um método muito, está se vendo hoje no Brasil, para atingir uma gama imensa de políticos, não é?

 

Presidente: Mas deixa eu dizer a você uma coisa, se você me permite: o que está havendo é, para usar uma expressão muito, penso eu, correta, é a criminalização das doações eleitorais que eram feitas no passado. É muito provável que algumas tenham sido objeto, digamos assim, de uma atividade ilícita, mas na sua maior parte eu não acredito que tenha sido assim. O esquema era esse: as pessoas jurídicas, assim como as pessoas físicas podiam colaborar, colaboravam. Eu fui presidente do PMDB durante muito tempo, havia, eu tinha contato com empresários e pessoas físicas que colaboravam…

 

Jornalista: É difícil saber quando é caixa dois, quando não é?

 

Presidente: Difícil porque… Aliás, caixa dois é possível porque se não entrou no partido, não entrou oficialmente, não entrou para o candidato …

 

Jornalista: O senhor acha que essa lei que passou, que agora nas próximas eleições as empresas não podem mais doar, só as pessoas físicas, não pode levar, digamos assim, os contraventores, essas igrejas que são verdadeiras seitas que têm dinheiro vivo, essas companhias de ônibus que têm dinheiro vivo, a elegeram candidatos que, digamos, bandidos?

 

Presidente: Eu acho que essa eleição municipal vai ser o palco para essa experiência. Eu tenho a impressão que aquilo que ocorrer nessa eleição municipal dará um norte para aquilo que vier a acontecer nas eleições para deputado federal, presidente, governadores etc. Porque ela vai revelar se é possível fazer dessa maneira ou não.

 

Jornalista: Qual sua opinião?

 

Presidente: Eu, pessoalmente, não tinha nenhuma objeção às doações de pessoas jurídicas. O que eu pregava...

 

Jornalista: Desde que fosse para um partido só? Porque essa coisa...

 

Presidente: Sim, exato. Foi a minha tese. Você... se um partido, se uma empresa resolve apoiar um partido, ela deve entregar dinheiro para aquele partido. Porque quando você opta por uma candidatura ou por um partido, este é um gesto de opinião, é uma opinião que você tem. Quando a pessoa física, quando eu mando um dinheiro para a candidatura do Roberto D’Ávila, é porque eu acredito na sua presença na política brasileira. A mesma concepção tem que ser dada para as empresas.

    Então, a empresa diz assim: “fulano de tal ou partido tal se comportará melhor em benefício do País e em consequência em meu benefício pessoa jurídica.” Então o que você não pode é autorizar doações para todos os partidos.

 

Jornalista: O que o senhor aprendeu mais nesses 40 dias? Puxa aí alguma coisa que lhe surpreendeu…

 

Presidente: Exercitei, digamos assim, mais a paciência, em primeiro lugar. Em segundo lugar, a visão de como é difícil dirigir o País. Não é fácil, é um desafio. Mas como todo desafio, ele é provocador. E como toda provocação você responde igualmente a ela. Por isso que eu me sinto muito provocado e, penso, tenho respondido o quanto posso a essa provocação.

 

Jornalista: Presidente, o deputado Eduardo Cunha, falou hoje, como se nada fosse com ele, enfim que ele não vai renunciar, que continua, e que está sendo injustamente acusado. Essa questão da Câmara é um complicador para o senhor.

 

Presidente: É um complicador porque, na verdade, o interessante é que a Câmara defina logo o seu destino. Agora, interessante, Roberto, você sabe que apesar das dificuldades, digamos, institucionais internas, nós não temos tido dificuldades na aprovação dos projetos que estão sendo votados lá. Porque nós conseguimos fazer, como disse a você, uma sólida maioria, e essa maioria é liderada pelas lideranças partidárias, e isso eles levam. Eles estão levando adiante. Agora, eu acho que em breve tempo, isso deverá ter uma solução.

 

Jornalista: Para o Eduardo Cunha ficar nesse limbo, e mesmo com ainda a força que ele tem dentro da Câmara... esse Maranhão, o senhor me perdoe, eu sei que o senhor não vai entrar em detalhes, mas não tem condições de dirigir a Câmara. Vai ter novas eleições lá? O senhor conhece bem a Câmara.

 

Presidente: Aí eu não sei dizer a você se vai haver ou não.

 

Jornalista: O Eduardo Cunha teria que renunciar?

 

Presidente: Teria que renunciar porque ele é o presidente. E só com a renúncia dele é que surgiria a hipótese de eleição. Ele está se defendendo como pode. Eu diria que até que é um batalhador no plano político, no plano jurídico, mas só com a renúncia dele é que seria possível uma nova eleição.

 

Jornalista: E o Supremo, presidente, o Supremo cada vez mais ocupando espaço na política. Como é que o senhor vê?

 

Presidente: Você sabe que de vez em quando eu ouço essa afirmação, mas eu verifico, você sabe que eu sou da área, e eu verifico que o Supremo tem decidido com base nos princípios constitucionais, ou seja, ele não desborda dos limites constitucionais. Muitas vezes não decide com base na letra da Constituição, mas decide sistemicamente. Eu dou exemplo do caso da fidelidade partidária, que ele decidiu com base nos princípios.

 

Jornalista: Foi péssimo para o País.

 

Presidente: Sim, mas de qualquer maneira é com base nos princípios constitucionais. O caso da anencefalia também foi com base em princípios constitucionais.

 

Jornalista: Isso é um caso que respeitaram.

 

Presidente: E portanto quando se diz que ele está exercendo uma atividade política...

 

Jornalista: É, mas o duro é quando o Supremo entra na política que é uma outra área. Até para conhecimento político dos ministros é outro, não é.

 

Presidente: Mas veja que no caso do impedimento foi uma coisa útil, porque o Supremo acabou dizendo qual deveria ser o rito, o rito foi seguido, e portanto não há falhas nesse rito. O Supremo, nesse particular até foi muito adequado, porque não desbordou dos limites da sua competência, digamos assim.

 

Jornalista: O senhor falou em Supremo, eu falei Supremo, eu me lembrei do latim, que é uma língua que o senhor gosta muito, estudou muito latim…

 

Presidente: No meu tempo havia latim.

 

Jornalista: Aliás, fizemos a mesma faculdade de Direito, tínhamos  o mesmo professor de Direito Romano, que às vezes (incompreensível), o Xandoca, Alexandre Corrêa. Aquela carta que o senhor mandou para a presidente Dilma, que vazou, que o senhor começa com uma frase em latim, “as palavras voam, as escritas permanecem”. Como é que é em latim?

 

Presidente: Verba volant, scripta manent.

 

Jornalista: Pois é. Aquela carta é uma carta meio íntima, era para ter vazado?

 

Presidente: Não. Confesso que não.

 

Jornalista: Quem é que vazou aquela carta?

 

Presidente: Roberto, eu não quero apontar quem tenha vazado, mas vou contar a história para você. Eu estava em São Paulo, era uma segunda-feira, e naquele dia eu sabia que a presidente ia me chamar para uma nova conversa. Eu estava um pouco, digamos assim, levemente agastado com certas condutas. Então eu disse: “bom, ela vai me chamar”. E muitas e muitas vezes na conversa, havia certa dificuldade para você, não digo completar as frases, mas dizer por inteiro um raciocínio. Então, o que é que eu fiz?

 

Jornalista: Ou seja, ela não deixava o senhor falar?

 

Presidente: Não, não é bem isso, é um hábito das pessoas, cada um tem seu estilo. Eu falei: “vou escrever uma carta, porque daí eu digo tudo que tenha para dizer”. Mas comecei, além do ‘verba volant, scripta manent’, eu disse: “olha, essa é uma carta confidencial”. E como é que foi mandada essa carta?

 

Jornalista: Até porque ela ficou, digamos assim, desculpa, meio pequena.

 

Presidente: Claro. Se eu soubesse que seria divulgada…

 

Jornalista: Queixume, né?

 

Presidente: Claro, não faria daquela maneira. Mas o que aconteceu? Eu liguei para minha chefe de gabinete, transmiti pela vias da internet a carta para ela, ela colocou em um envelope fechado, e eu disse: “por favor, Nara, entregue ao chefe de gabinete da presidente e peça para ele entregar à senhora presidente”. Ela fez isso. Ela botou em um envelope fechado, levou ao chefe de gabinete, e o chefe de gabinete este que vinte minutos depois ligou para ela e disse: “já entreguei em mãos da senhora presidente”. Nesse momento eu embarquei em São Paulo, portanto estava em voo, cheguei em Brasília. Quando cheguei em Brasília a carta estava divulgada pela Globo News. Aí, eu fiquei muito…

 

Jornalista: Sempre em primeiro lugar.

 

Presidente: Daí eu fiquei realmente contrariado, porque, eu disse: “meu Deus. Se soubesse que aquilo ia se transformar em um documento político  eu não teria escrito daquela maneira”. Eu tenho uma certa experiência para não ter aquela ingenuidade.

 

Jornalista: O senhor foi vice-presidente da presidente Dilma quatro anos, já sabia como ela era, o senhor reclamou ali que ela não dava a menor atenção ao senhor na questão política, porque o senhor quis ser vice-presidente de novo?

 

Presidente: Por circunstâncias políticas. Você sabe que, logo que nós nos elegemos pela segunda vez, eu fui a ela e disse: “presidente, eu vou ser muito franco com a senhora. A senhora sabe que eu fui - até usei a expressão - eu fui um vice decorativo no primeiro mandato. Eu não quero repetir esta fórmula no segundo mandato. Espero que a senhora leve em conta isso, porque a senhora sabe, eu tenho um partido atrás das minhas costas”.

 

Jornalista: O seu partido estava no governo.

 

Presidente: Estava no governo. Então, eles reclamavam muito da nossa não participação nas políticas públicas...

 

Jornalista: Nas decisões políticas.

 

Presidente: Nas decisões políticas do governo, decisões públicas de governo, de modo que eu não tenho “ah, pois não, vamos fazer isso”. Mas o fato é que acabou não fazendo. Quais razões não me importa.

 

Jornalista: O senhor sempre foi muito cauteloso em falar da presidente e tal. Mas agora, fala a verdade, presidente, era muito difícil a relação de vocês?

 

Presidente: Não era fácil, eu sempre fui mais ou menos cerimonioso e discreto pessoalmente, mas como convinha ao vice-presidente, porque a Constituição, a única passagem que fala do vice-presidente, diz assim: o vice-presidente substituirá a senhora presidente nos seus impedimentos ou ausências. Ou podendo exercer outras funções que lhes serão delegadas. Ponto final.

    Então, não havia, além da discrição pessoal, havia uma discrição recomendada pelo próprio texto constitucional, sempre fui muito discreto. Meu trato com ela pessoalmente sempre foi bom, mas muito cerimonioso, tanto da minha parte quanto da parte dela.

    Agora, quando entrou a questão política é claro que houve divergência. Vou dizer a você, quando nós lançamos a chamada ‘Ponte para o Futuro’, era uma colaboração com o governo, mas aquilo foi dito como um gesto oposicionista.

 

Jornalista: Mais de traição.

 

Presidente: Uma traição. Ora bem, eu me lembro que o ministro era o ministro Levy, da Fazenda, ele até me telefonou para dizer que estava de acordo com muitos pontos, e eu disse: ‘Levy, use o programa como você entender conveniente porque acho útil para o País’.

 

Jornalista: A sua relação com o presidente Lula é diferente?

 

Presidente: Sempre foi boa.

 

Jornalista: Sempre foi política?

 

Presidente: Politicamente sempre muito adequada.

 

Jornalista: Quer dizer, a presidente não gosta de política?

 

Presidente: Eu não sei dizer bem isso, ela não, digamos, ela aprecia mais, penso eu, eu falo isso em benefício dela, mas ela aprecia mais as questões técnicas do que as questões de relacionamento político. Talvez isso.

 

Jornalista: Como é que o senhor encontrou as questões técnicas?

 

Presidente: Olhe, algumas equivocadas, outras não solucionadas, e como não foram solucionadas eu logo cuidei, como estou cuidando, da solução. Eu dou como exemplo clássico a questão da Federação Brasileira.

 

Jornalista: O senhor disse que está um pouco tolhido pelo fato de ser interino. Digamos que agosto chegue, passe o impeachment, o que o senhor vai fazer para o Brasil? Quais são as primeiras medidas?

 

Presidente: Em primeiro lugar, você sabe que pode haver um, digamos, uma certa redução psicológica, vamos dizer assim, mas na prática…

 

Jornalista: Redução psicológica no sentido de…

 

Presidente: Da interinidade. Mas na prática eu não tenho agido assim não, eu tenho agido como se fosse efetivo. Agora, evidentemente que, depois da decisão do Senado, abra-se um campo muito mais vasto para a governabilidade. Então, certas questões que neste momento ainda não deu tempo de tratar, eu tratarei depois.

 

Jornalista: Por exemplo?

 

Presidente: A questão da reforma da Previdência. Eu acho que só poderei pleitear uma reforma da  Previdência se tiver a efetivação.

 

Jornalista: O senhor se sente legítimo para fazer esses tipos de reforma?

 

Presidente: Inteiramente. Não é que eu me sinta, a Constituição é que diz que eu tenho legitimidade. Porque quando a Constituição diz...

 

Jornalista: Sim, legitimidade institucional. Mas legitimidade política? O senhor não apareceu, quer dizer, as pessoas não votaram no senhor.

 

Presidente: Votaram sim.

 

Jornalista: Sim, votaram, mas não sabiam que estava votando, não é?

 

Presidente: Me permita dizer que votaram, pelo seguinte, você sabe que, vou dizer a você concretamente, objetivamente, nós ganhamos essa eleição por 3,2 milhões de votos. Ou seja, se 1,6 milhão de votos estivessem do outro lado, nós teríamos perdido a eleição.

Muito bem, o que é que aconteceu com a coligação PT-PMDB? Coligado com o PMDB, e olha que foi difícil, porque na convenção, na primeira convenção, nós tivemos quase 90% do apoio dos convencionais. Na segunda, que se pleiteava a reeleição, nós tínhamos 59%. E muitos votaram porque eu era o candidato a vice.

Então, primeiro ponto, quando nós fizemos a coligação, nós demos 4,5 minutos de televisão e rádio para a campanha presidencial, primeiro ponto. Segundo ponto, nós asseguramos o apoio do PMDB de 22 ou 23 estados da Federação. Ora, se você me disser que nesses 23 estados da Federação nós não tivemos pelo menos 1,6 milhão de votos, então nós nos elegemos juntos. Muita gente votou porque eu era candidato. Então, essa coisa que eu não fui eleito, é data vênia, um pouco exagerado.

 

Jornalista: Presidente, na verdade, se tudo der certo o senhor é candidato a reeleição?

 

Presidente: Não.

 

Jornalista: Não será?

 

Presidente: Eu tenho dito isso frequentemente. Eu acho que o papel, você sabe, o destino, Deus me colocou isso no colo para eu cumprir uma tarefa.

 

Jornalista: O senhor acredita no destino, nessas coisas assim?

 

Presidente: Eu acredito. Você sabe que a história de Presidência da República não sou eu que digo, o presidente Tancredo dizia: ‘Presidência é destino’. Então às vezes prefeito, deputado federal, senador, etc, não - governador mesmo. Mas Presidência é destino. Então, me colocou no colo, não sei se será definitivo, mas me colocou no colo, penso eu, para cumprir uma tarefa. Eu vou cumprir essa tarefa e tenho, digamos assim, entusiasmo, garra para cumprir essa tarefa. E cumprir essa tarefa redimindo, vamos dizer assim, milhões de brasileiros. Quando eu falo dos quase 12 milhões de desempregados, imagine, Roberto, se ao final do período, ao invés de 12 milhões você tenha apenas 500 mil desempregados. Terá sido uma tarefa fantástica. Você acha que eu vou querer mais do que isso? Não quero, não.

 

Jornalista: Quer dizer, isso é uma… isto está dado.

 

Presidente: Isso está definido.

 

Jornalista: Porque a política muda muito…

 

Presidente: Na minha cabeça está definido.

 

Jornalista: Suas origens árabes, origens libanesas - eu pensei aqui quando o senhor falou de acreditar em Deus, em destino -, que peso tem na sua formação?

 

Presidente: Eu acho que tem… Primeiro, é interessante, é uma homenagem que eu faço ao Brasil e aos brasileiros, especialmente…

 

Jornalista: Os imigrantes?

 

Presidente: Os imigrantes. Você vê, eu sou primeiríssima geração, meus pais casaram-se no Líbano, tiveram os três primeiros filhos no Líbano e depois vieram para cá e tiveram mais cinco. Eu sou o último, e ainda bem, o temporão, imagina você. E olha a oportunidade que o Brasil deu a um filho de imigrante. Eu fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados, fui secretário de estado várias vezes, fui vice-presidente, hoje sou, ainda que interinamente, presidente da República. Isso significa a grandeza do Brasil e a grandeza do povo brasileiro. Ele dá oportunidade a todos.

 

Jornalista: O senhor, passado o impeachment, se o senhor continuar, política externa, o Serra anda mexendo muito nas coisas. O senhor vai fazer a primeira viagem para os Estados Unidos?

 

Presidente: Eu não sei ainda. Vou esperar a efetivação. Mas o que nós estamos fazendo na política externa é universalizando o Brasil, mostrando que na verdade o Brasil não pode ter posições por sentimentos ideológicos, nada disso. O Brasil tem que se relacionar com todos os países do mundo.

 

Jornalista: O senhor tem recebido a imprensa estrangeira, como é que o senhor tem sentido?

 

Presidente: Olha, na imprensa estrangeira, devo dizer a você que no primeiro momento, prevaleceu muito coisa do golpe. Foram, digamos, a atuação de quem quis em torno daquela...

 

Jornalista: Muita gente não entendeu.

 

Presidente: Mas agora já entendeu. Hoje ainda eu dei uma longa entrevista para uma senhora, que é do Washington Post, era até uma das donas do Washington Post, e eu percebi nitidamente a esperança dos investidores americanos com o Brasil. É claro que nesse período, é interessante, há uma certa, digamos assim, será que em agosto continua ou não? Mas que há uma esperança do capital estrangeiro em relação ao Brasil, não tenho a menor dúvida.

 

Jornalista: Sem confiança não há desenvolvimento.

 

Presidente: Claro, sem confiança não há esperança. Eu acho que a primeira coisa que nós devemos fazer, e isso eu dizia ontem aos senhores governadores, é restabelecer a confiança no País, a credibilidade. Porque a partir daí, essa é uma questão até um pouco psicológica. Se você tem crédito, se o País tem crédito, tem confiança no País, as pessoas investem.

 

Jornalista: Se o senhor tivesse, já falamos em Deus, né, se o senhor tivesse que pedir uma coisa, o que o senhor pediria?

 

Presidente: Que me ajude nesse período turbulento, é uma verdadeira provação. Mas Deus vai me ajudar nesse período, não tem dúvida.

 

Jornalista: As relações familiares vão bem, a dona Marcela, seu filho, ele vem para cá estudar? Ela andou meio assustada com as manifestações.

 

Presidente: Sim, manifestações agressivas. Isso é que, confesso, me deixa um pouco… Aí, sim, eu fico tensionado. Porque uma vez, só par você ter uma ideia, eu liguei para lá e estavam chorando, minha mulher e meu filho…

 

Jornalista: Chorando?

 

Presidente: Chorando ao telefone, porque pessoas foram lá e começaram a agredir verbalmente e a gritarem. Imagine a sua mulher e seu filho ouvindo palavrões e palavras inadequadas. Foi muito tenso, naquele momento foi muito tenso. Mas logo depois… E aquilo incomoda…

 

Jornalista: O senhor acha que o senhor vai conseguir pacificar o Brasil?

 

Presidente: Eu creio que sim.

 

Jornalista: O senhor vai chamar os líderes todos, mesmo da oposição, mesmo do PT caso o senhor continue?

 

Presidente: Se tudo se equacionar bem eu vou pedir o auxílio de todos. Se eles virão ou não é um problema deles.

 

Jornalista: Mas pelo menos a conversa política, a tentativa, o presidente Lula...

 

Presidente: Você veja que nós já conseguimos, hoje nós temos uma base com quase 20 partidos no País. Então nós estamos somando todo mundo. Evidentemente, naquelas questões governamentais eu não acredito que seja fácil trazê-los. Mas nas chamadas questões de Estado, porque as questões de Estado não são apenas aquelas transitórias como é o governo, é para sempre. Então nessas questões de Estado eu pretendo conversar com todos. Por exemplo, nessa questão do teto de gastos, se for possível, eu conversarei.

 

Jornalista: Presidente, muito obrigado. Espero que possamos conversar novamente, ou o senhor na Presidência ou como vice de novo.


Presidente: Obrigado. Em qualquer hipótese sempre conversaremos.