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Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República, Michel Temer, à RTP África - Ilha do Sal/Cabo Verde

Este conteúdo foi publicado na íntegra somente ao final do período eleitoral em atendimento à legislação que regula o tema (Lei 9.504 /1997, Lei 13.303 / 2016 e Resoluções TSE – Eleições 2018 ). Com o fim das eleições, o material está disponível de forma completa.

 

Ilha do Sal – Cabo Verde, 19 de julho de 2018

 

 

Jornalista: Michel Temer não vai candidatar-se à Presidência da República do Brasil. A revelação é feita numa entrevista exclusiva à RTP, na Cimeira da CPLP, em Cabo Verde.

 

Jornalista: Senhor Presidente, primeiro, muito obrigada por nos ter concedido esta entrevista. O senhor diz que a CPLP tem progredido a passos firmíssimos. Está satisfeito com a presidência brasileira da CPLP?

 

Presidente: Olhe, em primeiro lugar, eu quero agradecer o convite, a oportunidade que eu tenho de falar a muitos daqueles que nos veem e nos ouve, não é? Mas, em segundo lugar, dizer que, de fato, eu me surpreendo cada vez mais com as reuniões da CPLP. Eu acompanho essas reuniões desde 2012, pelo menos, eu estive presente a elas, a primeira vez foi em Maputo. E eu pude perceber, já naquela oportunidade, o interesse extraordinário de todos os países por esta Aliança, porque ela nos fortalece. São 270 milhões de habitantes, somados todos os países, não é? E eu vejo ao longo tempo, desde as reuniões subsequentes, as reuniões que se seguiram, especialmente a que fizemos em Brasília, quando eu assumi a presidência da CPLP, que esse entusiasmo vem crescendo enormemente.

          E agora, agora, naturalmente, sob o patrocínio do Jorge Fonseca, que é o nosso presidente aqui, de Cabo Verde, eu verifiquei o entusiasmo com que os colegas presidentes e Chefes de Estado, Chefes de Governo, se manifestaram no dia de ontem. É interessante, até registro um fato curioso: havia um certo tempo, essas coisas são organizadas de maneira que haja um certo tempo, um certo período para que cada orador se manifeste. Mas os oradores foram além do tempo, e além do tempo que foram, foram igualmente aplaudidos, não é? Portanto, tinham o que dizer. E todos diziam, respeitantemente às questões referentes à CPLP.

          Eu acho que a CPLP foi um grande momento, foi criação, até ideia de um brasileiro, o José Aparecido de Oliveira. Ontem nós fizemos 22 anos da reunião da CPLP, e esta é a 12ª reunião, acho que sempre muito bem-sucedida.

 

Jornalista: E em relação à presidência brasileira, o Brasil escolheu aproximar a agenda da CPLP da ONU. Está satisfeito com os resultados?

 

Presidente: Eu acho que sim. E, convenhamos, a escolha foi muito oportuna, porque nós colocamos a CPLP num sistema, digamos assim, mais globalizado, na medida em que a agenda da ONU era a 2030, Desenvolvimento Sustentável, e no instante em que nós, na CPLP, quando assumimos a presidência da Organização, em Brasília, nós colocamos 2030 como meta, como estudos, meta de estudos, não é? Nós aproximamos a CPLP da ONU.

Aliás, muito a propósito, é interessante, quando eu falei com o secretário da ONU, o António Guterres, que é de Portugal, e disse a ele que a agenda seria essa, ele imediatamente disse: “Olha, eu vou comparecer”. E compareceu. Portanto, numa conexão entre a ONU e a CPLP. Eu acho que foi muito importante. Isto gerou até, no Brasil, movimentos importantes. Você sabe, Isabel, que um dos temas centrais é exatamente o tema do meio ambiente, tem aquele Acordo de Paris, etc., não é? E lá, no Brasil, nós ampliamos muito a proteção ao meio ambiente.

          Se você me permite, só para dar um exemplo, no caso dos oceanos, dos mares, nós estabelecemos uma área de proteção ambiental, nas costas brasileiras, que hoje equivale mais ou menos à soma de países como Alemanha e França, tamanho extraordinário que demos à proteção das águas marinhas no Brasil. Foi uma coisa importante. Portanto, foi muito importante trilhar essa Agenda 2030.

          Como é importante, agora, o que está se propondo nesse momento, que é a questão das pessoas e dos oceanos, não é? A mobilidade das pessoas, etc. e a proteção dos oceanos igualmente, como tratar dos oceanos. Porque, como direi logo mais, os oceanos não servem para dividir os países, eles servem para ligar, não é? São elos de ligação e não de divisão dos países.

 

Jornalista: O presidente angolano, ontem, na abertura da Cimeira mostrou-se preocupado com as tensões nos países-membros da CPLP, e deu três exemplos: a Guiné-Bissau, Moçambique e o Brasil. O senhor está preocupado também?

 

Presidente: Não, sabe que é uma preocupação, eu diria, global, também. Uma preocupação mundial. O presidente até foi, digamos assim, modesto, ao falar apenas em três países, porque hoje há uma certa turbulência que atinge muitos países no mundo, não preciso nem relatar o que está acontecendo, todos que nos veem e ouvem acompanham o que acontece em todo o mundo. Mas acho que, certamente, do Brasil ele se manifestou tendo em vista a proximidade das eleições. E você sabe que toda vez que você tem eleições, e eleições gerais, como acontece no caso brasileiro, você tem uma certa turbulência, porque o momento político-eleitoral é um momento de muita tensão, não é? E ele até, muito apropriadamente, muito diplomaticamente, ele disse: “Olha, espero que corra tudo bem, etc”. E acho que é o caso da Guiné-Bissau e, enfim, dos países que ele mencionou.

 

Jornalista: No entanto, o senhor não acha que o legado do Brasil, na CPLP, na presidência da CPLP, foi também desmoralizado por questões internas?

 

Presidente: Eu acho que não, viu, Isabel? Pelo seguinte… Acho, não, eu tenho certeza. E tenho certeza pelo número extraordinário de reuniões ministeriais dos respectivos ministérios, que foram feitas ao longo do tempo: na área de educação, na área de saúde, na área da alimentação, na área da agricultura familiar, na área de defesa - não é? -, na área de segurança, nós tivemos reuniões as mais variadas. Eu mesmo participei de algumas, uma delas até muito significativa, que foi uma reunião das mulheres parlamentares da CPLP, que estiveram no Brasil. E eu até fiz questão de comparecer, pude e fiz questão de comparecer. Mas outras tantas reuniões se deram ao longo do tempo. Aliás, delas eu fiz um relato breve, no dia de ontem, e muitos se referiram a essas reuniões, como fez, por exemplo, a secretária executiva da CPLP.

          Acho que não atrapalhou em nada. Aquela velha, para dizer uma coisa pueril, não é? “Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa”. De modo que a questão interna do Brasil não alterou em nada, digamos assim, o trabalho da CPLP, porque o Brasil simplesmente preside, como agora Cabo Verde presidirá. Mas os Estados todos se mantêm muito atentos e muito participantes de tudo o que acontece na Organização.

 

Jornalista: Os Estados têm evitado ingerir nos outros países, na situação política dos outros países. No entanto, há um compromisso geral, na CPLP, da defesa da democracia, da defesa dos direitos humanos. Como é que o senhor vê essa situação, em relação ao Brasil e em relação aos outros Estados da Comunidade?

 

Presidente: Olhe, no Brasil, primeiro, nós temos uma Constituição. Você sabe que eu sou da área jurídica, então eu prezo muito o que a ordem jurídica estabelece. E a Constituição Brasileira, nascida em outubro de 88, portanto, digamos, juridicamente o Brasil ainda é um País jovem, porque nasceu, ou renasceu, em 5 de outubro de 88, não é? Mas nós temos uma Constituição muito democrática e muito participativa.

          Você sabe que, interessante, até nos últimos tempos as instituições ganharam tanta força, tanto significado, que nós temos, adotamos lá a teoria, por exemplo, da separação de poderes os Três Poderes - o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas, só para revelar como as instituições são fortes, você sabe que hoje, o Ministério Público Federal, no Brasil, tem quase uma autonomia tão significativa, embora a Constituição diga que eles têm autonomia funcional, mas a tradução que se faz lá é que eles têm uma autonomia individual, ou seja, cada promotor, cada procurador é inteiramente livre para conduzir um processo determinado. De igual maneira o Tribunal de Contas, de igual maneira até a Polícia Federal.

          Eu acho que são coisas que, na verdade, revelam como o Brasil ampliou as suas instituições. Se certo ou errado, não importa. Mas o fato é que tudo isto revela uma, digamos assim, uma produção extraordinária do sistema democrático brasileiro que, de resto, essas coisas você sabe como são, elas repercutem nos demais países como, certa e seguramente, repercute nos países da CPLP.

 

Jornalista: No entanto, por exemplo, a Guiné Equatorial, que tem sido muito criticada pela sua participação como membro de pleno direito da CPLP, por causa da pena de morte, dá exemplo do Brasil. O Brasil, na Constituição, também ainda tem a pena de morte.

 

Presidente: Não. Perdão, nós temos a pena de morte em caso de guerra.

 

Jornalista: É, em caso de traição.

 

Presidente: Não, em caso de guerra e em situações, portanto, excepcionalíssimas. Nós não temos a pena de morte, não adotamos a pena de morte, primeiro ponto. O segundo ponto é que a nossa relação com os estados é uma relação institucional, é assim com a Guiné Equatorial. Evidentemente, nós somos, digamos assim, enaltecedores dos direitos humanos. Basta dizer a você, para dar dois exemplos, que aqui, na ONU, nós temos a Flávia Piovesan, que veio para a Comissão de Direitos Humanos; e temos, na área de deficientes, como coordenador-geral da questão da deficiência universalmente, portanto, da ONU, na representação na ONU, a Mara Gabrilli, que é uma deputada brasileira. Portanto, nós temos uma, digamos, uma participação intensa na questão dos direitos humanos. E estamos no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

          Então, o que acontece? Nós não interferimos… Você acabou de mencionar, não é? Eu, desde os meus tempos de estudante prezava muito a chamada... hoje não se fala mais nisso, mas naquele tempo falava-se em autodeterminação dos povos, não é? Quer dizer, cada povo vê o que é melhor para si.

          Então, no caso da Guiné Equatorial, nós temos uma relação institucional respeitosa, como temos, por exemplo, com a Venezuela. Nós nos opomos, naturalmente, ao governo, à forma da Venezuela conduzir, mas a relação com o Estado é íntegra, não há dificuldade em relação a isso. De igual maneira, Guiné Equatorial.

          Mas ao que sei, há uma tentativa sempre muito grande de produzir uma democracia mais intensa na Guiné Equatorial. É o que naturalmente se constitui...

 

Jornalista: Mas não acha que os Estados-membros da CPLP têm muitos telhados de vidro?

 

Presidente: Perdão?

 

Jornalista: É que há uma expressão portuguesa que é “os telhados de vidro”.

 

Presidente: Ah, telhados de vidro. Sim.

 

Jornalista: Sim, que os Estados da CPLP não podem dar grandes lições uns aos outros por causa dos telhados de vidro que têm.

 

Presidente: Olha, eu acho o seguinte: os Estados da CPLP, na sua grande… na sua quase totalidade, têm eleições livres, há uma participação intensa… são Estados que, muitas vezes, têm dificuldades, como digo isso deles, como digo do Brasil. Mas são questões que vão sendo superadas. E os Estados da CPLP podem dar um exemplo para todos os países onde não se pratique a democracia. Pelo menos essa tem sido a tônica, digamos assim, das reuniões da CPLP que, como disse a você, eu acompanho desde 2012. E esta será a tônica desta reunião. Você veja que a própria escolha do tema, a mobilidade das pessoas, a proteção dos oceanos, etc., diz muito respeito a esta integralidade, digamos assim, das condições humanas em cada país.

 

Jornalista: Nós estamos a terminar o nosso tempo, mas eu tenho que lhe fazer uma última pergunta. Vai haver eleições no Brasil esse ano, o senhor conta participar na próxima Cimeira da CPLP como presidente?

 

Presidente: Olha, eu conto participar como turista, como ouvinte, porque eu não vou ser candidato, não serei candidato à reeleição. Tenho participado, na medida do possível, ou participarei da campanha eleitoral, por uma razão singela: é que eu tenho uma equação congressual que reúne, mais ou menos, uns 20 partidos que apoiam e apoiaram o governo. E eu sei que nas localidades, especialmente na eleição para os governantes locais, para deputados federais, deputados estaduais, senadores, haverá uma divergência. E nesta divergência, eu preciso tomar muito cuidado, porque se eu participar demais, eu estarei agredindo aqueles, ou parte daqueles que me apoiaram durante o governo.

          Então, digamos, exercitarei a Presidência da República e, na medida do viável, do possível e daquilo que não prejudique, naturalmente, a governabilidade, eu participarei.

 

Jornalista: Muito obrigada, senhor Presidente.


Presidente: Obrigado a você.