29-03-2011 - Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, após visita à Universidade de Coimbra
Coimbra-Portugal, 29 de março de 2011
Jornalista: Presidente, que notícias a senhora tem do vice-presidente José Alencar e como é que a senhora está acompanhando a situação?
Presidenta: Olha, eu tenho acompanhado a partir dos médicos do Vice-presidente e a notícia que eu tenho é que ele voltou ao hospital e que a situação dele inspira cuidados e que está todo mundo acompanhando, na medida em que ele sempre surpreendeu, não é? Ele sempre foi aquela pessoa com uma imensa capacidade de amar a vida e, portanto, ele surpreende sempre. Então, a gente acompanha com muito carinho e com muita preocupação.
Jornalista: Presidente, o Judiciário está dando um mau exemplo com essa intenção de fazer uma greve anunciada para o final do mês de abril?
Presidenta: Olha, eu represento o Poder Executivo, então, eu, em relação ao Judiciário, tenho uma postura bastante de respeito. Acho que o que o Judiciário resolver encaminhar, a partir da condição de Judiciário, é uma questão dele, da autonomia dele, da independência que ele deve ter em relação ao Executivo. Agora, em geral, eu geralmente considero que é melhor sempre a gente esgotar o caminho do diálogo antes de tomar alguma atitude mais drástica.
Jornalista: Presidente, como o Brasil pode ajudar Portugal neste momento de crise? Comprando títulos portugueses? Como isso pode ser feito?
Presidenta: Olha, o Brasil tem um compromisso com Portugal e sempre vai ter. Nós temos investimentos de Portugal no Brasil e temos investimentos do Brasil em Portugal. E temos parcerias entre as empresas brasileiras e as empresas portuguesas em todas as áreas: de telefonia, energia elétrica, petróleo. A Galp e a Petrobras têm várias parcerias, por exemplo, em blocos de exploração. A EDP participa do setor elétrico brasileiro. É parceira de Furnas, por exemplo, em Peixe Angical, que é uma grande hidrelétrica. A PT Telecom tem relações com a Oi. No caso dos títulos, nós temos de cumprir os requisitos que dizem respeito ao uso das reservas no Brasil, à compra de títulos da dívida. Quais são os requisitos do Banco Central? É que sejam títulos que tenham uma classificação que é, se eu não me engano, triple way, para que se compre os títulos...
Jornalista: Então, Portugal está fora? Então, isso inviabiliza?
Jornalista: É, não é o caso.
Presidenta: A única alternativa que nós vemos para esse caso é a possibilidade de você comprar títulos que não são triple way com garantia, aí tem de ter garantia, ou garantia real, ou de algum, vamos dizer, algum ativo que supra essa deficiência. Isso é uma questão de negociação.
Jornalista: Tem alguma outra forma que o governo brasileiro possa ajudar o governo português, e já foi feito algum pedido formal ou a senhora está se antecipando, antes da conversa com o Presidente?
Presidenta: Não, não. A mim não foi feito assim um pedido formal. Você está falando por escrito? Nunca.
Jornalista: Ou alguma comunicação.
Presidenta: Já houve várias discussões a respeito, mas nada conclusivo. Agora, é necessário isso. Nós, no Brasil – e eu acho que vocês sabem disso – nós temos regras estritas para o uso dos recursos decorrentes das reservas que nós acumulamos ao longo dos anos.
Jornalista: Mas a senhora quer ajudar?
Jornalista: A senhora chegou a determinar...
Presidenta: Nós queremos ajudar, sempre queremos. Por que nós queremos ajudar? Porque Portugal não é um parceiro qualquer do Brasil. Portugal é uma economia aqui da União Europeia, mas é também o país com o qual nós temos uma ligação umbilical, no sentido literal da palavra; culturalmente falando, politicamente falando, nós somos frutos de um processo que foi o dos grandes descobrimentos. E Portugal marcou a vida do nosso país. Então, a relação com Portugal não é uma relação qualquer, é uma relação especial. Nós iremos fazer tudo que for possível para ajudar Portugal dentro da nossa legislação.
Jornalista: A senhora chegou a determinar algum estudo (incompreensível)
Presidenta: Não. Eu... você entende? Eu acho que essas coisas não se oferece; se discute se for colocado na mesa.
Jornalista: A senhora chegou a determinar no Brasil algum estudo (incompreensível)...
Jornalista: Houve mudança no discurso de erradicação da pobreza extrema, que a senhora tinha falado que teria proposto... prometido que seria excluída no seu governo, houve alguma alteração nessa...
Presidenta: Não, não houve. Deixe eu explicar: nós pretendemos que todo o Brasil assuma que essa é uma questão, eu acho assim, decisiva para o país. Eu não acredito que o Brasil será um país rico se houver esses milhões de brasileiros que nós temos abaixo do que nós consideramos a linha de corte da pobreza, que são os R$ 70,00 per capita. Nós vamos fazer um grande esforço nos meus quatro anos de governo para fazer a eliminação da pobreza. Chega um ponto, como foi o caso, por exemplo, do [programa] Luz para Todos, nós conseguimos chegar aos 12 milhões de pessoas que não tinham luz elétrica, que era o que a gente supunha que era a população que, no Brasil, vivia no escuro. Nós iluminamos essa população. Agora, descobrimos que tinha mais 1,5 milhão. Assim que começamos, que nos aprofundamos no tema. A pobreza, a partir do momento... você só trata dela se você localizar aquela família pobre e seus problemas específicos. É o que alguns estudiosos da pobreza, como o Marcelo Neri, mas, sobretudo, aquele menino, o Barros... Ricardo Paes de Barros, eles chamam de customização da política. Você tem de dirigir a política e focá-la para aquela pessoa, porque, a partir de um determinado momento, você começa a ter uma grande elasticidade.
Então, ninguém pode prometer que vai... que a eliminação é igual a zero. Você pode tender a isso e apostar que você, ao se aproximar do foco seu, por exemplo, se é 19, se é 21 – eu até prefiro não falar se é 19 ou 21 milhões – por que eu prefiro? Ou se é 14. Porque tem... esses números existem, e, agora, quando o IBGE liberar os microdados, nós vamos saber com precisão quantos são. Mesmo assim, você vai ter de continuar apurando. Porque a pobreza tem cara no Brasil, a gente sabe que ela é negra, que ela é feminina, que ela é criança, que ela mora no Norte e no Nordeste preferencialmente. Mas também você tem o Norte e o Nordeste lá no Sul do Brasil, na metade sul do Rio Grande [do Sul], por exemplo; você tem ali em São Paulo, no Vale do Ribeira; você tem no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Então, nesses estados e para essas pessoas, tem uma coisa que nós vamos ter de enfrentar: a capacidade de a gente não só ter o programa para tirar pelo menos as crianças da pobreza, mas como gerar renda para aquelas comunidades; como garantir que aquela comunidade... muitas vezes, ela vive do artesanato. No dia que eu fiz aquela exposição lá no Palácio do Planalto, lá tinha o Abaporu, que custa milhares de dólares. Mas eu coloquei também bonequeiras do Nordeste. Por quê? Porque eu tenho consciência de que tem um pedaço da nossa população que encontra no artesanato – e, aliás, um artesanato belíssimo, de alta qualidade – uma das suas fontes de renda.
Por isso é que, quando eu concluir o projeto da Secretaria de Micro e Pequenas Empresas... de Micro, Pequenas e Médias Empresas, eu vou focar muito nessa questão da criação de renda alternativa, de renda para o microempreendedor. Porque, caso contrário, tem certas regiões do país que você não dinamiza só com a política social ou só com a política de desenvolvimento econômico. Tem de ter, focado naquela região, naquela comunidade, tem de ter políticas específicas.
Jornalista: Presidenta, a senhora vai jantar com o presidente Lula hoje à noite, vai aproveitar para desfazer um eventual mal-estar em relação ao fato de ele não ter ido ao almoço do Obama?
Presidenta: Bom, ô gente, o mal-estar é de vocês, porque eu e o presidente Lula não temos nenhum mal-estar.
Jornalista: O que a senhora...
Presidenta: Continuamos sistematicamente nos encontrando, de 15 em 15 dias, aproximadamente. Até porque nós sempre temos muito o que conversar. Vocês nunca se esqueçam, eu trabalhei com o presidente Lula, é assim: diariamente e, às vezes, também até tarde, altas horas da noite, durante sete anos, seis anos e meio, praticamente. E antes eu também trabalhava, só que não era tão... tão assim direto. E, aí, eu tenho, com o presidente Lula, um acúmulo de experiência comum que, para mim, é muito importante. Ele é um grande interlocutor para mim. O presidente Lula é um estadista, que eu acredito que esteja praticamente reconhecido no mundo inteiro. Você pode até ter um lugar ou outro que não reconheça, mas que ele é um grande estadista, ele é. Uma pessoa com uma baita experiência de Brasil, com uma imensa sensibilidade política e com conhecimento.
Eu gostaria de saber a troco de quê eu não vou compartilhar não só a minha amizade, que eu tenho uma relação afetiva com ele, não vou compartilhar a minha amizade com ele e a experiência. Nós... Vocês podem tentar tudo, mas é impossível separar a minha trajetória da trajetória do presidente Lula. Isso não significa que eu e ele sejamos as mesmas pessoas, nós não somos. Mas nós somos pessoas que atingiram um patamar de respeito, de, eu acho, pelo menos da minha parte, de elevada admiração, e com quem eu tenho, assim, imenso... sempre que eu tiver oportunidade, tenho imenso prazer em compartilhar com ele as minhas horas e a minha experiência.
Jornalista: É o principal (incompreensível) da senhora?
Presidenta: Agora, eu hoje estou aqui principalmente porque eu acredito que é uma homenagem merecida o presidente Lula receber o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Coimbra. Por que é merecido? Porque o Presidente fez uma coisa que eu acho que a poesia portuguesa dá conta: ele construiu castelos com as pedras do caminho. Ele fez isso, e acho que uma pessoa que faz isso é Doutor na construção e na mudança de um país.
Jornalista: (incompreensível)
Presidenta: ...vários brasileiros aqui, em todas essas áreas, não é? Tem em Advocacia, Letras. Mas eu gostei muito de saber, e aí vocês podem perguntar isso para o meu querido Fernando Haddad, que passou sorrateiro por aí, tem na área de Matemática, na área de Física, de Química e de Biologia, e também (incompreensível).
Então, eu acho que é óbvio que a concentração é mais nessas áreas de Exatas, mas é importante que a gente veja o que está acontecendo. Eu pretendo, inclusive, na visita do presidente Obama nós tratamos disso, que é aumentar a quantidade de brasileiros e brasileiras estudando no exterior, tanto na graduação como no pós. Isso é importante para nós, é importante para o país, para a gente poder criar uma base capaz, cada vez mais, de gerar inovação. Tchau para vocês.
Jornalista: Obrigado.
Ouça a íntegra da entrevista (14min05s) da presidenta Dilma.